Como toda a corte que, pela imposição do seu poder, acha que pode tudo e nada teme no seu território, onde as instituições sempre estão olhando para o outro lado e não prestam atenção nos desvios de conduta do governo que teriam que fiscalizar, a luta pelo poder passa a ser interna e cada um se arma contra o aliado, visando possíveis traições futuras. É isso o que parece estar ocorrendo no governo de Roseana Sarney.
Não é só a luta pela sua sucessão, em cujas estratégias ela tenta impedir ou dificultar a candidatura do ministro Edison Lobão, solapando seus apoios e impedindo que solenidades onde Lobão é a estrela tenham brilho e que isso possa concorrer para consolidar sua candidatura ao governo. Ela não está brincando, pois a família, sob inspiração de Jorge Murad, seu marido, tem candidato ao mesmo posto, que é mais fraco politicamente que o “adversário” ministro. Mas a intriga e as traições dentro do governo vão muito além da sucessão...
Ela tem dentro da família (e do governo), ocupando um cargo importante, pelo volume de recursos que dispõe sua secretaria, o secretário Ricardo Murad, com quem desfruta um passado rico em problemas. Ele foi secretário de saúde de Roseana também antes da reeleição, cargo em que confirmou a sua fama de “trator”, fazendo coisas que até Deus duvida durante a campanha de 2010, onde soube usar todo o repertório da oligarquia ao disputar eleições com o governo na mão. Depois do pleito ganho, Ricardo Murad pensava que sua parte naquele latifúndio no mínimo seria igual ao de antes da eleição. Roseana, porém, não sabia como controlá-lo e não o queria mais como secretário de saúde. Ele já não seria mais útil para a governadora, que então resolveu afastá-lo do governo, dando-lhe um prêmio de consolação, a presidência da Assembleia. Contudo, Roseana depois foi alertada de que ali ele poderia causar problemas sem fim e de difícil solução. Assim, ela resolveu evitar a eleição de Murad já em cima da hora, muito tarde para uma negociação e avisou a sua turma que o projeto mudara e ele não era mais o seu candidato. Ao recuar, acabou por enfraquecer muito o parente, que viu seus apoios de antes deixarem-no sozinho, já que o novo tratamento era de adversário.
Foi tão escandalosa a manobra, tão mal feita, que em seguida ela teve que enfrentar um Ricardo irado, tendo que capitular aos desejos dele de voltar à Secretaria da Saúde. Em sua revolta, mesmo com o Palácio anunciando novo secretário para a saúde, também como ele, com fortes ramificações familiares, ele chegou à ousadia de avisar que na semana seguinte seria nomeado secretário de Saúde do estado. E efetivamente o foi. Devolveu assim a humilhação ele chegou à Roseana.
A governadora sabe que Ricardo, quando contrariado em seus desejos, não guarda conveniências. Ele era o presidente da Assembleia e se elegeu deputado federal em 1990. Cumpria um caminho que traçara previamente. Aliado incondicional de José Sarney, ele achava que daquela vez nada o impediria de ser o candidato ao governo do estado. Não via ninguém tão estruturado e com tantos apoios para fazer-lhe sombra no grupo. Mas foi passado para trás.
Sarney tinha outros planos e trabalhou para Roseana, sua filha, também eleita deputado federal em 90, ser a candidata no lugar de Ricardo, pois o senador nunca confiou plenamente neste e nem havia revelado ainda que dentro do seu coração essa candidatura era um sonho inarredável e que chegara o momento de um outro Sarney ocupar o governo. Pensou que Ricardo compreenderia e aceitaria sua decisão e resolveria tudo no âmbito familiar. Puro engano. Ricardo ocupava um lugar de força e importância crescente no grupo e reagiu com um sentimento que beirava o ódio.
Rompeu com Sarney e se jogou nos braços da oposição, logo se transformando em um violento adversário e pré-candidato ao governo. Todos se lembram dos insultos com que cobriu José Sarney, Roseana e seu próprio irmão, Jorge. Não havia limites para a sua raiva e desejo de vingança. Sarney então tirou a legenda de Ricardo e ele não pôde ser candidato.
Lobão está agora correndo riscos semelhantes no PSD.
Assim, Roseana sabe muito bem do que Ricardo é capaz e não tem disposição para enfrentá-lo. Naquela época foram insultos. Agora pode ser muito perigoso ter um inimigo que viveu profundamente as entranhas do episódio da cassação de Jackson Lago e das eleições de 2010. Ele poderia, se assim quisesse, destruir tudo e Roseana achou melhor engolir a humilhação.
Mas governo é governo e ela dispunha de outras armas, muito letais e que não precisaria de fato empunhá-las.
Ricardo também já não podia mais ser útil. Ao tirar Luís Fernando, ainda com metade do mandato a cumprir na importante prefeitura de São José de Ribamar, e fazê-lo aceitar a chefia da Casa Civil, ela mostrou a todos que ele estava ali para ser o candidato da família ao governo em sua sucessão. Era óbvio que era um projeto de inspiração de Jorge Murad e Ricardo nele não caberia. Automaticamente, Ricardo se tornou membro importante da candidatura alternativa da oligarquia, com o senador Edison Lobão novamente candidato ao governo.
Ali o grupo se dividiu novamente e Ricardo de novo estava do outro lado.
Muita gente desconfiou da matéria publicada pela revista IstoÉ contra Ricardo e sua temerária administração na Saúde, transcrevendo uma investigação do Tribunal de Contas do Estado acerca das licitações, obras e procedimentos do projeto de construir em menos de dois anos setenta e dois hospitais no estado, até hoje não entregues à população.
A desconfiança foi enorme porque desde a inauguração, o prédio do Tribunal de Contas se chamava Tribunal de Contas Roseana Sarney Murad, e ela goza ali de enorme poder, pois nomeou quase todos os conselheiros, que são muito seus amigos.
Logo, muitos políticos começaram a ver o episódio como “fogo amigo” entendendo que a matéria era de conhecimento do governo e poderia ter chegado à revista pelas mãos de pessoas amigas da governadora. Seria um aviso a Ricardo? Ou teria outro objetivo futuro?
Tudo isso pode ser apenas conjeturas. O Tribunal pode ter realmente investigado o governo de Roseana e a matéria ter vazado para a revista. Seria até normal. Assim a governadora, nem ninguém do palácio, teria nada com isso. É, pode ser...
Esse é o ambiente atual na esfera governamental maranhense. Ninguém confia em ninguém e tampouco se explica o marasmo da gestão, que vai levando um dia a dia medíocre e sem perspectiva de melhorar.
Seja o que Deus quiser!