“Você aplicou um negócio que era muito grosseiro”. A
frase causou uma surpresa geral, pois quem a disse foi o Ministro da Fazenda, Joaquim
Levy, ao mandar encerrar o badalado programa de desoneração tributária. O
programa, muito caro ao governo da presidente Dilma Rousseff, convertera-se na
sua principal arma para tentar manter a economia funcionando. A análise de Levy
sobre o programa é bem diferente da ideia da presidente, ou seja, era apenas
mais um ralo por onde escorria a gastança desenfreada. Em sua visão, isso
precisava acabar para equilibrar as contas nacionais que estavam descontroladas
e causando inflação sem crescimento, pois o país patinava à beira da recessão.
Eu sempre fui contra a maneira como era feita a
desoneração tributária, achava-a injusta e lesiva aos interesses dos estados e
municípios, pois o governo abria a mão de parte de recursos compartilhados
entre eles, como o Imposto de Renda e IPI - formadores dos Fundos de
Participação e do FUNDEB - recursos fundamentais aos estados do Nordeste, os
mais pobres do Brasil. Poderia, ao contrário, usar impostos chamados de
Contribuições, que não são compartilhados e são totalmente de sua esfera. Mas
não. O governo federal fazia benesses em sua maior parte com recursos alheios.
E pior, fazia-o sem consultar estados e municípios.
Mas não adiantava nada reclamar, pois o governo prometia compensações que nunca
vieram. Precisou aparecer o ministro Levy para acabar com o programa, embora
com outras motivações.
Pois bem, eu participava de uma reunião da Comissão do
Pacto Federativo, quando o Tribunal de Contas da União mandou entregar cópia de
uma deliberação do tribunal no processo TC 020.911/ 2013-0, Acórdão n° 713/2014-Plenário,
relatada pelo ministro Raimundo Carreiro. Trata-se de uma fiscalização na
modalidade Acompanhamento de Conformidade com o objetivo de avaliar a renúncia
tributária concedida a partir de 2008 referente ao Imposto de Produtos
Industrializados (IPI) e ao Imposto de Renda (IR), bem como o impacto dessa renúncia
nas diversas repartições de receitas tributárias federais, especialmente nas
transferências dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios (FPM),
autorizado pela Ministra Ana Arraes.
O resultado é estarrecedor! Trata-se da maior
transferência de renda ao contrário, ou seja a região mais pobre financiando a
mais rica do país e o programa, como veremos, não tem acompanhamento nem
análise e tampouco metas, ou seja, sem nenhum acompanhamento para verificar a
vantagem em tirar dinheiro da educação, da saúde, da segurança e da
infraestrutura da região nordeste, em benefício de empresários do sudeste.
Os números são assustadores e reveladores. No intervalo
de tempo entre 2008 a 2012 o Nordeste perdeu 35,7% de FPM; 52,5% de FPE-Fundo
de Participação Especial; 9,1% de IPI- Exportação; 26,3% de FUNDEB e 1,8% de
Fundo Constitucional do Nordeste-FNE.
Nesse período deixaram de ser recolhidos aos fundos a assombrosa quantia
de 327,78 bilhões de reais. O programa de desoneração é um programa federal,
feito pelo Governo Federal, sem consultas aos compartilhadores, mas da desoneração
total dos tais 327,78 bilhões de reais, 190,11 bilhões foi arcado pelos estados
e municípios e apenas 137,67 bilhões deixaram de entrar nos cofres federais.
Cortesias feitas com o chapéu alheio...
O Tribunal identificou que os estados do nordeste brasileiro
constituem a região com o maior impacto negativo originado da redução de
repasses aos fundos constitucionais e de participação (IPI- Exportação e FUNDEB),
em decorrência da desoneração do IPI e do IR, uma vez que poderia ter recebido 68,2
bilhões de reais nesse período, o que não ocorreu.
Prefeituras quebraram, atrasos de folha salarial e
postergação de obras foram comuns entre os municípios da região. O
empobrecimento da região – que pagou grande parte da desoneração mesmo sem
concordar – foi grande. E o problema é ainda maior, pois não estão
contabilizadas as expressivas perdas ocorridas 2013 e 2014.
Na decisão, a Corte de Contas enquadra o governo e
recomenda que a Casa Civil da Presidência da República, em conjunto com o
Ministério da Fazenda e ouvidos estados e municípios, adotem medidas com vistas
a inserir nas propostas normativas concessoras de renúncia tributária de IR e
IPI, estudo prévio quanto aos objetivos pretendidos, indicadores e metas
esperados com o benefício tributário. Tais estudos também deverão conter o impacto
sobre os repasses aos Fundos Constitucionais de Financiamento (FNE, FNO e FCO),
Fundos de Participação (FPM e FPE), IPI- Exportação, bem como relativamente ao
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB). A recomendação alicerça-se sobre os
princípios da publicidade e eficiência, insculpidos no caput do art. 37 da
Constituição Federal de 1988 e ao princípio da transparência para a
responsabilidade na gestão fiscal contido no parágrafo 1° do art. 1° da Lei
Complementar n° 101/2000.
Finalmente uma medida efetiva para acabar com a farra
das desonerações!
Se o governo federal quiser mesmo prover benesses, que
o faça com seus próprios impostos e se abstenha de provê-las com recursos que
não são seus e, muito pior, que fundamentais a regiões pobres como o nordeste.
O descontrole era tão grande que, embora tenha
tentado, o Tribunal não conseguiu identificar os recursos perdidos por cada
estado ou município.
Um descalabro!