terça-feira, 31 de março de 2015

"UM NEGÓCIO GROSSEIRO!"



“Você aplicou um negócio que era muito grosseiro”. A frase causou uma surpresa geral, pois quem a disse foi o Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ao mandar encerrar o badalado programa de desoneração tributária. O programa, muito caro ao governo da presidente Dilma Rousseff, convertera-se na sua principal arma para tentar manter a economia funcionando. A análise de Levy sobre o programa é bem diferente da ideia da presidente, ou seja, era apenas mais um ralo por onde escorria a gastança desenfreada. Em sua visão, isso precisava acabar para equilibrar as contas nacionais que estavam descontroladas e causando inflação sem crescimento, pois o país patinava à beira da recessão. 

Eu sempre fui contra a maneira como era feita a desoneração tributária, achava-a injusta e lesiva aos interesses dos estados e municípios, pois o governo abria a mão de parte de recursos compartilhados entre eles, como o Imposto de Renda e IPI - formadores dos Fundos de Participação e do FUNDEB - recursos fundamentais aos estados do Nordeste, os mais pobres do Brasil. Poderia, ao contrário, usar impostos chamados de Contribuições, que não são compartilhados e são totalmente de sua esfera. Mas não. O governo federal fazia benesses em sua maior parte com recursos alheios.

E pior, fazia-o sem consultar estados e municípios. Mas não adiantava nada reclamar, pois o governo prometia compensações que nunca vieram. Precisou aparecer o ministro Levy para acabar com o programa, embora com outras motivações.

Pois bem, eu participava de uma reunião da Comissão do Pacto Federativo, quando o Tribunal de Contas da União mandou entregar cópia de uma deliberação do tribunal no processo TC 020.911/ 2013-0, Acórdão n° 713/2014-Plenário, relatada pelo ministro Raimundo Carreiro. Trata-se de uma fiscalização na modalidade Acompanhamento de Conformidade com o objetivo de avaliar a renúncia tributária concedida a partir de 2008 referente ao Imposto de Produtos Industrializados (IPI) e ao Imposto de Renda (IR), bem como o impacto dessa renúncia nas diversas repartições de receitas tributárias federais, especialmente nas transferências dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios (FPM), autorizado pela Ministra Ana Arraes.

O resultado é estarrecedor! Trata-se da maior transferência de renda ao contrário, ou seja a região mais pobre financiando a mais rica do país e o programa, como veremos, não tem acompanhamento nem análise e tampouco metas, ou seja, sem nenhum acompanhamento para verificar a vantagem em tirar dinheiro da educação, da saúde, da segurança e da infraestrutura da região nordeste, em benefício de empresários do sudeste.

Os números são assustadores e reveladores. No intervalo de tempo entre 2008 a 2012 o Nordeste perdeu 35,7% de FPM; 52,5% de FPE-Fundo de Participação Especial; 9,1% de IPI- Exportação; 26,3% de FUNDEB e 1,8% de Fundo Constitucional do Nordeste-FNE.  Nesse período deixaram de ser recolhidos aos fundos a assombrosa quantia de 327,78 bilhões de reais. O programa de desoneração é um programa federal, feito pelo Governo Federal, sem consultas aos compartilhadores, mas da desoneração total dos tais 327,78 bilhões de reais, 190,11 bilhões foi arcado pelos estados e municípios e apenas 137,67 bilhões deixaram de entrar nos cofres federais. Cortesias feitas com o chapéu alheio...

O Tribunal identificou que os estados do nordeste brasileiro constituem a região com o maior impacto negativo originado da redução de repasses aos fundos constitucionais e de participação (IPI- Exportação e FUNDEB), em decorrência da desoneração do IPI e do IR, uma vez que poderia ter recebido 68,2 bilhões de reais nesse período, o que não ocorreu.

Prefeituras quebraram, atrasos de folha salarial e postergação de obras foram comuns entre os municípios da região. O empobrecimento da região – que pagou grande parte da desoneração mesmo sem concordar – foi grande. E o problema é ainda maior, pois não estão contabilizadas as expressivas perdas ocorridas 2013 e 2014. 

Na decisão, a Corte de Contas enquadra o governo e recomenda que a Casa Civil da Presidência da República, em conjunto com o Ministério da Fazenda e ouvidos estados e municípios, adotem medidas com vistas a inserir nas propostas normativas concessoras de renúncia tributária de IR e IPI, estudo prévio quanto aos objetivos pretendidos, indicadores e metas esperados com o benefício tributário. Tais estudos também deverão conter o impacto sobre os repasses aos Fundos Constitucionais de Financiamento (FNE, FNO e FCO), Fundos de Participação (FPM e FPE), IPI- Exportação, bem como relativamente ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). A recomendação alicerça-se sobre os princípios da publicidade e eficiência, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988 e ao princípio da transparência para a responsabilidade na gestão fiscal contido no parágrafo 1° do art. 1° da Lei Complementar n° 101/2000.

Finalmente uma medida efetiva para acabar com a farra das desonerações!

Se o governo federal quiser mesmo prover benesses, que o faça com seus próprios impostos e se abstenha de provê-las com recursos que não são seus e, muito pior, que fundamentais a regiões pobres como o nordeste. 

O descontrole era tão grande que, embora tenha tentado, o Tribunal não conseguiu identificar os recursos perdidos por cada estado ou município.

Um descalabro!