
“Será considerado um inimigo desta página aquele que ousar fazer o que faz a escória que combato: usar essa questão para atingir politicamente a pré-candidata do PT. (...) E, caso haja exploração política do caso, tenha ela que natureza for, farei a devida denúncia. O câncer não faz ninguém nem melhor nem pior. O câncer é só um mal. E tem de ser combatido. Que ela tenha sucesso na empreitada.”
Lembram-se de Marco Aurélio Garcia? É aquele senhor que, durante a crise aérea, diante de uma notícia que considerava favorável ao governo, embora se referisse à maior tragédia havida no setor no Brasil, fez com as mãos o famoso “top, top”, seguido por um seu assessor, que simulou trazer contra a pélvis quadris imaginários. Demonstravam sua piedade. E sua delicadeza.
Marco Aurélio, ontem, fez jus à sofisticação analítica empregada no caso da crise aérea. O valente resolveu refletir sobre a doença de Dilma Rousseff e sua candidatura. E não poderia ser mais explícito — seu pensamento, diga-se, é sempre digno de uma tarja preta.
Dizendo ter conversado com um filho, que é médico, afirmou Marco Aurélio:
"Do ponto de vista médico, ela tira isso aí de letra. Do ponto de vista político, ele disse que isso vai reforçar a candidatura dela".
O filho, como vêem, também é analista político.
A doença afastaria eventuais aliados? Marco Aurélio volta às suas reflexões:
"Pelo contrário. Reforça a candidatura. Eu, que já enfrentei situações parecidas, não tenho a mínima dúvida de que nossa ministra Dilma já se saiu bem desta, inclusive a coragem com que enfrentou, a franqueza. Ou seja, isso deve ter impactado muito bem na opinião pública do País".
Eis aí. Já não resta mais a menor dúvida sobre a marquetagem oficial com a doença da ministra. Essa gente, como é sabido, nunca teve limites. A ida de Franklin Martins ao governo conferiu profissionalismo a esse laxismo moral.
Pensar os benefícios eleitorais de um câncer é posicionar-se no último degrau da cadeia moral. Imaginem se a oposição estivesse, sei lá eu, fazendo cálculos em voz alta, contando com o insucesso da ministra. A ética seria a mesma, compreendem?
Em sua coluna na Folha de hoje, Clóvis Rossi fica bravíssimo com a base aliada, nestes termos:
O problema, agora, seria desrespeitar não a ministra ou a candidata, mas o ser humano. Dilma merece que lhe deixem em paz ao menos durante os quatro meses em que se submeterá a quimioterapia. Depois, cabe a ela -e exclusivamente a ela- decidir se se sente ou não em condições de ser candidata (...) Enquanto isso, que os abutres disfarcem o "apetite". Tudo o que a emporcalhada política brasileira dispensa, a esta altura, é o desrespeito a um ser humano.
Clóvis Rossi parece desconsiderar os abutres (termo impróprio porque a ministra está vivíssima) do PT. Quem lê o seu texto pode ficar com a impressão de que não é o partido da candidata Dilma o que mais está tentando fazer o que parecia inimaginável: faturar com o câncer da ministra. Não é assim porque eu quero. É assim porque, entre outros, Marco Aurélio Garcia quer. Abutres? Não! Aves de rapina.
No palanque
Lula e Dilma estiveram ontem Manaus. A exploração eleitoreira na doença não poderiam ser mais escancarada. Leiam trechos publicados pelo Globo Online:
No último evento da longa agenda que cumpriu nesta segunda-feira em Manaus, a inauguração do Conjunto Habitacional Cidadão IX, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu aos populares que fizessem orações pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (...). Ao finalizar o discurso, Lula pediu que Dilma se levantasse, segurou e ergueu a sua mão e pediu aos populares presentes que rezassem por ela. Segurando a mão da ministra, dirigiu-se a ela: - Quero que você olhe para as pessoas, porque a partir delas vem a sua força. Vem a força que você precisa para ser forte. Esse povo vai precisar muito de você daqui para a frente - disse Lula, voltando-se para o povo: - Orem por ela.
Lula encerrou a cerimônia sob aplausos da população e dos políticos e autoridades locais. Dilma canta com quebradeiras de coco e ensaia alguns passos.
À tarde, a ministra Dilma cantou com as quebradeiras de coco de Manaus, ensaiou alguns passos da dança regional e tirou muitas fotos com populares presentes no Centro Cultural dos Povos Indígenas. Num discurso de meia hora, Dilma, num tom emocional, agradeceu a solidariedade dos manauaras.
— Fiquei muito emocionada pela imensa solidariedade de vocês e tenham certeza que vocês me dão muita força e determinação. Agradeço a todos o carinho e também por torcerem por mim. Para mim, isso é muito importante - disse Dilma, no fim de seu discurso sobre as ações de cidadania divulgadas no evento.
Algumas mulheres que estavam à frente do palanque e trabalham com o plantio de castanhas gritaram em coro: "Dilma presidente!".
Voltei
Como se nota, Marco Aurélio nada mais fez do que vocalizar uma espécie de estratégia decidida pelo marketing. E cada personagem cumpre o seu papel. A doença de Dilma é real. Surreal é a vigarice oficial, que mistura, como se nota, oportunismo, populismo e até alguns laivos de messianismo.
Link original do Blog do Reinaldo Azevedo da Revista Veja