sábado, 9 de maio de 2009

Sopa de Miúdos

Folha: A farra das passagens aéreas provocou tal escândalo que o presidente da Câmara foi obrigado a limitar seu uso ao próprio parlamentar e seus assessores. A reação dos deputados foi imediata.
Um deles teve o descaramento de afirmar que não estava no Congresso por seu bel prazer, mas para servir à nação, a um custo que, acrescento eu, só de grana viva, vai a mais de R$ 60 mil, sem falar do resto. Outro cara-de-pau afirmou que queriam separá-lo da esposa, acabar com seu casamento, já que a proibiam de ir encontrá-lo em Brasília. A hipótese de ele pagar a passagem dela está excluída, uma vez que, na sua opinião, "a família faz parte do mandato".


Nunca vi marido tão apegado à esposa, já que não pode ficar sem ela nos três únicos dias da semana que passa em Brasília. Esse é o tipo de gente que está nos representando. A reação dos eleitores os fez voltar atrás. "Me entenderam mal", disse um deles, com o mesmo despudor.

A atitude das pessoas que se opuseram à medida tomada pelo governo do Rio para definir os limites das favelas com a construção de muros me parece mais fruto de preconceito do que outra coisa.


Aludiram todos ao Muro de Berlim, numa forçação de barra que deveria constrangê-los. Parece até que foram os comunistas que inventaram o muro. Na casa onde morei, em São Luís, com meus pais e irmãos, nos anos 50, havia um muro, sabiam? E também havia em todas as casas da vizinhança. É uma tática manjada demonizar as coisas para desacreditá-las. Lembro-me de um prefeito que, faz uns 30 anos, decidiu cercar as praças do Rio com grades. Imediatamente os defensores da liberdade sem limites vieram a público criticá-lo. Como não puderam lançar contra ele as "grades de Berlim", alegaram que estava atentando contra o direito de ir e vir dos cidadãos. A verdade é que praças como a Sezerdelo Correa, aqui em Copacabana, haviam se tornado valhacoutos de mendigos, que ali faziam suas necessidades, e de pivetes, que cheiravam cola e assaltavam as pessoas. Pois bem, o prefeito não deu ouvido às críticas e cercou as praças, que assim continuam até hoje, para a felicidade dos cariocas. A praça Serzedelo Correa, como a praça do Lido hoje são lugares aprazíveis, onde as crianças brincam e os aposentados jogam dominó e batem papo.

A brasileira Bruna Bianchi Ribeiro era casada com o norte-americano David Goldman. Moravam nos Estados Unidos e tiveram um filho. O garoto tinha 4 anos, quando Bruna disse ao marido que viria com o filho passar férias no Brasil e, aqui chegando, telefonou para ele dando por acabado o casamento e dizendo que o filho ficaria com ela. Isso, sem dúvida, caracteriza sequestro. Pouco depois Bruna morreu e seus pais, junto com o novo marido dela, negaram-se a devolver o menino ao pai biológico. O advogado da família chegou a afirmar que, se o menino, por força da Justiça, for entregue ao pai, será repetir o que fez Vargas, entregando Olga Benário aos nazistas. Afirma isso e nem corado fica.

A propósito do bate-boca entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o ministro Joaquim Barbosa, o presidente Lula declarou: "Isso é natural. É que nem futebol, onde se briga a toda hora. Se fosse por isso, o futebol já tinha acabado". É uma observação de raro brilhantismo. Imagino em que pobreza não ficará a vida intelectual brasileira depois do Lula!

Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, afirmou que não há homossexuais em seu país e por isso o governo iraniano não tem de legislar a respeito. Nunca houve ou não há mais? Fala sério, Ahmadinejad!

E por falar nele, o discurso que fez, no encontro da ONU para discutir o racismo, provocou a reação das delegações dos países europeus, que se retiraram do recinto. O ministro brasileiro da Igualdade Racial não tugiu nem mugiu, ficou quieto, atitude coerente com a do seu governo, que não costuma apoiar os brancos de olhos azuis, mesmo quando têm razão. Já no Brasil, informado da opinião de Lula, aderiu ao protesto.

O país inteiro ficou surpreso quando Dilma Rousseff, em entrevista coletiva, fingindo naturalidade, comunicou à nação que estava com câncer. Nunca vira, até então, uma pessoa expor publicamente doença tão grave, que todos procuram ocultar. E logo deduzi: foi Lula quem a mandou fazer isso para salvar a candidatura à Presidência da República, o que logo se confirmou. A que ponto chegam as pessoas por ambição política! O Brasil vai mal. Confio que Dilma sairá dessa; quanto à candidatura, depois disso, não sei.

Texto de Ferreira Gullar para a Folha de São Paulo

O "Menino" DE GRANDIS é Bem mais Velho do que Pensa e do que Parece

O texto que vai abaixo refere-se a uma questão de extrema gravidade. Considero-o um dos mais importantes escritos em quase três anos de blog. Diz respeito ao futuro de cada um de nós e ao regime em que queremos viver. Trata-se de escolher entre democracia e ditadura.

O procurador Rodrigo de Grandis, que atuou na Operação Satiagraha, é jovem. Tem 32 anos. Dia desses, um ex-jornalista que vende serviços na Internet chegou mesmo a perder o controle e a se comover com a sua “cara de menino”. Em Menino do Rio, Caetano descobriu o “calor que provoca arrepio”. No caso em questão, devia ser uma dessas comichões provocadas pelo particular entendimento que esse moço tem da Constituição. Hora de recuar um pouco mais nas referências.

São Paulo, o apóstolo, disse que, quando menino, pensava como menino. Uma vez homem, obrigava-se a pensar como homem — como adulto, bem entendido. De Grandis e sua rima imperfeita, De Sanctis, o juiz Fausto, têm um bom pretexto para algumas de suas meninices perigosas. O nome dele é "Daniel Dantas". O banqueiro continuará a ser “o” mal do Brasil — tem-se a impressão, às vezes, de que é o único — enquanto durar o governo do PT, que fornece o caldo de cultura ideal para o desenvolvimento de uma bactéria nefasta para o estado de direito: aquela gente que pretende fazer justiça a despeito da Justiça. Daniel Dantas virou o vilão que perdoa todos os pecados. E, ontem, o “procurador com cara de menino” foi muito além da conta, muito além do razoável, muito além das suas sandálias.

Cerco

Que fique registrado. A Justiça Brasileira está sob cerco. No STF, um ministro como Joaquim Barbosa acusa um desafeto de modo irresponsável e o aconselha a ouvir as ruas, como se elas fossem determinantes da Justiça — e não as leis. Ayres Britto, outro ministro da Casa, este também presidente do TSE, justifica que se dê posse a quem não foi eleito alegando que se trata apenas de uma medida de “menor extensão democrática”. Um juiz de primeira instância, em flagrante desrespeito à lei, autoriza a invasão de escritórios de advocacia. Ontem, De Grandis, numa palestra, afirmou, com todas as letras e mais um pouco, que há, no Brasil, “um apego excessivo da jurisprudência à questão dos direitos e garantias fundamentais”. Mais ainda: disse que isso “é fruto da época da ditadura militar”.

Pobre "menino"!
Pobre Brasil!
Pobres brasileiros!

De Grandis conferia uma palestra, ao lado do delegado Ricardo Saadi, da PF, na Procuradoria Regional Federal de São Paulo. O tema: “Visão Brasileira na coleta de provas: êxitos, dificuldades e sugestões. Balanço quanto aos meios de investigação utilizados na Operação Satiagraha na ótica do Ministério Público Federal e da PF". Isso já não é uma palestra, mas uma dissertação resumida no título! Sigamos.

Assim como não sei o que é uma “solução de menor extensão democrática”, não sei o que quer dizer “apego excessivo aos direitos e garantias fundamentais”. Aos 32 anos, talvez o “menino” não tenha tido tempo de investigar o sentido das palavras — embora a idade não perdoe a tolice. Ou um direito é “direito” ou não é. Ou é “fundamental” ou não é. Ou é “direito fundamental” ou não é. Não existem nem apego excessivo nem apego precário. Ou se respeita o que está na Carta ou se faz como a rima imperfeita de De Grandis, o De Sanctis, e se diz que a Constituição “não passa de um documento”.

Então ficamos assim:

- Joaquim Barbosa quer a voz rouca das ruas.
- Ayres Britto adota soluções de “menor extensão democrática”.
- De Sanctis acha que a Carta é só um documento e diz que a Constituição é o povo.
- De Grandis inventa o apego “excessivo” aos “direitos e garantias fundamentais”.

O “menino” estava mesmo impossível. Como vocês sabem, a bobagem sempre vem acompanhada da afronta à lógica elementar. Segundo o rapaz, a responsável por esse “apego excessivo aos direitos e garantias fundamentais” é a ditadura. Ele estava querendo dizer que, ao combater o regime militar, desenvolvemos essa, sei lá como chamar, “mania” de “direitos e garantias fundamentais”. Deixe-me ver se entendi o raciocínio do grande: ENQUANTO TÍNHAMOS DITADURA, AFERRAMO-NOS A ESSAS DUAS QUESTÕES QUE, VOCÊS SABEM, SÃO O CERNE DA DEMOCRACIA. AGORA QUE TEMOS DEMOCRACIA, SERIA PRECISO ABANDONÁ-LAS, DE SORTE QUE, ENTÃO, A DEMOCRACIA NOS TIRARIA AQUILO QUE NEM A DITADURA NOS TIROU. Coisa de gênio.

Juventude nunca é problema. Ignorância sempre é. Essa rapaz não sabe o que é sair à rua com receio de ser levado por gente que não dá muita bola para “garantias e direitos fundamentais”. Não sabe porque outros haviam feito o devido trabalho de conquistá-los, enquanto ele apenas exercia o direito se borrar as fraldas.

Não! De Grandis não é tão “menino” que possa borrar a Constituição. De fato, as suas idéias nada têm de jovens. São até muito antigas. Vêm das catacumbas do estado ameaçando os direitos individuais; vêm das ditaduras; vêm das tiranias; vêm dos estados totalitários fascistas ou comunistas; vêm do mundo das sombras. As idéias de De Grandis, nesse caso, são tão velhas quanto os demônios. Ele percorreu caminhos ainda mais perigosos. Disse, por exemplo, que a Constituição assegura uma série de direitos e garantias fundamentais, mas também determina a proteção de deveres fundamentais.

De Grandis conseguiu estabelecer uma relação de oposição entre “direitos fundamentais” e “deveres fundamentais”. Onde a boa doutrina sempre pôs um conectivo — “direitos E deveres” —, ele resolveu meter uma conjunção adversativa — “mas” —, como se o exercício de um roubasse um tanto do domínio do outro. Ora, sr. De Grandis, se existe “apego excessivo aos direitos”, então existe também “apego (ou imposição) excessivo (a) de deveres”. Ocorre que o “dever excessivo” não é dever, mas arbitrariedade, e o “direito excessivo” não é direito, mas privilégio inaceitável. Essa oposição inexiste nas democracias. O estado de direito, “menino”, é o estado regido pelas leis, não pela vontade justiceira.

Não, senhores! Isso nada tem a ver com Daniel Dantas. Isso tem a ver com civilidade. Os justiceiros das favelas também acham que há, no Brasil, um “apego excessivo aos direitos e garantias fundamentais”. SERÁ QUE, AO CRIME DO COLARINHO BRANCO, VAMOS AGORA OPOR OS JUSTICEIROS DO COLARINHO BRANCO — eventualmente da toga preta?

De Grandis, insaciável, deixou claro que enxerga a existência de um movimento que converge para o seu ponto de vista. Segundo diz, esse “apego excessivo aos direitos e garantias fundamentais” ainda resiste no Supremo, mas já começa a fraquejar no Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais. De Grandis nos informa, então, que, no STJ e nos TRFs, “direitos e garantias fundamentais” já não são tão fundamentais assim. E, se não são, então não são nem “direitos” nem “garantias”.

Devemos, pois, estar preparados para cruzar com um discípulo de Joaquim Barbosa que, antes de tomar uma decisão, vá tomar a temperatura das ruas. Ou com um seguidor de Ayres Britto que, ao decidir o nosso destino, considere com doçura: “Sei que se trata de uma solução de menor extensão democrática, mas fazer o quê?” Ou com um aprendiz de De Sanctis, que, dando de ombros para aquele “papel”, decrete: “A verdadeira Constituição é o povo, e o povo quer tal coisa”. Ou com um De Grandis mentalmente ainda mais jovem que bata o martelo: “Direitos e garantias fundamentais? Isso era coisa do tempo da ditadura”.

Sob o pretexto de caçar Daniel Dantas, essa gente está querendo jogar no lixo as instituições democráticas. Sob o silêncio cúmplice de importantes setores da imprensa, da própria Justiça e das entidades de classe ligadas aos advogados. Não por acaso, De Grandis acha que o tal “apego excessivo” vem de um tempo em que lutávamos contra a ditadura. Ele tem razão. Só mesmo o “apego excessivo a direitos e garantias fundamentais” nos livra das ditaduras. Ou se fica com eles ou se fica com elas.

O “menino” parece já ter feito a sua escolha.


Link original no Blog Veja - Reinaldo Azevedo

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Textos de Formação: A Fala do Cara e o Cara da Fala

Lula esteve ontem no Maranhão, que sofre com as cheias. É um destino infausto o do estado. Quando não são os Sarneys, são as chuvas. Nas últimas décadas, naquela parte do país, em vez de os políticos corrigirem os desastres da natureza, é a natureza que, volta e meia, extrema os desastres dos políticos. “O Cara” concedeu depois uma entrevista coletiva na presença da governadora Roseana Sarney (PMDB) — aquela que perdeu a eleição, mas foi feita governadora biônica pelo TSE, presidido pelo inefável Ayres Britto.

Sim, o Tribunal Superior Eleitoral, com saudades da ditadura militar, reintroduziu no Brasil o mandato biônico para governador de Estado sob o pretexto de moralizar as eleições. Tente explicar o procedimento a algum estrangeiro habituado à democracia. Ele vai preferir as nossas jabuticabas às nossas instituições. Não há país democrático no mundo que dê posse a derrotados. Mas só a gente tem jabuticaba, pororoca e Ayres Britto. Adiante.

Na coletiva, “O Cara” deve ter sido indagado sobre a oposição ferrenha que o magriço petismo local faz à dinastia Sarney. E então ele afirmou que, no governo, muitas vezes, teve de contrariar o PT para fazer a coisa certa. E deu um exemplo concreto: seu partido se opunha às medidas econômicas tomadas no começo do governo, que depois se mostraram acertadas etc e tal, preparando o país para enfrentar a crise. É, em parte é verdade mesmo. Lula se elegeu com o programa do PT e depois governou com o modelo herdado de FHC, o que ele admite agora, ainda que de modo oblíquo, naquele ritmo da glossolalia de palanque. Não foi só na economia, não é? O software, digamos, econômico que roda no governo Lula nada tem da pregação histórica dos petistas, que ele mesmo já definiu como “bravata”. Então poderíamos parar por aqui, juntando-nos à esquerda doidivanas, que lamenta que o governo petista não seja, então, VERDADEIRAMENTE PETISTA. Mas temos de avançar porque os esquerdistas, como de hábito, estão errados.

Nada mais petista do que a trapaça política agora confessada por Lula, embora ele a tenha ornado com os brocados do pragmatismo que engana trouxas. O PT afetava uma agenda esquerdizante em economia porque o discurso servia à mobilização de seus tontons-maCUTs, mas nunca, de fato, passou pela cabeça do partido reestatizar empresas privatizadas, por exemplo. Ou intervir de maneira brusca no mercado. Na área econômica, o propósito sempre foi outro: ampliar as medidas compensatórias aplicadas pelo governo anterior e seguir as regras da economia de mercado. Aliados insatisfeitos e adversários deveriam ser enfrentados na arena política. A conjuntura internacional ajudou enormemente com ao menos quatro anos de crescimento robusto — ainda que inferior ao de outros emergentes. Isso contribuiu para conferir ao Apedueta ares de grande administrador e, segundo alguns, até mesmo de visionário. A história é conhecida e aborrecida. Não precisa ser repisada aqui.

Assim, aqueles esquerdistas que esperavam o partido socialista deram com os burros n’água. E alguns choram até hoje — na imprensa e na academia, então, o que ainda há de viúvas do petismo dos anos 80... Eis a prova de que a sabedoria nem sempre chega com a idade. Mas cuidado para que, ao se acusar este engano, não se cometa um outro, ainda mais grave — e este pode ser fatal para os adversários do petismo. Não! O fato de o partido ter-se mostrado “mercadista” em economia — parcialmente ao menos (já explico a razão da ressalva) — não quer dizer que tenha se convertido à mais estrita lógica democrática. E eis o busílis. Não se converteu, não. Continua a alimentar uma visão autoritária de sociedade.

A tentação dirigista, centralizadora, que busca substituir a sociedade por tentáculos do partido, ainda é a mesma. E o partido, é bom que se diga, vem realizando aos poucos o seu intento. Os petistas foram bem-sucedidos, até aqui, em plasmar uma visão de mundo que se espalha de modo horizontal e que também atravessa verticalmente a sociedade brasileira. Se me impusessem definir em uma linha essa tal visão de mundo, eu diria que ela consiste em substituir o mérito pela justiça. E muitos indagarão de imediato: “Mas o que há de errado nisso? Então não é bom ser justo?” A resposta conceitual óbvia é esta: “não em lugar do mérito”. A resposta no que concerne à política aplicada precisa apontar a forma como o PT executa essa substituição: em lugar do exercício universal da justiça, tem-se a justiça para os que se “mobilizam”, para os “militantes” de causas, para os que encontram o seu lugar na estatal que mais cresce: a Reclamobras, formada pelos que reclamam a reparação de direitos supostamente agravados. Como apontei aqui há dias, estamos prestes a ter 60% das vagas do ensino federal médio e universitário comprometidas com cotas.

Essa é a face propagandística do, vá lá, novo regime. A outra face, a mais vetusta, aquela ignorada pelas “massas” (como eles gostavam de dizer antigamente), é a do aparelhamento do estado pelo partido — do estado e de todos os entes a ele associados, notadamente as estatais e os fundos de pensão, estendendo-se a instâncias diretamente ligadas ao exercício da justiça e às garantias dos direitos, como o Judiciário e o Ministério Público. O partido vai, assim, constituindo-se, com efeito, numa espécie de ente de razão, tornando-se, como queria Gramsci, o novo “imperativo categórico”. E a ubiqüidade não estaria devidamente caracterizada se não se lembrasse aqui o papel da imprensa, também ela, freqüentemente, comprometida com os valores influentes do petismo — na sua versão marrom, temos os mascates assalariados do oficialismo. Mas esses são manjados e só mobilizam os já mobilizados. Sua delinqüência é tal, que vivem da reiteração, não da conquista de novos fiéis. Mais preocupantes são os contínuos involuntários do partido, que não conseguem nem mesmo pensar uma maldita pauta fora de sua ditadura moral.

A verdadeira agenda do PT é o controle político da sociedade. O partido sempre pôde conviver com a economia de mercado — ainda que à sua maneira (já chego lá). Mas nunca pôde conviver, de fato, com a democracia plena e com a sociedade livre, daí a sua relação permanentemente crispada com a imprensa realmente livre e o tratamento sempre hostil dispensado àqueles que não lhe fazem todas as vontades. Daí a permanente criminalização da divergência, de que o Apedeuta-chefe é o grande teórico. A cada vez que subiu e sobe no palanque, dedica-se à demonização do passado, como se aqueles que o antecederam no cargo — menos Sarney, é claro — tivessem optado pelo erro, pela farsa, pela falcatrua.

Vejam lá o Lula que fala no Maranhão: se ele próprio ignorou a pauta petista, por que seus antecessores deveriam tê-la seguido? Mas Lula também se fez imune à lógica e à coerência. Ou não seria Lula.

Caminhando para conclusão, observo que relativizei ao menos duas vezes a compreensão que o PT tem da economia de mercado. Explico-me. O governo que aí está é mais um jogador do que um árbitro da aplicação das regras do jogo. E qualquer grande empresário sabe disso. Não se faz hoje um grande negócio no país sem que se sinta, como chamarei?, a presença forte do partido, decidindo, se preciso, ganhadores e perdedores segundo o interesse da nova classe que chegou ao poder. O emblema desse momento foi a lei que Lula assinou para legalizar a compra da Brasil Telecom pela Oi — num caso clássico, já aqui sintetizado, de lei feita de acordo com os negócios em vez de negócios feitos de acordo com a lei.

Muitos poderiam dizer: “Eis aí: mais uma vez, Lula, conforme confessou, atropelou o partido”. Bobagem! Lula agiu de acordo com o núcleo duro do PT, que sempre teve uma agenda aberta em economia. A agenda fechada, aquela de que não abre mão, é a do controle político da sociedade, é aquela que prevê substituir essa sociedade pelo partido. Na sua realização plena, será preciso pertencer ao partido para poder opor-se a ele.

Não sou pessimista. Sou realista. E, por isso, há tempos, declaro-me numa espécie de Resistência.

Link original no Blog de Veja - Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A Biônica Jurídica

No regime militar, para garantir a maioria no Senado, a Constituição foi mudada para permitir a “eleição”, sem votos, de um senador por estado. Este era eleito sem receber sequer um voto popular, pois que eram substituído pela indicação do regime. Assim, cada estado tinha um senador sem votos, que logo recebeu o nome de “senador biônico”. Isto, naturalmente, os deixava muito desconfortáveis perante a população, mas, principalmente, os diminuía perante os outros senadores.

Agora, muito tempo depois, temos o surgimento de um novo tipo figura política biônica. Não mais senadores. É o governador, que, mesmo tendo perdido as eleições para o governo do estado, por força do Tribunal Superior Eleitoral, substitui, no mandato, aquele que foi legitimamente eleito. Isso já aconteceu na Paraíba e no Maranhão, e, coincidência das coincidências, os governadores eleitos foram substituídos por candidatos derrotados do PMDB, partido do ‘bam-bam-bam’ da nação. Aquele mesmo partido do condestável senador José Sarney, presidente do Senado da República.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e do TSE, Francisco Resek, classificou o que aconteceu nesse tribunal, como “golpe de estado jurídico”. Nada mais apropriado. Assim, esses governadores diplomados dessa maneira, são quase aberrações jurídicas, diminutos perante aqueles legitimamente eleitos, e com enorme e natural rejeição perante a população. No caso de Roseana, a que não é mais Sarney, essa rejeição já era muito grande antes desse episódio, agora aumenta cada vez mais. Esconder o sobrenome não vai adiantar muito. Em tempo, será que foi ela quem não deixou o pai participar de sua posse, logo ele, que foi o grande responsável pelo novo cargo? Achou que isso iria aumentar a já enorme rejeição?

Desconfio que ela se sinta como muitos dos senadores biônicos do passado, desconfortáveis na multidão. Ela sente o pensamento negativo das pessoas, que muitas vezes viram a cara, falam coisas desagradáveis, não batem palmas e nem demonstram felicidade com a sua presença. Mesmo que a ocasião seja, teoricamente, para potencializar atendimento e assistência para desabrigados pelas cheias dos rios. Assim foi na semana passada, em sua ida a Bacabal e em outros municípios alagados. Basta olhar as imagens que sua própria televisão gerou, cujo conteúdo transparece o enorme desconforto de quem não se sentia apreciada e apoiada por aquela gente, que parecia lhe negar o consentimento para exercer aquele cargo e de se apresentar a eles.

É dura a vida dos biônicos, mesmo que esse mandato tenha uma origem jurídica, que é duramente contestada por grande parte dos formadores de opinião do Brasil, todos os jornalistas importantes do país, assim como historiadores, cientistas políticos, juristas, políticos e por pessoas que estão sempre escrevendo para jornais e revistas, expondo sua revolta com o que aconteceu.

O Professor e historiador Marco Antonio Villa publicou domingo último na Folha de São Paulo artigo intitulado ‘O país do faz de conta’. Nele, mostra toda a sua indignação com o episódio em fragmentos que exponho a seguir;

“Semanas antes, o senador Jarbas Vasconcelos acusara a cúpula do PMDB de ser corrupta. A grave denúncia foi recebida com naturalidade, como se se tratasse de uma divergência musical. Os atingidos preferiram o silêncio, certos (e têm enorme experiência nessa especialidade) de que o melhor era evitar o debate, pois logo o assunto cairia no esquecimento, substituído, como de hábito, por outra denúncia. E foi o que ocorreu.

Mas a balbúrdia legal continuou. O TSE agiu como a antiga Comissão de Verificação de Poderes, da República Velha, famosa por anular eleição quando o opositor era o vencedor: tempos do voto de cabresto, das atas falsas.

No Maranhão, o governador Jackson Lago foi apeado do poder. Foi um golpe às claras, organizado por uma família que tiraniza há mais de 40 anos aquele Estado, o mais pobre do país. O que aconteceu? O país silenciou. Ninguém protestou. Nem o partido do ex-governador (ilusão imaginar que o PDT perderia a "boquinha" do Ministério do Trabalho). E estamos com as instituições democráticas consolidadas...”

Mais claro e contundente do que isso é impossível. E ele não é maranhense, nem político.
Na revista Veja desta semana, um leitor de Volta Redonda, Estado do Rio de Janeiro, escreveu para a revista: “Roseana Sarney assumir o governo do Maranhão após ser derrotada nas urnas é uma vergonha. Então, para que chamam o eleitor para votar? Estão achando que o eleitor é palhaço? É a mesma coisa que um time de futebol ganhar o campeonato no campo e perder no tapetão? Será que o TSE está querendo eleger os governadores? Isso é democracia? Acho que não! O TSE não pode prosseguir com essa imoralidade! Gilton F. Silvério, Volta Redonda, RJ”

Essa decisão do TSE paralisou o Maranhão. Nada funciona. Quem é que paga pelo prejuízo que a população está sofrendo? Quem é que paga pelo revanchismo que trava as ações administrativas em andamento em todo o estado, colocando em dúvidas todos os convênios assinados e ações do governo que estavam em curso?

Semana passada, a governadora em exercício, dentro do programa principal do governo, que é o revanchismo, mandou um ofício a Assembléia Legislativa, pedindo de volta as Medidas Provisórias, assinadas por Jackson Lago, que concediam aumentos para funcionários civis e militares e promoção a professores. Pretendia, com apoio de seu sistema de mídia tentar evitar esses aumentos, aliás, coerente com seus dois governos, quando não deu aumento para nenhum funcionário do estado, a não ser o obrigatório aumento anual do salário mínimo.

Seus aliados da Assembleia correram a lhe informar que pedir de volta medidas provisórias só poderia se dar com autorização do plenário da Casa em votação aberta. E ela, informada, recuou, com medo das galerias que iriam ser tomadas por professores, funcionários e policiais civis e militares. Viu o perigo de sua rejeição ir a píncaros e mandou outro ofício pedindo a devolução do ofício original que pediu as MPs de volta. E espalhou que iria colocar mais professores entre os promovidos... Se ela tiver coragem ainda veta os aumentos.

Está montando, agora, uma espécie de Tribunal Biônico para dar vazão a sua sanha revanchista. Com vários “especialistas” em seu governo, lança mão de denúncias não apuradas, divulgadas como verdades absolutas, procurando enxovalhar todos os membros do governo Jackson com o poder do seu sistema de comunicação. Quer destruir reputações para dizer que são todos iguais a eles.

Arvoram-se sob a postura de vestais, embora todos saibam das sujeiras de tantos anos... Sujeira essa que, no dizer da revista Veja que circulou semana passada, lhes rendeu fortunas pessoais, enquanto o estado ficava cada vez mais pobre...

Que turma que não se manca!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Procuradoria Vai Investigar Administração do Senado

Sarney queria evitar entrada do Ministério Público no caso

Blog do Josias - Folha: Há cinco dias, João Carlos Zoghbi, ex-diretor de RH do Senado, reuniu-se em segredo com Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.

Vem a ser um dos mais celebrados advogados criminalistas de Brasília. Deve sua fama à habilidade com que livra os clientes de encrencas com a lei.

Zoghbi acertou-se com Kakay. Contratou-o não para a defesa no Senado, onde arrosta duas sindicâncias e um inquérito da Polícia Legislativa.

Recorreu ao advogado depois de receber a informação de que o Ministério Público decidira esquadrinhar os atos que praticara como diretor do Senado.

A Procuradoria vai apurar a suspeita de que Zoghbi usou uma ex-babá como “laranja”, para faturar milhões no filão dos empréstimos consignados do Senado.

Vai investigar também as acusações feitas por Zoghbi e pela mulher dele, Denise, contra Agaciel Maia, o ex-diretor-geral do Senado.

Segundo o casal Zoghbi, Agaciel enriqueceu graças à corrupção. Teria comandado um esquema de desvios nos contratos do Senado com fornecedores de mão-de-obra.


O Ministério Público entra no caso a contragosto de José Sarney (PMDB-AP), que tentatava circunscrever as investigações ao âmbito do Senado.

Na semana passada, quando as estripulias atribuídas a Zoghbi ganharam as manchetes, Sarney determinara a abertura de duas sindicâncias internas.

Como parecesse pouco, encomendara também a abertura de um inquérito no âmbito da Polícia Legislativa do Senado.

Alguns senadores chiaram. Tasso Jereissati (PSDB-CE) instou Sarney a acionar o Ministério Público.

Demóstenes Torres (DEM-GO) disse que a participação da Polícia Federal seria inevitável. Sarney fez ouvidos moucos.

No último sábado (2), alcançado pelo blog em Londres, o primeiro-secretário Heráclito Fortes (DEM-PI) explicou as razões da aversão ao MP e à PF:

“Alguns senadores estão pedindo isso, mas é uma bobagem. Há dois anos a Polícia Federal invadiu o Senado para descobrir irregularidades praticadas pelo Agaciel...”

“...Não apuraram nada. Se tivesse apurado naquela época já teriam encaminhado ao Ministério Público. Mas não levantaram nada de concreto”.

Heráclito acrescentou: “Não fica bem para o Senado recorrer à Polícia Federal, que vive grampeando as pessoas, inclusive os senadores...”

“...Um pedido nosso serviria apenas para que a Polícia Federal se instalasse no Senado. Há outras maneiras de agir. O Senado tem como investigar”.

A pergunta que percorre os corredores do Senado é a seguinte: a investigação do Ministério Público vai chegar aos senadores?

Na conversa que manteve com João Carlos Zoghbi, o criminalista Kakay deixou claro: não advogaria para o ex-diretor se houvesse relação dele com senadores.

Dos 81 senadores, 16 são clientes de Kakay. O advogado é amigo íntimo de Sarney. Daí a preocupação.

Zoghbi lhe assegurou que nada tinha a dizer contra nenhum senador. Tampouco teria acusações a fazer contra Agaciel Maia.

Dali a 48 horas, a revista Época levaria à web as acusações de Zoghbi e da mulher dele contra Agaciel.

Eram trechos de uma entrevista que o casal concedera na semana anterior. Não se limitaram a maldizer Agaciel.

Enfiaram no rolo dois antecessores de Heráclito na primeira-secretaria: os senadores Romeu Tuma (PTB-SP) e Efraim Morais (DEM-PB).

Kakay não gostou. “A entrevista criou mal estar. Já tem gente falando em interpelá-lo criminalmente. Para alguém que está sendo investigado, é ruim”.

O advogado acha que os Zoghbi injetaram complicação num caso que lhe parecera “simples”. Nesta semana, Kakay terá novo encontro com seu cliente.

Escrito por Josias de Souza

Comentário do Blog: Sarney está muito preocupado com o rumo que as coisas estão tomando no Senado. Não queria de jeito nenhum que o Ministério Público investigasse o Senado, pois perderia o controle absoluto do processo - que precisa ter para evitar que as coisas sejam para valer. A solução que havia autorizado era a tal Polícia do Senado fazer as investigações, tudo dentro dos conformes, sob sua orientação. Agora, com a entrada do Ministério Público, ele já colocou em cena o seu amigo Kakay, renomado advogado criminalista, seu amigo do peito, sócio em empreendimentos imobiliarios, para defender Zoghbi, com receio deste último falar demais. A primeira ação do advogado foi impor a condição de que seu cliente não falaria do envolvimento de senadores. Era o que queria Sarney.

domingo, 3 de maio de 2009

O País do Faz-de-Conta

Marco Antonio Villa*: Todos falam que é preciso mudar. É um discurso vazio. A maioria do Congresso não deseja nenhuma mudança de fundo

O Brasil é o país do faz de conta. No ano passado, foi louvado o 20º aniversário da Constituição. Os três Poderes foram elogiados, especialistas falaram da importância do Ministério Público, seminários e livros foram realizados e editados, como se vivêssemos em pleno equilíbrio e funcionamento eficaz dos Poderes.

De nada adiantou o oba-oba, pois, nas últimas semanas, assistimos a mais uma sucessão de embates entre os Poderes, além de sérias divergências no interior de cada um deles -isso só para ficar na esfera federal.

A realidade acabou, mais uma vez, se sobrepondo aos Afonsos Celsos que proliferam no Brasil, os ufanistas de plantão sempre prontos a engrossar o coro de que vivemos em uma democracia com instituições democráticas plenamente consolidadas. Estranha democracia em que, na suprema corte, um ministro acusa seu presidente de desmoralizar o Judiciário e, no dia seguinte, o acusado considera o fato absolutamente normal, como se fosse uma divergência de mesa-redonda de futebol. Já o acusador foi almoçar no Rio de Janeiro com uns amigos, como se estivesse gozando férias. Corte em que, aliás, um dos ministros utiliza-se do cargo para obter privilégios a amigos e familiares no aeroporto internacional do Rio de Janeiro.

Semanas antes, o senador Jarbas Vasconcelos acusara a cúpula do PMDB de ser corrupta. A grave denúncia foi recebida com naturalidade, como se se tratasse de uma divergência musical. Os atingidos preferiram o silêncio, certos (e têm enorme experiência nessa especialidade) de que o melhor era evitar o debate, pois logo o assunto cairia no esquecimento, substituído, como de hábito, por outra denúncia. E foi o que ocorreu.

Mas a balbúrdia legal continuou. O TSE agiu como a antiga Comissão de Verificação de Poderes, da República Velha, famosa por anular eleição quando o opositor era o vencedor: tempos do voto de cabresto, das atas falsas.

No Maranhão, o governador Jackson Lago foi apeado do poder. Foi um golpe às claras, organizado por uma família que tiraniza há mais de 40 anos aquele Estado, o mais pobre do país. O que aconteceu? O país silenciou. Ninguém protestou. Nem o partido do ex-governador (ilusão imaginar que o PDT perderia a "boquinha" do Ministério do Trabalho). E estamos com as instituições democráticas consolidadas... O presidente da República eleito em 2010 irá governar com um Congresso muito semelhante ao atual.

Como de hábito, haverá renovação próxima dos 40%. As práticas, porém, deverão continuar as mesmas. A desmoralização da atividade parlamentar chegou a tal ponto que o político comunica por meio da imprensa quais os cargos que deseja para apoiar o governo: a partilha da máquina pública é realizada abertamente.

Alguns congressistas têm uma lista pronta, são especializados em certas áreas. O senador José Sarney, por exemplo, tem um gosto especial pelo setor elétrico, um apego à Eletrobrás, Eletronorte e congêneres -como se tivesse cursado direito à força, pois sua vocação seria a engenharia elétrica. Outros preferem a Sudam, como o deputado Jader Barbalho, especialista em ranários. A lista poderia ocupar toda esta página e faltaria espaço.

Todos falam que é preciso mudar. Mas é um discurso vazio, sem nenhum efeito prático. Na verdade, a ampla maioria do Congresso Nacional não deseja nenhuma mudança de fundo. Querem e vivem do saque organizado do Estado, que, no Brasil, recebeu a curiosa denominação de presidencialismo de coalizão. Como se a aliança estabelecida entre o Executivo federal e a sua base no Congresso tivesse algum princípio político. A crise do Congresso tem no Palácio do Planalto uma de suas raízes.

Essa relação perversa ("é dando que se recebe") poderá mudar se o presidente eleito apresentar ao Congresso um plano de governo, estabelecendo aliança de sustentação com base em uma agenda programática.

Poderá modificar o rumo da história apresentando inicialmente, em rede nacional de rádio e TV, o seu plano de governo e conclamando o apoio da nação e, evidentemente, dos partidos com representação no Congresso.

O efeito pedagógico dessa medida certamente influenciaria as esferas estaduais e municipais, onde se repetem os mesmos problemas. Seria o primeiro passo, rompendo o principal elo de desmoralização do Legislativo.

Os três Poderes devem passar por uma reforma urgente. Mas nada indica que isso ocorrerá em curto prazo. A desmoralização das instituições vai, infelizmente, continuar.

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*MARCO ANTONIO VILLA, 53, é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFScar (Universidade Federal de São Carlos) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".

Direito à informação

Decisão do STF que anulou Lei de Imprensa produz incerteza e alguns riscos para a liberdade que se quis defender

Defesas fundamentadas da liberdade de expressão e do direito à informação foram apresentadas na quinta-feira, na sessão do Supremo Tribunal Federal que decidiu, por maioria de votos, pela incompatibilidade total entre a Lei de Imprensa, de 1967, e a Carta de 1988. Unânimes na sustentação desses princípios básicos, os ministros do STF divergiram, entretanto, num aspecto essencial.

Cumpria optar entre a abolição completa da lei atual -editada no regime militar- e a manutenção de alguns de seus artigos, sobre os quais não pesa o espírito autoritário que caracterizava o diploma em seu conjunto. Assim formulada, a questão envolve alguma minúcia técnica, mas suas repercussões práticas se revestem de grande relevância.

Aparentemente, qualquer lei específica sobre o assunto tenderia a conflitar com a plena garantia dos direitos à expressão e à informação. A esta visão se inclinaram alguns ministros do Supremo. Outros membros da corte admitiram, em tese, a possibilidade de uma lei específica.

Mesmo assim, 7 dos 11 ministros julgaram mais indicado abolir toda a lei. Tanto seus aspectos mais repressivos -os quais, depurados na própria atividade do direito, já haviam deixado de vigorar- como os mecanismos isentos desse caráter fariam parte de um conjunto único, que seria incorreto desmembrar.

Resultou minoritária a tese de que certos artigos do diploma deveriam ser mantidos. Seria esta, na verdade, a decisão mais apta a garantir o pleno direito à informação. Embora a Constituição o assegure plenamente, na legislação civil e penal há dispositivos capazes de inspirar empecilhos a esse princípio, em especial quando casos duvidosos são julgados em primeira instância.

Já se registraram, nessa esfera judicial, decisões em favor do recolhimento de biografias publicadas, supostamente por conterem material ofensivo à memória de personalidades reais. A censura prévia e a intimidação judicial sobre publicações menores e independentes -ou sobre indivíduos que, cada vez mais, se valem da internet para fazer jornalismo e emitir suas opiniões- tornam-se assim um risco.

Na falta do núcleo não autoritário da lei, decisões relativas às várias formas de manifestação da imprensa estão entregues, a partir de agora, a interpretações fragmentárias e por vezes intempestivas de juízes singulares. Uma das principais fontes de incerteza, decerto, será a ausência de parâmetros para o direito de resposta -o que vai afetar não só empresas jornalísticas, mas sobretudo o cidadão que se sentir ofendido por uma publicação.

Grandes companhias de comunicação podem, sem dúvida, prosseguir na defesa do direito à informação, apelando a instâncias superiores, onde o princípio encontra abrigo sólido. Mas só por meio de uma lei de imprensa estariam os órgãos de comunicação regionais, os sites isolados da internet e os cidadãos em geral mais bem protegidos das ameaças, que nunca cessam.

Cabe agora ao Congresso abreviar o perigoso vácuo que se abre com a decisão do STF, elaborando uma nova lei de imprensa, plenamente democrática.

Editorial da Folha De São Paulo