Em 2006, o paradoxo político maranhense estava mais uma vez
no limite máximo. Meu governo havia por três anos negociado exitosamente com o
Banco Mundial um grande e inovador programa de combate à pobreza que tirava
totalmente da classe política, pela primeira vez, a intermediação na aprovação
e liberação de recursos. O programa era inovador e contava com o entusiasmo de
técnicos do banco, porque delegava aos pobres a escolha dos caminhos locais
contra a pobreza, além de entregar o dinheiro em etapas às suas associações,
comandadas inteiramente por eles. Cada etapa realizada era fiscalizada por um
conselho de cidadãos da sociedade local. A cada etapa concluída, os recursos da
próxima eram liberados. Sem intermediários.
Era uma tentativa de evitar desvios, porque os programas anteriores
executados em outros governos admitiam intermediação e, como consequência, só
uma parcela dos repasses financeiros chegava até aos pobres e nada era
completado ou concluído. Enriqueceu a muitos. Triste memória.
Tudo ia bem, o governo brasileiro apoiava firmemente, mas
faltava ainda o cumprimento de uma exigência constitucional. A aprovação pelo
Senado, o que normalmente era realizada sem demora.
Mas não no nosso caso. Na ocasião, o Senado era comandado por
um maranhense e o projeto, de maneira mesquinha, foi jogado em uma gaveta e só
com a intermediação de Eduardo Campos, presidente do PSB e Líder do governo na
Câmara, além da pressão direta dos agricultores naquela Casa, é que conseguimos
aprovar o projeto com a ajuda inestimável de senadores de outros estados,
enquanto os do Maranhão bradavam contra. Uma coisa deprimente e ridícula, mas sobretudo,
esclarecedora.
Nessa época, fiz um esforço extraordinário pela aprovação.
Falei com praticamente todos os senadores, procurando-os em seus gabinetes. Munido de vasta documentação, eu procurava
mostrar os deploráveis indicadores sociais do estado e como esse projeto era
importante para combater a injusta situação e o que esperávamos dele.
Foram três anos perdidos com o projeto guardado em uma gaveta
do senado!
Procurei também a grande imprensa brasileira. Agendada por
Elsinho Moco, foi marcada uma entrevista com o Dr. Ruy Mesquita, que comandava as páginas de opinião do jornal O Estado de
São Paulo, um dos maiores e mais respeitados jornais do país.
Cheguei pontualmente na hora marcada, às 14 horas, no
escritório do Dr. Ruy no jornal. Homem muito experiente, afável, gostava muito
de ouvir o interlocutor e deixou-me a vontade. Passaram-se uma hora e meia de
boa conversa. Falei sobre as dificuldades que atravessava no governo totalmente
bloqueado pela força do senador junto à esfera federal, sem acesso aos
programas e liberações; falei do esforço que fizemos para alcançarmos o
necessário equilíbrio fiscal do estado que encontrei falido, porém, com a mídia
maranhense quase inteiramente dominada pelo senador, eu não tinha como explicar
convenientemente à população o que estava acontecendo. Por fim, falei que
corríamos o risco de perder um empréstimo do Banco Mundial porque o senado, por
influência do senador, boicotava a aprovação do empréstimo, já aprovado pelo
estado, pelo governo federal e pela diretoria do banco. Tudo porque o senador
não queria ou não se importava com a pobreza dominante no mais pobre estado do
país. Não admitia e não admite que adversários façam qualquer coisa.
Ruy Mesquita começou a narrar alguns episódios com o senador
e era visível que tinha dele um conceito muito ruim, quase um desprezo. E isso
muito antes do episódio da censura ao jornal patrocinado pela família e que já perdura
quase quatro anos à revelia da constituição.
No fim da conversa, me perguntou o que eu queria dele.
Respondi de imediato que queria fazer um artigo e publicá-lo no jornal o quanto
antes, sabendo que a força do jornal paulista iria abrir os olhos do senado e
tornar possível a aprovação do empréstimo.
Mesquita concordou de pronto, ligou para o chefe da redação e
disse que eu estava indo falar-lhe para combinar um artigo. Pediu que um
secretário seu me acompanhasse. Combinamos tudo, ficou tudo acertado, número de
palavras, etc.
Enviei o artigo, mas não sabia quando seria publicado. Em uma
quarta-feira estava em Brasília cumprindo mais um dia de agendas oficiais e,
cedo, por volta das nove horas da manhã, eu estava entrando no senado para
conversar com alguns senadores, quando já na entrada fui saldado calorosamente
por senadores e deputados, elogiando o artigo que estava publicado na edição
desse dia do jornal O Estado De São Paulo. Feliz, porque praticamente todas as
pessoas que encontrei haviam lido o artigo, fui em seguida para uma reunião
agendada com o ministro Márcio Tomás Bastos da Justiça. Ele me recebeu,
parabenizando-me pela entrevista e em seguida, motivado pelo artigo, levamos
algum tempo falando sobre o Maranhão.
Quando sai dali, liguei para o Dr. Ruy para agradecer e
testemunhar a força incrível do jornal, descrevendo rapidamente o que havia
acontecido. Disse a ele que agora acreditava que o empréstimo seria aprovado e
que devíamos muito a ele. Ele me disse
que só leu o artigo depois de publicado e que gostou muito e tinha uma surpresa
para mim. Perguntei o que seria e ele me informou que havia ordenado que um
editorial do jornal repercutisse e comentasse o meu artigo. A única coisa que
encontrei para dizer foi que aquilo era a glória para mim e que o interesse do
jornal era fundamental a nossa luta.
Aquele episódio foi inesquecível em minha vida. E foi com
pesar que tomei conhecimento da notícia da morte desse grande brasileiro
devotado à causa da liberdade, um homem apaixonado pelo jornalismo, um grande
brasileiro que mereceu a homenagem dos brasileiros.
E foi marcante que, no dia da sua morte, o Tribunal de
Justiça do Distrito Federal negou provimento ao recurso do Estadão contra a
censura imposta a ele para não divulgar nada sobre a Operação inicialmente
chamada de Boi Barrica. Com isso será possível seguir em frente com recursos ao
STJ e ao STF, onde a Constituição deve prevalecer, derrubando definitivamente decisões
como essa, que representam um terrível simbolismo.
Esteja no céu, Dr. Ruy Mesquita!
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