Uma decisão da Câmara dos Deputados deve preocupar os estados do nordeste, principalmente os menos dotados de infra-estrutura básica de saneamento, como é o nosso caso. É a tentativa de disciplinar o que pode ser gasto nos 12% dos orçamentos estaduais destinados a saúde.
A decisão de levar mais dinheiro para a saúde é acertada, mas o problema não está nos estados, e sim primordialmente no governo federal. O foco é que está errado.
Explico: o governo federal que é quem incentivou a fixação de um percentual obrigatório de gastos para a saúde pelos estados, 12% da receita, ficou de fora e não está obrigado a qualquer percentagem e, com isso, gasta o que quer. Fica sempre só nas promessas. Além disso, é o único ente federativo que tem um mecanismo, como a DRU, que desvincula 20% das receitas do governo federal de qualquer obrigação de gasto e repasse obrigatório. O que não dá para entender, pois a situação é muito diferente de quando foi criado tal instrumento, já que hoje há a fartura de recursos com arrecadações sempre crescentes. Os estados mais pobres é que mais perdem com tal mecanismo, pois recursos obrigatórios para a educação e saúde deixam de ser distribuídos aos mesmos.
Aliás, é desde a gestão Fernando Henrique que o governo federal arranjou uma maneira de burlar a Constituição do país, obrigando o compartilhamento da arrecadação dos impostos federais com estados e municípios. Sendo assim, ao chamar os novos impostos de “contribuições”, como exemplo a CPMF, e não de impostos, ele se desobriga de repassar uma parte para estados e municípios e concentra todos esses recursos no governo federal com imensos prejuízos aos estados, novamente, os mais pobres.
Os deputados aprovaram uma regra que define a não utilização de recursos da saúde para saneamento a partir de 2008. Ora, isso é desconhecer completamente a realidade dos estados mais pobres que foram endividados e que não tem acesso a financiamentos existentes na Caixa Econômica Federal, porque não têm capacidade de endividamento e as pretensões são negadas de pronto. O meu governo chegou a assinar um contrato de empréstimo com o referido banco, destinado a saneamento, que não se tornou efetivo, pois a oligarquia deixou o estado endividado e não havia capacidade de endividamento. O valor era de R$ 140 milhões.
E como fazer com estados que tinham em 2002 mais de 50% das residências sem água encanada e saneamento? Como resolver esse problema vital de saúde pública e de qualidade de vida? Hoje no Maranhão, depois de tudo que fizemos, ainda há mais de 30% de habitações sem água e saneamento básico.
Qual é a maior causa de mortalidade infantil no país? E que contribui mais para um infindável número de doenças? Trabalho recente da Fundação Getúlio Vargas mostra que é exatamente a falta de saneamento básico a causa maior da saúde precária de tantos brasileiros. No Maranhão, a maior causa da mortalidade infantil ainda é a diarréia decorrente da falta de saneamento básico.
O caso do Maranhão é mais grave porque os governos da oligarquia usaram toda a capacidade de endividamento para tapar buracos orçamentários já que o estado não tinha equilíbrio fiscal. E quando negociaram a dívida, no Governo Roseana Sarney, fizeram com grande displicência e falta de espírito público e aceitaram colocar só uma parte das dívidas como intra-limite, e o restante ficou fora, como extra-limite. Isso é a causa principal de estados bem administrados, como Minas Gerais, pagarem 13% de sua receita como dívida, e o Maranhão, 17% na média. É mais um exemplo de como o descaso e abandono concorreram para o nosso empobrecimento!
Considerar saúde somente a ação dos hospitais é reduzir e simplificar muito o problema e não condiz com a realidade do país, sendo um erro grave. Os parlamentares, e aqueles que se dizem da bancada da saúde, deveriam conhecer melhor a realidade e tornar efetiva a obrigação do governo federal, que é detentor da maior parte dos impostos, e que vem aumentando a receita acima do crescimento do PIB, a diminuir gastos com pessoal e custeio, a gastar mais com saúde e não jogar praticamente toda a responsabilidade em cima dos estados. Como o governo federal reage com rapidez e com força, os deputados acabam por jogar a maior parte do peso em cima dos estados, que muitas vezes nem sabem ou acompanham o que estão decidindo no Congresso Nacional.
Se o governo federal cumprisse a Constituição em relação às transferências constitucionais para os estados, aí sim decisões como essa poderiam ser aceitas.
Do jeito como o problema está sendo resolvido, quem perderá é a população mais pobre do país. É uma decisão ruim para os mais pobres e não resolverá os problemas de saúde como certamente é a intenção dos senhores parlamentares.
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