Ontem, a Folha publicou uma entrevista de Sérgio Dávila com Andres Oppenheimer, colunista especializado em América Latina, cujos textos são publicados no “Miami Herald” e em 60 outros jornais pelo mundo. Acho que vocês já leram em algum lugar boa parte do que vai abaixo.
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A política externa brasileira, em seus melhores momentos, é um enigma; nos piores, uma vergonha. Nesse campo, o Brasil frequentemente se parece com um país de Quarto Mundo.
Ambas as afirmações são do mais respeitado colunista de assuntos latino-americanos da imprensa americana, Andres Oppenheimer, cujos textos são publicados no “Miami Herald” e em 60 outros jornais pelo mundo.
O jornalista americano de origem argentina, autor do recém-lançado “Los Estados Desunidos de Latinoamérica” (editora Debate), ainda inédito no Brasil, e de “Contos do Vigário” (editora Record, 2007), entre outros livros, falou à Folha anteontem, por telefone, de Miami. Leia trechos abaixo:
FOLHA - Em sua coluna mais recente, o sr. escreveu que Brasil, EUA e OEA [Organização dos Estados Americanos] erraram no caso de Honduras. O que poderia ter sido feito e não foi?
ANDRES OPPENHEIMER - O Brasil deveria ter sido mais cauteloso antes de começar a grita de que não reconheceria as eleições em Honduras. É uma posição ridícula: por um lado, o país pede a suspensão do embargo dos EUA a Cuba, país que não tem eleição multipartidária há 50 anos; por outro, quer impor sanções econômicas a Honduras, que realizou eleições multipartidárias. Já os EUA nos deixaram coçando a cabeça, porque o que eles fizeram foi bastante confuso. O que deveriam ter feito diferente no começo era condenar o golpe, como fizeram, mas marcar posição de que havia dois culpados aqui, o presidente interino Roberto Micheletti e o presidente deposto Manuel Zelaya, que estava orquestrando seu próprio golpe constitucional à la Hugo Chávez. E ter uma mensagem mais clara. Por fim, a OEA foi a primeira a vir com uma posição unilateral condenando o golpe, o que foi certo, também, mas não lidava com o que Zelaya vinha tentando fazer, que era passar por cima de algumas instituições e convocar um referendo constitucional e se reeleger.
FOLHA - O sr. menciona a posição dúbia americana. Seria fruto de a política para a região estar refém das divisões políticas internas?
OPPENHEIMER - Acho que tem mais a ver com quem está no comando dessa política. Não esqueçamos que, durante toda a crise hondurenha e até o mês passado, ninguém estava à frente do setor para a América Latina no Departamento de Estado. Então, quase toda a política foi comandada da Casa Branca, por Dan Restrepo [assessor de Barack Obama para a região]. Eu gosto da política em geral do governo Obama, mas infelizmente ela não é muito focada na América Latina.
Primeiro, porque o governo tem problemas maiores, como Iraque, Afeganistão. Mas também porque ninguém ali tem interesse pessoal na região. Eu entrevistei Obama duas vezes. Na primeira, em 2007, perguntei quais eram os três presidentes latino-americanos que mais respeitava e ele não conseguiu mencionar nenhum. Disse que tinha muito interesse pela presidente do Chile, lembrava-se de que era uma mulher, mas não o seu nome. Da segunda, em 2008, já tinha se preparado, assim que sentou citou cinco nomes de presidentes. [Risos]
FOLHA - Como avalia a visita do presidente do Irã ao Brasil?
OPPENHEIMER - Foi um dos piores erros da história recente da América Latina, especialmente do Brasil, um país que cada vez mais pessoas, e eu me incluo entre elas, vê como um modelo para a região em vários sentidos. No momento em que todo o mundo está tentando mandar uma mensagem ao Irã de que eles não podem desenvolver armas nucleares, o Brasil dá a legitimidade que eles buscam. A política externa brasileira, em seus melhores momentos, é um enigma; nos piores, uma vergonha.
FOLHA - O sr. acha que o Brasil está pronto para o papel que deseja ter na arena internacional?
OPPENHEIMER - O país é um modelo em muitos sentidos para o resto da América Latina. Mostrou que se pode ter mudança política com estabilidade econômica, que se pode ter um governo de esquerda que não assusta investidores e ao mesmo tempo tem programas muito eficientes para ajudar os pobres, é um modelo em participação de ONGs em políticas públicas. Nisso e em muitas outras coisas é um país crescentemente de Primeiro Mundo. Em sua política externa, frequentemente se parece com um país de Quarto Mundo.
Link Original
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A política externa brasileira, em seus melhores momentos, é um enigma; nos piores, uma vergonha. Nesse campo, o Brasil frequentemente se parece com um país de Quarto Mundo.
Ambas as afirmações são do mais respeitado colunista de assuntos latino-americanos da imprensa americana, Andres Oppenheimer, cujos textos são publicados no “Miami Herald” e em 60 outros jornais pelo mundo.
O jornalista americano de origem argentina, autor do recém-lançado “Los Estados Desunidos de Latinoamérica” (editora Debate), ainda inédito no Brasil, e de “Contos do Vigário” (editora Record, 2007), entre outros livros, falou à Folha anteontem, por telefone, de Miami. Leia trechos abaixo:
FOLHA - Em sua coluna mais recente, o sr. escreveu que Brasil, EUA e OEA [Organização dos Estados Americanos] erraram no caso de Honduras. O que poderia ter sido feito e não foi?
ANDRES OPPENHEIMER - O Brasil deveria ter sido mais cauteloso antes de começar a grita de que não reconheceria as eleições em Honduras. É uma posição ridícula: por um lado, o país pede a suspensão do embargo dos EUA a Cuba, país que não tem eleição multipartidária há 50 anos; por outro, quer impor sanções econômicas a Honduras, que realizou eleições multipartidárias. Já os EUA nos deixaram coçando a cabeça, porque o que eles fizeram foi bastante confuso. O que deveriam ter feito diferente no começo era condenar o golpe, como fizeram, mas marcar posição de que havia dois culpados aqui, o presidente interino Roberto Micheletti e o presidente deposto Manuel Zelaya, que estava orquestrando seu próprio golpe constitucional à la Hugo Chávez. E ter uma mensagem mais clara. Por fim, a OEA foi a primeira a vir com uma posição unilateral condenando o golpe, o que foi certo, também, mas não lidava com o que Zelaya vinha tentando fazer, que era passar por cima de algumas instituições e convocar um referendo constitucional e se reeleger.
FOLHA - O sr. menciona a posição dúbia americana. Seria fruto de a política para a região estar refém das divisões políticas internas?
OPPENHEIMER - Acho que tem mais a ver com quem está no comando dessa política. Não esqueçamos que, durante toda a crise hondurenha e até o mês passado, ninguém estava à frente do setor para a América Latina no Departamento de Estado. Então, quase toda a política foi comandada da Casa Branca, por Dan Restrepo [assessor de Barack Obama para a região]. Eu gosto da política em geral do governo Obama, mas infelizmente ela não é muito focada na América Latina.
Primeiro, porque o governo tem problemas maiores, como Iraque, Afeganistão. Mas também porque ninguém ali tem interesse pessoal na região. Eu entrevistei Obama duas vezes. Na primeira, em 2007, perguntei quais eram os três presidentes latino-americanos que mais respeitava e ele não conseguiu mencionar nenhum. Disse que tinha muito interesse pela presidente do Chile, lembrava-se de que era uma mulher, mas não o seu nome. Da segunda, em 2008, já tinha se preparado, assim que sentou citou cinco nomes de presidentes. [Risos]
FOLHA - Como avalia a visita do presidente do Irã ao Brasil?
OPPENHEIMER - Foi um dos piores erros da história recente da América Latina, especialmente do Brasil, um país que cada vez mais pessoas, e eu me incluo entre elas, vê como um modelo para a região em vários sentidos. No momento em que todo o mundo está tentando mandar uma mensagem ao Irã de que eles não podem desenvolver armas nucleares, o Brasil dá a legitimidade que eles buscam. A política externa brasileira, em seus melhores momentos, é um enigma; nos piores, uma vergonha.
FOLHA - O sr. acha que o Brasil está pronto para o papel que deseja ter na arena internacional?
OPPENHEIMER - O país é um modelo em muitos sentidos para o resto da América Latina. Mostrou que se pode ter mudança política com estabilidade econômica, que se pode ter um governo de esquerda que não assusta investidores e ao mesmo tempo tem programas muito eficientes para ajudar os pobres, é um modelo em participação de ONGs em políticas públicas. Nisso e em muitas outras coisas é um país crescentemente de Primeiro Mundo. Em sua política externa, frequentemente se parece com um país de Quarto Mundo.
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