O parecer do Procurador Geral Eleitoral Roberto Monteiro
Gurgel Santos, opinando pela cassação dos diplomas expedidos a Roseana Sarney
Murad, governadora do Maranhão, e a Washington Oliveira, vice-governador, por
si só já é um avanço extraordinário na justiça brasileira e uma verdadeira
vitória do povo do maranhense.
Quando a ação deu entrada no tribunal, comenta-se que o
senador José Sarney reuniu os seus amigos do Direito, ex-ministros, e pediu que
examinassem o processo, dissessem se ele devia se preocupar com a questão e
qual a orientação. Eles teriam dito que, graças ao precedente criado com o
julgamento de Jackson Lago e com a densidade e robustez das provas, o único
caminho capaz de evitar a cassação seria não deixar que os autos chegassem ao
plenário. Se chegassem, seria muito grande a possibilidade de cassação.
Daí em diante, o que se viu foi uma tentativa infindável de
atrasar o julgamento. Tentaram de tudo. Foram seis tentativas de atrasar ou
paralisar o processo. Usavam preliminares alegando incompetências diversas,
todas derrubadas. Mesmo assim, conseguiram atrasar o processo em oito meses com
essas chicanas jurídicas.
O pedido de cassação do diploma foi muito bem feito,
comprovando cada afirmação com farta documentação. E o abuso de poder econômico
pôde então ser facilmente constatado pelo Procurador-Geral, que diz em seu
parecer: “O objetivo era realizar, com a maior rapidez possível, antes do
período vedado, o financiamento de obras diversas.” E prossegue: “chama atenção ainda mais, tanto pela pressa
com que eram realizados [os numerosos convênios], como pelo volume dos repasses”.
Até o Detran assinou 15 convênios com prefeituras, todos no
dia 24 de junho, data da convenção, no valor de 5,4 milhões de reais. Os
recursos foram liberados imediatamente. “Convém destacar que os convênios eram
realizados em tempo recorde: no prazo de dois dias, eles eram assinados,
publicados no órgão oficial e o dinheiro creditado na conta do município, cujos
saques eram feitos em espécie, diretamente na boca do caixa”, diz o parecer.
Com isso, Gurgel, após citar dezenas de prefeitos que
receberam convênios e o resultado da eleição nesses municípios onde houve
derrama de dinheiro público para votarem na governadora, conclui ser “induvidosa,
portanto, a intenção de cooptar, com os recursos dos convênios, o apoio dos prefeitos,
das lideranças partidárias e comunitárias, não somente dos aliados políticos,
mas também daqueles ligados à oposição”.
E completa: “em suma, a cooptação das lideranças políticas,
com os recursos dos convênios, constitui fator determinante ao apoio à
candidatura da governadora. A testemunha Hildo Rocha, secretário de assuntos
políticos, quando indagado sobre o número de prefeitos que aderiu à candidatura
da recorrida, respondeu que ‘(...) acredita que foi um número aproximado a 105
prefeitos dos 217 prefeitos dos municípios do Maranhão. Na realidade, o repasse
dos recursos dos convênios foi determinante não somente na obtenção de apoio
político, mas também na vitória dos recorridos nas urnas”.
E deixa isso claro em outros momentos, como a seguir: “Finalmente,
o compromisso de conseguir o maior apoio político possível fez com que várias
transferências de recursos aos municípios, em elevadas somas, fossem efetuadas
no período vedado.” E demonstra isso na peça acusatória.
Sobre a distribuição gratuita de bens mediante programa
social no ano eleitoral o Procurador-geral demonstra que o programa recebeu 130
milhões de reais no ano eleitoral e diz que a majoração excessiva de um
programa de habitação às vésperas das eleições, o qual, pelas suas
características, possui forte apelo popular, configura indubitavelmente abuso
de poder político a atrair a sanção do artigo 22 da LC n° 64/90.
Em seguida, examina o abuso de poder econômico e de
autoridade, afirmando que: “não obstante, no ano da eleição, a governadora
transferiu recursos elevadíssimos aos municípios, especialmente no mês de junho
e nos três dias anteriores a convenção. Para se ter uma ideia mais exata, no
mês de junho houve a celebração de 979 convênios envolvendo recursos da ordem
de R$ 391.290.207,48 dos quais 670 levados a publicação nos três dias
anteriores à convenção, no valor total de R$ 165.094.567,06.
O total das transferências no mês de junho impressiona quando
comparado com o total das transferências durante todo o ano de 2010, no valor
de R$ 407.996.940,49 (nos outros 11 meses de 2010 foram conveniados somente
cerca de R$ 16.000.000,00). E
impressiona ainda mais, ao se constatar que no ano de 2011, quando não houve
eleição, as transferências aos municípios desceram ao valor de R$
160.149.888,03”.
Resta mais que comprovado que o interesse era um só: mudar o
resultado da eleição ao seu favor.
Continuemos com outros excertos do parecer ministerial: “nas
alegações finais, Roseana Sarney Murad afirma que a celebração de convênios no
mês de junho é uma prática permitida, e o fato de ocorrer a convenção nesse
período não muda o quadro, uma vez que a lei somente a proíbe nos três meses
anteriores ao pleito. A considerar o mês de junho impróprio para celebrar
convênios , ‘ seria o caso de cassação de todos os governantes do Brasil, pois
todos realizam convênios neste mês. E continuarão a realizar, pois a
administração pública não pode parar.”
Essa é a desculpa Roseana está colocando em seus comunicados à
imprensa, mas vejam a reposta dura que Gurgel dá a essa alegação: “... há de se
coibir o desvio de finalidade, o abuso de poder no processo eleitoral. O ato
abusivo, mesmo praticado por todos os governantes, submete-se a reprimenda da
Justiça Eleitoral. Também não é possível estabelecer uma data ou período em que
a prática de abuso seja permitida, não importando sua natureza, se do poder
econômico, político ou do uso dos meios de comunicação [...] Essa ação
[assinatura de convênios] tinha um objetivo claro e imediato: interferir no
processo eleitoral em curso e beneficiar as candidaturas dos recorridos, dando
a eles condições diversas dos demais candidatos.”
“E nem mesmo se pode argumentar, no caso, com a ausência de
potencialidade de conduta. Pelo elevado número de convênios assinados pelo
agente público e o montante de recursos financeiros transferidos a dezenas de
municípios, em período tão curto do processo eleitoral, pode-se afirmar com
segurança que houve abuso de poder econômico e político apto a comprometer a
legitimidade da eleição e o equilíbrio da disputa.”
Sobre a maior quantidade de votos obtida por Roseana na
eleição questionada, diz o Tribunal: “Para configuração do abuso de poder, não
se exige nexo de causalidade, entendido esse como a comprovação de que o
candidato foi eleito efetivamente devido ao ilícito ocorrido, mas que fique
demonstrado que as práticas irregulares teriam capacidade ou potencialidade
para influenciar o eleitorado, o que torna ilegítimo o resultado do pleito”.
Por fim, Roberto Gurgel, Procurador-geral da República,
conclui assim o seu parecer: “à vista de todo o exposto, o Ministério Publico
Eleitoral opina pela rejeição das preliminares e pelo provimento do recurso, a
fim de que sejam cassados os diplomas expedidos aos recorridos”.
Ressalte-se que Gurgel reteve o processo por mais de um ano
em seu poder, mas o seu parecer é um primor no aspecto jurídico e legal e
praticamente fecha todas as portas para a argumentação da defesa de Roseana
Sarney. A Ministra Eleitoral Luciana Lóssio, relatora do processo, mas que
havia atuado no Tribunal como advogada de Roseana no processo de cassação de
Jackson Lago, não perdeu tempo e se declarou impedida de relatar o pleito e o
devolveu imediatamente à presidente do Tribunal para o sorteio de novo relator.
Isso frustrou enormemente a família Sarney, que esperava que ela pudesse levar
meses para se declarar impedida. Foi uma atitude digna.
A situação após o parecer é a mesma a que chegaram os
advogados do senador José Sarney: só evitam a cassação, se conseguirem evitar
que o processo vá a julgamento. Mas na situação atual é praticamente uma missão
impossível.
De qualquer maneira, o estrago já foi muito grande no
prestígio da família e só vai piorar.
A mudança está em curso!
Um comentário:
Olá!
Novamente seu texto nos dá a clareza do que acontece nos bastidores da família Sarney e principalmente no assunto da tão esperada cassação da governadora.
Tal texto deve ser divulgado a toda população maranhense para que saibam como esse governo "comprou" prefeitos e votos em 2010.
Parabéns e continue a nos informar com mais assiduidade.
Luiz Jr.
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