Jornalista Expedito Filho: O presidente da CPI dos Grampos acusa a Abin de patrocinar um esquema paralegal que envolveu seus agentes em ações clandestinas. O ex-diretor Paulo Lacerda pode ser indiciado por falso testemunho
O presidente da CPI dos Grampos, o deputado Marcelo Itagiba, do PMDB do Rio de Janeiro, não tem dúvida: a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão encarregado de assessorar o presidente da República, envolveu-se nos últimos meses em ações clandestinas e ilegais. A mais visível delas até o momento é a Operação Satiagraha, que resultou, em julho passado, na prisão do banqueiro Daniel Dantas. No rastro dessa ação, como revelou reportagem de VEJA, agentes da Abin, associados a policiais federais e arapongas contratados para fazer o que o deputado chama de "serviço sujo", grampearam os telefones do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, instalaram escutas ambientais, seguiram e fotografaram pessoas – tudo de maneira clandestina, sem autorização judicial. Itagiba acusa o ex-diretor da Abin Paulo Lacerda de ter mentido aos deputados da CPI e cobra a demissão definitiva de todos os envolvidos na ação que o parlamentar classifica de "paralegal".
O que a CPI já descobriu sobre os grampos clandestinos? Existe no país um conluio entre detetives particulares, funcionários de operadoras e prestadores de serviço às operadoras para a prática da interceptação ilegal, seja para obtenção de extratos telefônicos, seja para identificação de linhas para interceptação. Esses grupos tinham como clientes maridos traídos, grandes empresários e agentes públicos. O que descobrimos agora é que esses arapongas também vêm agindo em associação com a estrutura de estado. As instituições estão se utilizando dessas organizações clandestinas para investigações oficiais e, mais grave ainda, para desenvolver ações ilegais.
O senhor está se referindo à Abin e à Polícia Federal? Não tenho conhecimento dessa prática na Polícia Federal. Mas posso afirmar que em todo o mundo os serviços secretos utilizam agentes terceirizados para práticas de ações clandestinas, como grampos telefônicos. O caso Watergate foi assim. Os responsáveis pela invasão da sede do Partido Democrata eram pessoas vinculadas aos órgãos de inteligência.
A comissão já ouviu servidores da Abin e da PF sobre a interceptação da conversa do ministro Gilmar Mendes com o senador Demóstenes Torres. Já é possível tirar alguma conclusão? Com base nos depoimentos e em informações que recebemos, a CPI vem trabalhando com a possibilidade de a interceptação da conversa do ministro Gilmar Mendes com o senador ter sido feita por um grupo paralegal ligado à Abin.
O que significa isso? Podemos verificar que tudo tem início na investigação instaurada contra as práticas criminosas do senhor Daniel Dantas. Eu mesmo, quando era da polícia, já solicitei a colaboração da Abin em circunstâncias pontuais. Mas, neste caso, misturaram-se negócio, política e polícia no mesmo balaio. Para apurar as ações criminosas do banqueiro, que não são poucas, as autoridades se autoconcederam uma licença para fazer qualquer coisa. Além da engrenagem oficial, acionou-se um braço paralegal, sem vínculo formal com o estado, mas agindo protegido sob sua responsabilidade e orientação. Eles certamente estão na linha de frente das ações clandestinas. São ex-policiais e agentes aposentados da própria Abin, encarregados de fazer o chamado trabalho sujo, ou seja, tudo o que é ilegal, clandestino.
É possível comprovar a existência desse grupo clandestino que atuava a serviço da Abin? É bom ressaltar que esse grupo estava a serviço da investigação, que incluiu também a PF. A existência desses "paras" está mais do que demonstrada, na medida em que pessoas estranhas aos órgãos envolvidos foram, como já se sabe, contratadas para certas tarefas e receberam dinheiro para fazer determinados serviços. Tudo de maneira secreta, clandestina, sem o conhecimento formal das instituições. Já há um depoimento confirmando que o gabinete do ministro Gilmar Mendes foi alvo de ataque eletrônico, provavelmente de uma escuta ambiental. O grampo de seus telefones certamente deriva desse aparato clandestino a serviço da Abin e da PF. Essa associação entre o oficial e o clandestino atenta contra a democracia, por mais nobres que sejam seus objetivos.
O diretor afastado da Abin Paulo Lacerda resumiu o episódio a uma colaboração normal entre as instituições. Minha postura na CPI sempre foi cordial. Não estou ali para massacrar ninguém. Mas os depoimentos já prestados mostram que o delegado responsável pela Operação Satiagraha, Protógenes Queiroz, o doutor Paulo Lacerda e outros servidores da Abin faltaram com a verdade. O diretor da Abin mentiu ao Congresso. Eles procuraram escamotear a gigantesca participação da Abin. No início, disseram que eram uns quatro ou cinco agentes. Já sabemos que são mais de cinqüenta – isso sem contar os arapongas que atuaram à margem do aparato oficial.
Como o senhor avalia isso? Isso é muito grave. O relatório final da CPI ainda será elaborado. Ele deverá ser propositivo, mas defendo que aqueles que faltaram com a verdade devem ter o indiciamento solicitado por crime de falso testemunho. Quando instrumentos clandestinos passam a ser utilizados e se esconde sua utilização, mesmo que para pegar um criminoso do quilate de Daniel Dantas, você está usando a paralegalidade. Ou seja: a ação está revestida de legalidade, mas é absolutamente ilegal. Os fins estavam justificando os meios empregados.
O presidente Lula já disse que pretende reconduzir o delegado Lacerda ao cargo na hipótese de o inquérito que investiga a escuta não provar que ela foi feita pela Abin. Se a PF e a própria Abin não forem capazes de identificar quem participou desse caso, é melhor fechar as portas. O doutor Lacerda prestou relevantes serviços ao país quando foi diretor da Polícia Federal. Mas ele extrapolou. A Abin não pode participar diretamente de uma operação tipicamente policial, não pode ter mercenários à sua disposição e não pode lidar com material clandestino. Das duas, uma: ou o doutor Paulo Lacerda sabia de tudo e deve ser responsabilizado; ou ele não sabia de nada e também deve ser responsabilizado por isso. Deve ser punido por ação ou por omissão. Depois do que já se descobriu, não vejo condições de ele voltar a dirigir um órgão subordinado à Presidência da República. O presidente deveria demitir todos os servidores públicos que de alguma forma se envolveram com essa operação paralegal.
Não é razoável duvidar da possibilidade de uma investigação séria neste caso? A Abin é necessária ao país e tem uma missão institucional a cumprir. É um órgão de espionagem e contra-espionagem e não pode sofrer em razão da má atuação de alguns de seus dirigentes. Se o presidente não sabia – e eu acredito que ele não sabia, embora os agentes acreditassem estar em uma missão presidencial –, deve responsabilizar aqueles que intercederam e colocar na Abin uma administração profissional.
A comissão tem condições de identificar os responsáveis pelo grampo ilegal contra o ministro Gilmar Mendes? A CPI surgiu para investigar a suspeita de um estado policial, levantada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal que se sentiam coagidos e intimidados com prováveis grampos. Porém, apesar de termos saído em socorro da corte, estranhei muito a decisão do ministro Cezar Peluso. Suas decisões têm criado muitas dificuldades para o trabalho da comissão. Ele não nos permitiu, por exemplo, acesso à lista de autorizações de interceptação telefônica feitas pelos juízes de todo o país. Sabemos que vamos encontrar nessa lista coisas absurdas. Provavelmente inocentes que tiveram a privacidade invadida por interesses escusos. Essa também era uma de nossas principais pistas para tentar resolver o caso do STF. O número do telefone do gabinete do ministro Gilmar Mendes pode ter sido criminosamente inserido em uma dessas autorizações. Esse procedimento é chamado de "barriga de aluguel" e é mais comum do que se imagina.
O senhor acredita que o grampo do ministro realmente foi feito através de uma autorização forjada? É uma possibilidade que deve ser investigada com atenção. Já está demonstrado que os juízes não têm nenhum controle sobre as autorizações que concedem. Se um agente do estado mal-intencionado incluiu o número do ministro num pedido para investigar uma denúncia de tráfico de drogas em Corumbá, o magistrado, que na maioria das vezes age de boa-fé, pode ter autorizado. O presidente do STF pode ter sido ouvido meses a fio sem que ninguém saiba. É bom lembrar que a própria Polícia Federal já fez isso no passado. Simulou uma investigação de narcotráfico e conseguiu autorização para ouvir os telefones do secretário particular do presidente Fernando Henrique. A recusa do ministro Cezar Peluso em proporcionar acesso a essas autorizações nos impede de descobrir se isso aconteceu.
O senhor, que também é delegado da Polícia Federal, tem alguma teoria sobre o caso? Trabalho com fatos, mas a experiência me faz observar algumas coisas. O delegado Renato Porciúncula, que assessorava Lacerda na Abin e também foi afastado, era diretor de Inteligência da PF na administração do próprio Lacerda. As operações bem-sucedidas realizadas naquele período tinham determinadas características, como o excessivo uso de grampos telefônicos, o acompanhamento da imprensa e a exposição das pessoas presas. Basta observar que o mesmo procedimento se dá na Operação Satiagraha, que teve o apoio dos dois. No folclore policial, sempre existiu o tira bom e o tira mau. Os dois delegados representam esse papel. O Porciúncula era o executor das operações. O doutor Paulo Lacerda sempre foi o cérebro. Não sabemos ainda com exatidão a responsabilidade de cada um deles sobre a parte clandestina da operação. Mas posso afirmar: ao contrário do folclore, não existe policial bom nessa história.
O senhor acredita que exista algo ainda desconhecido que tenha justificado a presença maciça de espiões do governo em uma investigação policial? Existe uma disputa dentro do governo entre um grupo que deseja a fusão das teles (Brasil Telecom e Oi) e outro que não deseja. O grupo que não desejava a fusão perdeu. Os que queriam e os que não queriam estão arrumando uma enorme confusão. Esse processo de fusão vai conspurcar o governo do presidente Lula. Essa disputa tem objetivos vinculados a 2010. Talvez esteja aí a verdadeira razão da participação da Abin. Os grupos do PT no governo estão se digladiando para controlar o processo, quem sabe de olho em um futuro financiamento de campanha.
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O araponga Suplicy
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) já teve dias de fama encarnando o papel do inspetor Clouseau. Em novembro de 1993, ele viajou aos Estados Unidos em busca de pistas sobre o paradeiro da professora Ana Elizabeth Alves dos Santos, vítima de seqüestro em Brasília. Diligente, o senador seguia informações repassadas por uma tia do interior de São Paulo. Segundo ela, Ana Elizabeth estava viva e fora vista em Manhattan. Com uma foto da professora, o senador vagou pelas ruas de Nova York em busca de uma testemunha. Ninguém reconheceu a professora – e nem podia. Ana Elizabeth nunca saiu de Brasília. Estava morta havia quase um ano. Foi assassinada pelo marido, um alto funcionário do Senado, e enterrada em Brasília.
Frustrada a experiência como detetive, o senador tenta agora a carreira de araponga. Na semana passada, Suplicy participou com vários senadores de uma reunião na Abin. Em dado momento, resolveu compartilhar com os espiões do governo sua teoria sobre o caso do grampo telefônico contra o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres. "Há uma hipótese que já foi levada ao presidente Lula por um senador de que alguém no gabinete de Demóstenes pode ter feito isso para colocar o governo em dificuldades", disse, com ar de quem faz uma grande revelação. "Você parecia apenas obtuso, mas vejo que também é maldoso", rebateu na hora Demóstenes Torres. Suplicy explicou que apenas comentou uma de suas hipóteses: "Estou interagindo com a Abin"
Comentário do Blog: Esse assunto vai longe. Se for adiante vai ser uma grande confusão.
Um comentário:
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