terça-feira, 4 de junho de 2013

DR. RUY MESQUITA



Em 2006, o paradoxo político maranhense estava mais uma vez no limite máximo. Meu governo havia por três anos negociado exitosamente com o Banco Mundial um grande e inovador programa de combate à pobreza que tirava totalmente da classe política, pela primeira vez, a intermediação na aprovação e liberação de recursos. O programa era inovador e contava com o entusiasmo de técnicos do banco, porque delegava aos pobres a escolha dos caminhos locais contra a pobreza, além de entregar o dinheiro em etapas às suas associações, comandadas inteiramente por eles. Cada etapa realizada era fiscalizada por um conselho de cidadãos da sociedade local. A cada etapa concluída, os recursos da próxima eram liberados. Sem intermediários.

Era uma tentativa de evitar desvios, porque os programas anteriores executados em outros governos admitiam intermediação e, como consequência, só uma parcela dos repasses financeiros chegava até aos pobres e nada era completado ou concluído. Enriqueceu a muitos. Triste memória.

Tudo ia bem, o governo brasileiro apoiava firmemente, mas faltava ainda o cumprimento de uma exigência constitucional. A aprovação pelo Senado, o que normalmente era realizada sem demora. 

Mas não no nosso caso. Na ocasião, o Senado era comandado por um maranhense e o projeto, de maneira mesquinha, foi jogado em uma gaveta e só com a intermediação de Eduardo Campos, presidente do PSB e Líder do governo na Câmara, além da pressão direta dos agricultores naquela Casa, é que conseguimos aprovar o projeto com a ajuda inestimável de senadores de outros estados, enquanto os do Maranhão bradavam contra. Uma coisa deprimente e ridícula, mas sobretudo, esclarecedora.

Nessa época, fiz um esforço extraordinário pela aprovação. Falei com praticamente todos os senadores, procurando-os em seus gabinetes.  Munido de vasta documentação, eu procurava mostrar os deploráveis indicadores sociais do estado e como esse projeto era importante para combater a injusta situação e o que esperávamos dele. 

Foram três anos perdidos com o projeto guardado em uma gaveta do senado!

Procurei também a grande imprensa brasileira. Agendada por Elsinho Moco, foi marcada uma entrevista com o Dr. Ruy Mesquita, que comandava  as páginas de opinião do jornal O Estado de São Paulo, um dos maiores e mais respeitados jornais do país.

Cheguei pontualmente na hora marcada, às 14 horas, no escritório do Dr. Ruy no jornal. Homem muito experiente, afável, gostava muito de ouvir o interlocutor e deixou-me a vontade. Passaram-se uma hora e meia de boa conversa. Falei sobre as dificuldades que atravessava no governo totalmente bloqueado pela força do senador junto à esfera federal, sem acesso aos programas e liberações; falei do esforço que fizemos para alcançarmos o necessário equilíbrio fiscal do estado que encontrei falido, porém, com a mídia maranhense quase inteiramente dominada pelo senador, eu não tinha como explicar convenientemente à população o que estava acontecendo. Por fim, falei que corríamos o risco de perder um empréstimo do Banco Mundial porque o senado, por influência do senador, boicotava a aprovação do empréstimo, já aprovado pelo estado, pelo governo federal e pela diretoria do banco. Tudo porque o senador não queria ou não se importava com a pobreza dominante no mais pobre estado do país. Não admitia e não admite que adversários façam qualquer coisa.

Ruy Mesquita começou a narrar alguns episódios com o senador e era visível que tinha dele um conceito muito ruim, quase um desprezo. E isso muito antes do episódio da censura ao jornal patrocinado pela família e que já perdura quase quatro anos à revelia da constituição. 

No fim da conversa, me perguntou o que eu queria dele. Respondi de imediato que queria fazer um artigo e publicá-lo no jornal o quanto antes, sabendo que a força do jornal paulista iria abrir os olhos do senado e tornar possível a aprovação do empréstimo.

Mesquita concordou de pronto, ligou para o chefe da redação e disse que eu estava indo falar-lhe para combinar um artigo. Pediu que um secretário seu me acompanhasse. Combinamos tudo, ficou tudo acertado, número de palavras, etc.

Enviei o artigo, mas não sabia quando seria publicado. Em uma quarta-feira estava em Brasília cumprindo mais um dia de agendas oficiais e, cedo, por volta das nove horas da manhã, eu estava entrando no senado para conversar com alguns senadores, quando já na entrada fui saldado calorosamente por senadores e deputados, elogiando o artigo que estava publicado na edição desse dia do jornal O Estado De São Paulo. Feliz, porque praticamente todas as pessoas que encontrei haviam lido o artigo, fui em seguida para uma reunião agendada com o ministro Márcio Tomás Bastos da Justiça. Ele me recebeu, parabenizando-me pela entrevista e em seguida, motivado pelo artigo, levamos algum tempo falando sobre o Maranhão. 

Quando sai dali, liguei para o Dr. Ruy para agradecer e testemunhar a força incrível do jornal, descrevendo rapidamente o que havia acontecido. Disse a ele que agora acreditava que o empréstimo seria aprovado e que devíamos muito a ele.  Ele me disse que só leu o artigo depois de publicado e que gostou muito e tinha uma surpresa para mim. Perguntei o que seria e ele me informou que havia ordenado que um editorial do jornal repercutisse e comentasse o meu artigo. A única coisa que encontrei para dizer foi que aquilo era a glória para mim e que o interesse do jornal era fundamental a nossa luta.

Aquele episódio foi inesquecível em minha vida. E foi com pesar que tomei conhecimento da notícia da morte desse grande brasileiro devotado à causa da liberdade, um homem apaixonado pelo jornalismo, um grande brasileiro que mereceu a homenagem dos brasileiros.

E foi marcante que, no dia da sua morte, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou provimento ao recurso do Estadão contra a censura imposta a ele para não divulgar nada sobre a Operação inicialmente chamada de Boi Barrica. Com isso será possível seguir em frente com recursos ao STJ e ao STF, onde a Constituição deve prevalecer, derrubando definitivamente decisões como essa, que representam um terrível simbolismo.

Esteja no céu, Dr. Ruy Mesquita!