sábado, 20 de dezembro de 2008

Discurso do Ministro Francisco Rezek

Presidente Carlos Britto,
Senhor Ministro Relator Eros Grau,
Senhores Ministros Barbosa, Fischer, Gonçalves, Ribeiro Oliveira, Versiani Soares,

Jackson Lago é um médico, nunca fez da política sua principal carreira. Passou em salas de cirurgia a maior parte do seu tempo, o seu ingresso na vida pública é relativamente recente e se fez pelo PDT, pelo Partido Democrático Trabalhista, aquele que foi fundado há cerca de 30 anos por Leonel Brizola.

Goste-se mais ou goste-se menos do estofo ideológico dessa bandeira partidária, ela tem seu pró, Senhor Presidente, uma tradição de integridade que nunca se quebrou.

Foi sob a bandeira deste partido que Jackson Lago, prefeito anterior de São Luís, se candidatou ao governo do estado, e foi eleito em segundo turno. Uma bela vitória que traduz a vontade do povo maranhense de romper um ciclo.

Chamo a atenção da Corte para a absoluta, a sinfônica naturalidade dessa vitória, apelando primeiro para conceitos aritméticos, não se briga com os números. Para vencer a eleição de governador do estado do Maranhão, Jackson Lago teve mais ou menos o mesmo número de votos que obtivera na eleição de quatro anos antes, quando perdeu para José Reinaldo Tavares, então candidato a governador em associação com os candidatos ao Senado Roseana Sarney e Edison Lobão.

A aritmética também se revela, na sua didática, quando se considera que o número de votos obtidos por Jackson Lago no segundo turno, e que lhe deram a vitória corresponde, grosso modo, à singela soma dos votos que ele próprio obtivera em primeiro turno com os votos dos que o apoiaram em seguida.

Não houve, portanto, diversamente do que se apregou, nenhuma quebra de votação para a candidata adversária, que se pudesse debitar, de algum modo, a qualquer espécie de ação nociva à lei eleitoral, por parte do governador do estado.

O aspecto mais impressionante, sob a ótica da ciência jurídica desse processo, senhores Ministros, é a fantástica inversão da teoria da responsabilidade. O que se deseja, o que deseja o grupo recorrente, com o endosso integral do Procurador da República é reverter tudo aquilo que os pensadores do Direito desde a antiguidade conceberam como responsabilidade. Porque de tudo o que se diz aqui e que, na realidade, não tem consistência nem veracidade algumas vezes, mas de tudo o que se diz aqui nada tem a ver com o Jackson (...) Lago.

Pretende-se transferir a ele não exatamente não responsabilidades do ex-governador José Reinaldo Tavares, que nada fez de irregular no fim, também, ao cabo, mas responsabilidades resultantes de hábitos políticos maranhenses, com os quais ele, estranho a toda a oligarquia e a todo coronelismo, jamais contribuiu.

Não foi ele quem forjou aquilo que o estado do Maranhão, como em vários outros estados da Federação, se inaugurou há tantas décadas como prática política, pelo contrário, tudo isso funcionou mais dessa vez como funcionara em todas as eleições passadas do Maranhão, em desfavor do eleito, daquele que, como disse o advogado adverso, “os pobres e miseráveis do Maranhão” resolveram alterar, resolveram dizer não a um status quo que se eternizava, e inaugurar uma fase nova na vida do estado.

Com a sua extraordinária boa-vontade, e a sua exemplar expediência, o Procurador da República entende que, no caso, houve frases ditas pelo governador de então, que indicam a sua simpatia por vários candidatos, um dos quais o seu correligionário, o seu candidato oficial do PSDB, Edson Vidigal, e indicam a sua aversão por aquele grupo que era o dele, cujas metodologias eram, no passado, as dele. Aquele grupo que, entretanto, agora, se constituía num grupo desafeto.

Mas o que disse o governador José Reinaldo? Frases como: “Vamos vencer. Vamos derrubar a oligarquia”. Não há nada naquilo de que se acusa a campanha, não apenas a campanha que nos interessa, de Jackson Lago, mas mesmo a campanha global, que o governador Tavares teria feito em favor dos candidatos chamados pelo Procurador de “anti-Sarney”.

Não existe nada aí que já não se tenha visto em campanhas das grandes democracias do Ocidente. Nada disse José Reinaldo Tavares que não tenha sido dito por Dona Angela Merkel, por Berlusconi, por Tony Blair, por Dona Ségolène Royal, por Nicolas Sarkosy, por Mário Covas em São Paulo, por tantos outros próceres da vida política, das democracias.

Não sei de onde tirou o Ministério Público essa espantosa hipersensibilidade, a ponto de identificar nessas frases típicas de campanha eleitoral, típicas de cenário pré-eleitoral, alguma forma de irregularidade. Sua Excelência honra, afinal de contas, aquilo que disse no início da análise do mérito: “Cumpre mostrar neste Parecer o contrário do que se alega nas longas defesas escritas”.

Senhor Presidente, eu sou um Procurador da República de carreira, da primeira geração concursiva, fundador da Associação de Classe. Eu não sabia que o Ministério Público tinha essa função. Eu não sabia que lhe cumpria restibularmente afirmar aquilo que vai dizer em seguida.

Acontece às vezes, por força, sei lá, da lei da inércia, de o Ministério Público assumir uma atitude salvacionista em relação a uma decisão judiciária, e partir da premissa de que lhe cumpre defender aquilo que foi decidido por uma causa de justiça contra um recurso oposto pela parte inconformada. Aqui não há nada, não há decisão de causa de justiça nenhuma. O que há são decisões da Justiça Eleitoral, convalidando o processo, diplomando, empossando o eleito, e um inconformismo da parte perdedora.

Senhor Ministro Presidente,
Senhores Ministros,

Quem quer que tenha um mínimo de vivência da Justiça Eleitoral sabe disso: é próprio da campanha que os antagonismos se manifestem, que as queixas recíprocas aflorem a todo momento. Dispomos de um sistema quase que irrepreensível para administrar isso: direito de resposta, várias medidas que a Justiça Eleitoral toma e tomou nesta campanha, para coibir abusos de um lado ou de outro.

Sabemos todos que ao fim do processo eleitoral sobram ressentimentos, mas o vencedor os esquece de pronto. O perdedor, muitas vezes, tende a ruminar os seus ressentimentos. Não precisamos ir longe, não precisamos cair muito abaixo do topo da pirâmide do Poder, para lembrar destemperos verbais refletindo no passado recente do Brasil aquilo que, na voz do derrotado, era uma má administração do processo pela Justiça Eleitoral. Estamos habituados a isso.

Aqui, entretanto, o que se quer não é isso. O que se quer é derrubar o pleito, é inverter o resultado da vontade popular. E aí, mais uma vez, o Ministério Público se decide a abonar aquilo que é o resultado proposto pelo grupo recorrente. Não se trataria apenas de invalidar os votos de quem ganhou, mas de dar o cargo a quem perdeu.

Fantástica operação mental, quando se considera que tudo aquilo que foi levantado como suposta acusação à campanha, que resultou na vitória final de Jackson Lago, mas que não era decididamente uma campanha em favor dele, dos primeiros tempos do processo eleitoral, como se tudo aquilo pudesse repercutir apenas no segundo turno, e não levasse, caso reconhecido pela Justiça, a uma anulação de votos desde o primeiro turno, resultando então, pela regra clara do código eleitoral, na insubsistência da própria eleição.

Senhor Ministro Presidente,
Senhores Ministros,

O povo do estado do Maranhão manifestou-se dessa vez, e todas as estatísticas eleitorais do caso provam que onde quer que se tenha acusado a opinião pública de ser vulnerável a influências, em todos os grotões dos quais se poderia dizer que as pessoas ali votantes são, de algum modo, permeáveis a qualquer forma de abuso de poder econômico na política. Em todos esses sítios, o vitorioso não foi Jackson Lago. Ele foi vitorioso, e a sua grande força eleitoral se manifestou nos lugares onde não houve convênio nenhum, onde não houve presença nenhuma, ou influência nenhuma do governador então reinante. Foi ali que o povo...

Eminente Presidente, não vou me alongar. O povo do estado do Maranhão, o eleitorado maranhense não merece o desrespeito grave e insultuoso que o grupo derrotado pretende lhe impor, tendo a insolência superlativa de querer instrumentalizar esse insulto pela Justiça Eleitoral.

Tenho a convicção de que não passou despercebido a nenhum dos membros do Tribunal o cenário, o pano de fundo deste caso. Tudo o que aparece aos nossos olhos, no cenário que circunda essa campanha eleitoral e o quadro político do estado do Maranhão. Tenho a certeza que todos os membros do Tribunal estão conscientes daquilo que não podemos dizer no memorial ou na tribuna, mas que é do conhecimento e percepção, há tanto tempo, de todo o povo brasileiro consciente.

Senhor Presidente,
Senhores Ministros,

A defesa do mandato popular legítimo do Governador Jackson Lago termina aqui. E os seus advogados agradecem a paciência com que o Tribunal nos ouviu.

A oligarquia resiste

CartaCapital (Maurício Dias): A batalha judicial que o governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), trava no Tribunal Superior Eleitoral com o clã dos Sarney é um retrato das dificuldades de extinguir os feudos políticos ainda restantes no País. O julgamento está na pauta de votação.

São décadas de dominação interrompidas pelo médico Jackson Lago.

Ele desbancou a senadora Roseana Sarney (PMDB) na eleição de 2006. A imprensa, sob controle, passou a fazer oposição cerrada ao vencedor. Em pouco tempo, formou-se um processo para invalidar a eleição sob o pretexto de que o então governador José Reinaldo, ex-aliado de Sarney, teria usado a máquina do estado por meio de convênios supostamente "eleitoreiros". Mas, em razão da derrota de Edson Vidigal (PSB, candidato apoiado pelo governador) foi preciso estender a acusação também ao candidato Aderson Lago (PSDB) e, naturalmente, a Jackson Lago, que foi para a disputa do segundo turno e venceu Roseana Sarney.

O advogado Francisco Rezek, ministro aposentado do STF, que atua na defesa de Lago, sustenta que, se os convênios visavam favorecer os três candidatos, deveriam ser anulados os votos de todos eles. Neste caso, em virtude dos votos cancelados, haveria de ser feita uma nova eleição.

O Ministério Público encampou a tese da acusação. O veloz procurador eleitoral Francisco Xavier Pinheiro Filho, segundo levantamento da defesa, não levou mais do que dezesseis dias para examinar 50 volumes.

Duas ou três histórias curiosas em meio a muitas outras que constam de um calhamaço de, aproximadamente, 15 mil páginas.

- Uma das provas contra Lago são os trechos de um discurso de José Reinaldo, em abril de 2006, na cidade de Codó. O governador, além de citar seu candidato Edson Vidigal, também cita Jackson Lago. A perícia no material audiovisual, para apontar se houve edição, não foi realizada por falta de apresentação do original. Mesmo assim, a Justiça Eleitoral baseou-se nessa prova controversa para dispensar a perícia e alegou "ser público e notório" que o governador "apoiava explicitamente" Vidigal e Lago.

- A constatação de que Roseana venceu Lago em 101 dos 156 municípios beneficiados pelos acordos apontados como ilícitos também não convenceu a Justiça Eleitoral do Maranhão da impossibilidade de apontar Lago como beneficiado pelos convênios do governo do estado.

- Há um argumento na acusação que é pura fantasia: o uso indevido dos meios de comunicação para favorecer Lago. Só que 95% da imprensa maranhense está sob controle do Sistema Mirante, pertencente ao clã Sarney. O argumento, por absurdo, nem foi encampado pela Justiça.

Além de tudo, o processo contra Lago furou a fila de processos de governadores à espera de decisão do TSE.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Poder a Qualquer Custo

O processo da lavra de advogados contratados pelo grupo Sarney é tão sem pé nem cabeça que ouso sugerir a nossas escolas e faculdades de Direito que o incluam como material didático, para que os formandos possam conhecer até onde podem chegar em um julgamento influências políticas e outras de toda a ordem. Podem ser muito maiores e “convincentes” do que o que está contido no próprio processo. Os alunos veriam então um lado da justiça que não está nos livros e veriam também que estudos pormenorizado dos fatos e uma defesa bem feita e quase indiscutível, conforme as circunstâncias, pode não valer nada.

Outro dia assisti uma conversa sobre o julgamento em que uma pessoa de fora do estado tentava se informar e perguntava quem eram os advogados de Roseana. Como resposta ouviu: “É o próprio Sarney”. Sem demérito aos advogados que assinam os papéis, mas, quem tornou viável esse projeto foi o poder do ex-presidente Sarney no plano federal. O processo em si é muito fraco, as “provas” são conseguidas usando todo o tipo de método, muitas vezes inconfessáveis.

Isso ficou demonstrado já na argüição das testemunhas de acusação, em que ficaram claras as mentiras, como por exemplo, o “exemplar” depoimento do episódio Grajaú, cuja testemunha disse que assinou convênios na casa da secretária de saúde, descrevendo o logradouro com jardins e terraços e foi desmentida pelo advogado Flávio Dino, mostrando que a referida secretária mora há vários anos em apartamento. Isso tudo continua, porém, no processo, sem descaracterizar tal testemunha!

Ou alguém duvida da veracidade do levantamento descrito aqui no artigo da semana passada “A Fila dos Governadores”, onde expusemos dados mostrando a brutal diferença de tratamento na tramitação dos processos contra a diplomação do próprio Sarney - mais de um - que ficam engavetados, assim como o do seu aliado, o governador Waldez Góis, que não sai do lugar há mais de um ano, quando recebeu parecer pela cassação. Na verdade, dois processos estão nesta mesma situação. O do caso emblemático do governador Marcelo Deda, de Sergipe, que sub-procurador geral eleitoral, Francisco Xavier, levou 1 ano e 3 meses para se pronunciar e quando o relator exigiu a devolução do processo ele o fez, dizendo que no processo faltava ouvir o governador. Só isso e mais nada! Entretanto, no caso do Governador Jackson Lago, em idêntico processo, o mesmo zeloso membro do parquet eleitoral conseguiu a proeza de ler mais de 50 volumes do processo, ouvir uma infinidade de CDs, formar convicção inabalável da culpa do governador, redigir parecer e ir além, pois avança no julgamento, e pede a posse de Roseana Sarney no cargo em seguida a cassação que pede para Jackson Lago.

Os miranteanos se esforçam para dizer que o processo é legítimo e é sério. Isso vindo deles, só confirma a grande lambança montada como única alternativa para voltar ao poder. É o fim sem glória de um grupo que mandou e manipulou o estado como, novamente, tentam fazer com esse processo, tirando do povo o direito constitucional de escolher o seu preferido.

O ex-Ministro do Supremo e também ex-Presidente do TSE, Francisco Resek, se espanta com o processo. E diz: a tese de abuso de poder que se imputa ao ex-Governador, com uma indigente tentativa de identificação de vítimas e dos beneficiários, está em ter aquele assinado convênios com municípios para execução de obras, descentralizando a administração. Por que o Procurador abraçou a acusação de que seriam eleitoreiros?

Diz o ex-Ministro: pondera o parecer que tais convênios violaram o artigo 73, §10, da Lei n° 9.504/97. Lamentável engano. Esse proíbe a distribuição gratuita de bens, com exceção de casos de calamidade pública ou de programas em execução desde o exercício financeiro anterior. Ocorre que os convênios tidos como eleitoreiros tinham por objeto a construção de obras públicas ou execução de ações de saúde. Por outro lado, o dispositivo sequer era vigente em 2006, porque surgido por força da mini-reforma eleitoral resultante da Lei n° 11.300/06. Assim, não podia ter eficácia naquele exercício financeiro, já em pleno curso de execução orçamentária, quando da publicação da norma.

Uma incongruência mais grave sobreviria no contexto do parecer. Após sustentar a realidade de fatos pouco transparentes, o douto Procurador opina não pela nulidade das eleições, mas pela diplomação, a meio mandato, da candidata derrotada em segundo turno de votação.

O Código Eleitoral determina que, se a nulidade atingir dimensão superior à metade dos votos, haverá novas eleições. Isso, pelo motivo óbvio de evitar que um candidato derrotado usurpe o poder sem a necessária legitimidade popular. Para opinar pela diplomação da Senadora Roseana Sarney, o Procurador afasta a aplicação do dispositivo pertinente do Código Eleitoral ao argumento de que, na eleição somente consumada em segundo turno, a eventual destituição do eleito leva à diplomação do segundo colocado que a teria vencido no primeiro turno. É gritante o disparate a que leva, na espécie, semelhante raciocínio.

Primeiro, o Procurador afirmou: “Apurada a infração, há de ser imposta a sanção correspondente, não importando quem seja o candidato” (sic). Mas a evidente sanção é a nulidade dos votos, fundamentando a cassação do diploma. Assim, admitida a tese das três candidaturas beneficiárias da simpatia do então Governador Tavares (e só assim se pode sustentar o recurso contra a diplomação, eis que seu candidato era Edson Vidigal, seu correligionário no PSB), os votos dados a esses três candidatos haveriam de declarar-se nulos.

A equação é de exemplar simplicidade. No primeiro turno das eleições maranhenses de 2006, os “três candidatos anti-Sarney”, como rotulados no parecer, alcançaram a votação total de 1.414.077 sufrágios. Todos os outros candidatos juntos, em primeiro turno, alcançaram 1.301.733 votos. Dessa forma, procedentes que fossem os elementos narrativos do recurso contra a diplomação, há dois anos, do Governador Jackson Lago, a desenganada conseqüência seria a nulidade do pleito já em primeiro turno, onde os votos nulos teriam largamente superado o número de votos válidos.

Vale lembrar precedente específico do Tribunal Superior Eleitoral, onde se estatuiu que “A determinação de novo pleito, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral, foi decorrência natural da própria decisão, tendo em vista que a nulidade atingiu mais da metade dos votos no pleito necessária a provocação da parte interessada nesse sentido”. (AAG 8055/MG, relator o Ministro Marcelo Ribeiro, DJ de 23/09/2008, pp. 18-19).

Dá para ver claramente que o acelerado processo tenta cassar o mandato legítimo do governador Jackson Lago, dado pelo povo maranhense. Por isso a pressa para evitar reflexão profunda dos que vão julgar sobre o que está nos autos. Esse processo é ilegítimo e interprete apenas da vontade dos Sarney de retomar o poder de qualquer maneira.

E aí só a toque de caixa!