sábado, 21 de fevereiro de 2009

Reportagem Especial:

Basta de Folia com Dinheiro Público

A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos, recebida com silêncio pelo PMDB, entrará para a história como um marco na luta contra a corrupção. Ele deu as coordenadas desse bom combate.


Otávio Cabral e Diego Escosteguy

Cristiano Mariz


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Da extensa lista das peculiaridades brasileiras, três itens se destacam: o samba, a jabuticaba e o PMDB. México e Argentina, para ficar em alguns exemplos, já penaram sob partidos tão fortes quanto corruptos, mas a agremiação nacional, a maior do país, é um caso à parte. Seu amor pelo dinheiro público – o nosso dinheiro, para ser mais exato – é tão grande, tão magnético, tão irresistível que o PMDB abdicou de almejar a Presidência da República, a aspiração suprema de qualquer partido político, para vender seu apoio a outras siglas e, assim, continuar a fazer negócios nos ministérios e demais repartições federais. Seja no plano federal, estadual ou municipal, o objetivo principal do PMDB tornou-se o mesmo: cair na folia com o dinheiro público, como se ele crescesse em jabuticabeiras.

Festa com dinheiro público não é uma novidade, tampouco é prerrogativa dos peemedebistas. O senador gaúcho Pedro Simon, do PMDB, um nome de respeito da agremiação, reagiu à entrevista de seu colega Jarbas Vasconcelos a VEJA com a explicação de que a corrupção transformou a política em uma "geleia geral" da qual pouquíssimos escapam, sejam eles de que partido forem. Do ponto de vista prático, a reação de Simon é conivente com os corruptos, pois em nada avança no seu combate. Mas ela é uma expressão da verdade. Nessa geleia, porém, o PMDB se destaca pela constância dos métodos e pela durabilidade da delinquência. O partido é hoje para a corrupção na política o que a "inflação inercial" foi para a economia até o advento do Plano Real – ou seja, a força motriz das malfeitorias de um regime ao seguinte, de um governante a seu sucessor, sejam quais forem suas cores ideológicas. Nas palavras do senador pernambucano Jarbas Vasconcelos, "boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção" e "a maioria de seus quadros se move por manipulação de licitações e contratações dirigidas". Não se trata de percepção ou impressão, mas de uma constatação feita por um político com 43 anos de vida pública, fundador da agremiação e conhecedor de suas entranhas. Diante da bomba, o que fez a cúpula do PMDB? Limitou-se a lançar uma nota em que diz que não daria maior atenção a Jarbas Vasconcelos "em razão da generalidade das alegações", para depois recolher-se em silêncio, na esperança de que a explosão perca força na Quarta-Feira de Cinzas. Ninguém ousou assinar o texto. Individualmente, houve alguns simulacros de protesto, na maioria enviesados com cobranças por nomes, fatos e provas da corrupção. Como se não coubesse ao próprio PMDB realizar uma investigação interna. Uma das poucas demonstrações de apoio a Jarbas Vasconcelos partiu do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, seu colega de partido. Sim, você leu certo: Quércia. O senador pernambucano poderia ter aumentado a octanagem de sua denúncia se tivesse publicamente dispensado o apoio de Quércia. Dissiparia assim as insinuações maldosas de que agiu mais por motivação eleitoreira (Jarbas seria candidato a vice-presidente na chapa que seria encabeçada pelo governador paulista José Serra em 2010 e por isso teria interesse em poupar Quércia, de cujo apoio a dupla pode vir a precisar).

André Dusek/AE

O que disse sobre as acusações de Jarbas Vasconcelos: Silêncio

Na entrevista, Jarbas Vasconcelos disse que o PMDB é "uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos". Citou nominalmente o presidente do Congresso, senador José Sarney, e o novo líder do partido, senador Renan Calheiros. Para Vasconcelos, a moralização e a renovação do Congresso são incompatíveis com a figura de Sarney, que "vai transformar o Senado em um grande Maranhão". Sarney não respondeu ao ataque. Disse apenas que, na condição de presidente, "não pode diminuir o debate" e que o senador deveria apresentar os nomes dos corruptos. Renan Calheiros – que, segundo Vasconcelos, "não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais líder do partido" – preferiu calar-se. Fora do PMDB, o governo optou por não comentar as críticas do senador, e a oposição, pensando nas alianças do futuro, fez de conta que nada tinha a ver com o debate. No domingo 15, após a publicação da entrevista, Sarney e Renan até se reuniram para discutir o que fazer diante das declarações de Jarbas Vasconcelos. Depois de xingarem e fazerem ofensas pesadas ao senador pernambucano, ambos avaliaram que rebater as acusações e cobrar uma punição para Jarbas seria uma atitude temerária. Muito barulho não convém ao negócio.

Dono de um prontuário nada invejável do ponto de vista de um trabalhador cumpridor de seus deveres, o senador Renan Calheiros não tem mesmo muito que dizer. Pobre na juventude, floresceu na política. Quando começou a militar no antigo partido comunista, Renan dirigia um Fusquinha velho. Hoje, o nobre senador acumula um patrimônio avaliado em 10 milhões de reais, entre fazendas, bois, mansões e apartamentos – isso apenas levando em consideração o que ele mesmo declarou à Justiça Eleitoral. Seus adversários calculam que sua fortuna é, no mínimo, duas vezes maior que isso. No PMDB há dezesseis anos, Renan é um dos ideólogos do partido. Renunciou em 2007 à presidência do Congresso depois que se descobriu que um lobista de empreiteira pagava suas despesas pessoais. É investigado no STF por falsidade ideológica e sonegação fiscal. O outro citado nominalmente por Jarbas Vasconcelos, o senador José Sarney, é personagem central da história política do Brasil há mais de meio século. Como Renan, ele e a família também fizeram fortuna, sempre em negócios envolvendo governos e empresas estatais. A vida política do senador começou em 1955, quando ele se elegeu deputado. Filho de um juiz, seu patrimônio se resumia a parte de uma casa em São Luís, recebida como herança.

Dida Sampaio/AE

O que disse sobre as acusações de Jarbas Vasconcelos: Silêncio

A família do senador José Sarney tem emissoras de TV, rádio, jornal, fazendas e diversas empresas no Maranhão e no Amapá. Na declaração apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral, o ex-presidente informa que sua fortuna é de 4,6 milhões de reais. Esconder ou subavaliar patrimônio é uma estratégia muito comum no mundo político, principalmente entre aqueles que não têm como justificar a origem da riqueza. Sarney foi presidente da República em 1985 e, desde então, ele e seus familiares – cujo patrimônio real é estimado em cerca de 125 milhões de reais – têm sido alvo de diversas investigações criminais. No ano passado, uma investigação da Polícia Federal acusou um dos filhos do senador de chefiar uma "organização criminosa" responsável por crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas, fraude em licitações e corrupção. Em 2002, em plena campanha presidencial, a PF encontrou 1,3 milhão de reais em dinheiro escondido no escritório da então candidata e hoje senadora do PMDB Roseana Sarney, filha do senador. Roseana abandonou a campanha, mas a origem do dinheiro nunca foi explicada. Renan e Sarney não são exceções no mundo peemedebista. A tal confederação dos líderes regionais citada na entrevista de Jarbas Vasconcelos é, em sua maioria, composta de políticos com perfil idêntico: são todos ricos, poderosos e enrolados com a Justiça devido à histórica folia com o dinheiro dos contribuintes.

Dos 27 presidentes regionais do PMDB, dezessete têm problemas com a Justiça. O deputado Jader Barbalho, por exemplo, é o mandachuva do partido no Pará e um dos chefões nacionais da legenda. O parlamentar foi preso em 2002, acusado de desviar 2 bilhões de reais dos cofres públicos. Dono de apenas um automóvel e uma casa no início da carreira, Jader também fez fortuna enquanto se revezava entre um cargo e outro da administração federal. Foi ministro da Previdência no governo Sarney, líder do PMDB e presidente do Senado no governo Fernando Henrique até 2001, quando renunciou ao cargo, acuado por denúncias de corrupção. Hoje, é um general sem estrelas, mas com poder intacto nos bastidores. Jader, Sarney e Renan formam o triunvirato do PMDB. Eles estabelecem as linhas mestras de ação do partido e controlam a indicação dos cargos que, como Jarbas vocalizou e até os mármores de Niemeyer sabem, são usados para "fazer negócios e ganhar comissões".

Orlando Brito

O que disse sobre as acusações de Jarbas Vasconcelos: Silêncio

Fundado em 1965, o Movimento Democrático Brasileiro, o então MDB, sobreviveu como alternativa institucional de oposição ao regime militar por vinte anos. A partir da chegada de José Sarney à Presidência, em 1985, o partido perpetuou-se no poder, usando a máquina pública como principal financiador de seu projeto. O resultado não poderia ser outro. São raros os casos de corrupção nas últimas duas décadas que não tenham as digitais do PMDB. O partido foi governo com Sarney, esteve no governo de Fernando Collor, foi governo com Itamar Franco, esteve no governo de Fernando Henrique Cardoso e está no governo Lula. São quase 25 anos de um ciclo vicioso. O gigantismo do partido garante a governabilidade e a governabilidade garante o gigantismo do partido. Hoje, o PMDB ocupa seis ministérios, governa oito estados e tem dezenas de cargos em autarquias e estatais, principalmente nas diretorias financeiras. Somando as esferas federal, estadual e municipal, o PMDB controlará em 2009 um orçamento de cerca de 365 bilhões de reais. É mais do que o triplo do orçamento da Argentina, cuja previsão para 2009 é de 106 bilhões de reais. Nos estados, o PMDB está na base de sustentação de 22 dos 27 governadores, tomando parte na gestão realizada por partidos que vão de um extremo ao outro do espectro ideológico. "O PMDB faz aliança com Deus de um lado e com o diabo de outro, para conseguir governar, ao mesmo tempo, o céu e o inferno", compara o cientista político Gaudêncio Torquato, da Universidade de São Paulo.

Céu ou inferno, não existe tempo ruim para os peemedebistas mais apaixonados. Veja-se, por exemplo, o caso do ex-governador mineiro Newton Cardoso. Político esforçado, o Newtão. No mês passado, VEJA revelou detalhes do processo de separação conjugal do ex-governador e da deputada Maria Lúcia Cardoso. Na ação, ela alega que o marido possui nada menos do que 2,5 bilhões de reais de patrimônio. A reportagem fez Newtão perder as estribeiras. Convocou uma entrevista para dizer que, na verdade, sua fortuna é superior a 3 bilhões de reais. Só não explicou como conseguiu amealhá-la. Nem precisa, não é, Newtão? Fenômeno igual a ele, só mesmo em Brasília, onde o ex-senador Joaquim Roriz, que governou o Distrito Federal por quatro mandatos, conseguiu multiplicar seu patrimônio em 400 vezes.

Celso Junior/AE

O que disse sobre as acusações de Jarbas Vasconcelos: Silêncio

Comandantes de um orçamento bilionário e movidos por interesses escusos, os políticos do PMDB são os campeões em processos nos tribunais superiores. Oito dos vinte senadores do partido respondem a inquéritos e ações penais no Supremo Tribunal Federal por crimes como corrupção, formação de quadrilha, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, compra de votos e sonegação fiscal. Jarbas Vasconcelos, é bom ressaltar, não está na lista. Seus adversários, porém, capricham na folha corrida. Além do triunvirato, há outros figurões com o mesmo perfil. O senador Valdir Raupp, que entregou a liderança do PMDB a Renan, responde a quatro processos, um deles pela acusação de ter desviado 1 milhão de reais quando governava Rondônia. O senador Romero Jucá, líder do governo, é processado por desvio de recursos de obras federais em Roraima. O senador Leomar Quintanilha, presidente do Conselho de Ética – um cargo que deveria ser ocupado por alguém acima de qualquer suspeita –, é acusado pelo Ministério Público de já ter recebido propina de empreiteiras. Na Câmara dos Deputados, o cenário não é menos desolador. Dos 94 deputados do partido, dezoito respondem a processo no Supremo. E, entre os sete governadores que podem ser cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral por crimes diversos, dois são do PMDB (veja reportagem).

Há um episódio que ilustra bem a engrenagem de corrupção denunciada pelo senador Jarbas Vasconcelos. Deflagrada pela Polícia Federal em 2007, a chamada Operação Navalha revelou que o empreiteiro Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, conquistava obras públicas mediante o suborno de uma ampla rede de colaboradores no mundo político. VEJA teve acesso à íntegra das provas produzidas até agora pela PF, que continua investigando o esquema do empreiteiro. Esses documentos inéditos demonstram que, quando precisava de favores em Brasília, a turma de Zuleido recorria à bancada do PMDB no Senado. Uma troca comercial simples: o partido providenciava os serviços solicitados e Zuleido pagava por eles – especialmente por ocasião de campanhas eleitorais. As obras de ampliação do aeroporto de Macapá, no Amapá, constituem um bom exemplo dessa relação promíscua. A Infraero só licitou a obra, no fim de 2004, após pedido do senador Sarney ao presidente Lula. Até aí, nada mais natural – Macapá é reduto eleitoral do senador. A partir desse momento, contudo, começou a girar a roda da fortuna estabelecida pelo empreiteiro. Com "técnicos" instalados em postos-chave do governo, a Gautama conseguiu fraudar a licitação e assinar um contrato superfaturado em 50 milhões de reais.

Marcelo Sant'Anna/Estado de Minas

O que disse sobre as acusações de Jarbas Vasconcelos: Silêncio

A PF conseguiu reunir provas – como comprovantes de depósitos bancários, diálogos telefônicos, planilhas de propina – que mostram como o dinheiro público roubado foi rateado: parte abasteceu campanhas eleitorais, parte foi parar diretamente no bolso dos envolvidos. Numa planilha apreendida na residência de Zuleido, constam 500 000 reais em contribuições de campanha no Amapá, por orientação de Sarney, chamado de "PR" (presidente). Segundo a Polícia Federal, a promiscuidade era tamanha que um dos lobistas da empreiteira, chamado de José Ricardo, despachava dentro do gabinete do senador Sarney. Há comprovantes de depósito para assessores dos senadores Renan Calheiros, Valdir Raupp e Roseana Sarney. Há anotações que sugerem repasses de propina ao senador Romero Jucá, cujo patrimônio declarado é de 512 000 reais – quase um pedinte dentro do padrão de seus pares. Um dos encarregados de cobrar os pagamentos era Ernane Sarney, irmão do presidente do Congresso, que recebeu de Zuleido um depósito de 30 000 reais. Num diálogo interceptado em abril de 2007, Ernane pede dinheiro ao tesoureiro da Gautama. "Vocês estão me enrolando. Já não estava tudo na mão? Eu tô com a corda no pescoço aqui, rapaz, o doutor também tá com a corda no pescoço", explica o irmão de Sarney. Diz o cientista político Rubens Figueiredo: "O PMDB sabe que o partido é exatamente isso que o senador Jarbas Vasconcelos falou. Essa reação de silêncio sinalizou à opinião pública que a carapuça serviu".

O PMDB é apenas o caso mais espetacular da corrupção que impregna o mundo político brasileiro. Nenhuma agremiação, absolutamente nenhuma, pode ser considerada uma vestal no trato com o dinheiro público. Se a situação chegou a esse ponto de degradação, isso se deve, principalmente, à secular impunidade que viceja no país. Dá para reverter esse quadro? Dá, mas é preciso dar os primeiros passos. VEJA gostaria de sugerir alguns deles:

• Priorizar a punição nas altas esferas


Existe um entendimento tácito entre juízes brasileiros de que cadeia é para criminosos que representam um risco para a sociedade. "Por esse motivo, crimes do colarinho-branco não são punidos com a mesma seriedade que um assalto a mão armada", diz Roberto Livianu, promotor de Justiça de São Paulo e autor do livro Corrupção e Direito Penal. O desvio de milhões de reais que deveriam ser usados para salvar vidas no sistema de saúde, por exemplo, também é uma forma de violência, diz ele. Livianu propõe uma maneira de criar um atalho para a punição rápida e exemplar de corruptos de alto gabarito. Trata-se de formar uma força-tarefa, composta principalmente de promotores e juízes, com amplos poderes para processar ocupantes de cargos públicos de destaque e empresários envolvidos em negócios ilícitos com o dinheiro do contribuinte. O modelo a ser imitado é o da Operação Mãos Limpas, na Itália, que levou à prisão três centenas de políticos e servidores no país. "Isso provocaria um choque pedagógico em toda a hierarquia do poder público", afirma.

• Aumentar o risco político e financeiro da corrupção


"No Brasil, lucra-se tanto com a corrupção, e a probabilidade de ser punido é tão pequena, que o risco compensa", diz Lizete Verillo, diretora da ONG Amarribo. Nada apavora mais um corrupto, seja qual for o lado do balcão das negociatas ocupado por ele, do que a perda do seu poder econômico – o que, inclusive, afeta diretamente sua capacidade de comprar favores e privilégios. Obrigar a devolução do montante desviado é pouco. Seria mais eficiente aperfeiçoar a lei para permitir o confisco do patrimônio integral do acusado. Assim, se o desvio de dinheiro público foi de 1 milhão de reais, mas o patrimônio do corrupto é de 50 milhões, a Justiça deveria ser capaz de bloquear tudo. Para que isso seja possível, é preciso também haver uma maior cooperação internacional entre a Justiça brasileira e a de outros países. Outra medida necessária é derrubar o foro privilegiado para políticos, no caso de crimes comuns. Eles se beneficiam dessa prerrogativa para responder a processos criminais apenas perante tribunais superiores. Com isso, conseguem reduzir as possibilidades de punição, pois os tribunais não têm estrutura para colher provas contra eles.

• Estreitar a boca do cofre

Simplesmente reduzir o gasto público não é garantia de menos roubalheira. Se assim fosse, seria possível concluir que a corrupção em obras de infraestrutura no Brasil diminuiu, já que o investimento atual do Ministério dos Transportes, por exemplo, é, em dados porcentuais, quase um décimo do registrado na década de 70. "Na verdade, quando o poder público reduz os investimentos, a disputa pelos contratos fica mais acirrada, o que inflaciona o valor das propinas", diz o economista Raul Velloso. Ele aponta outra maneira de estreitar a boca do cofre para reduzir as oportunidades de corrupção: sempre que possível, tirar o governo de atividades que envolvem empreiteiras e prestadores de serviços públicos. Um exemplo que funciona bem é o da concessão de rodovias. Uma vez definidos os preços e feito o contrato, o estado não precisa mais ficar às voltas com a gestão diária daquela atividade. Cabe a ele apenas o papel de fiscalizador.

• Profissionalizar a gestão pública

Na administração federal, há mais de duas dezenas de milhares de cargos de confiança, aqueles que são preenchidos por indicação. "Essa prerrogativa, garantida na nossa Constituição, leva ao loteamento do estado por critérios políticos e interesses pessoais", diz Claudio Weber Abramo, diretor-geral da ONG Transparência Brasil. Ele propõe uma reforma constitucional para limitar drasticamente a capacidade dos governantes de preencher cargos comissionados. O efeito seria o incentivo à contratação de funcionários por critérios profissionais, em que se leva em conta o mérito do candidato, e não sua filiação político-partidária. Ganha-se em duas frentes: na qualidade da administração pública e no fim do uso da máquina estatal em proveito próprio. Isso também pode ser incrementado por meio da criação de indicadores de desempenho, com o objetivo de avaliar os avanços em áreas específicas, como educação e saúde. "Quando há indicadores confiáveis, divulgados regularmente, fica mais fácil controlar a corrupção", diz o economista Marcos Fernandes, professor da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. A explicação é que o mau uso do dinheiro público afeta diretamente a qualidade dos indicadores, exigindo mais profissionalismo para recuperá-los. Fernandes dá o exemplo dos gastos com policiamento no estado de São Paulo, cuja eficiência melhorou muito depois que o governo começou a compilar e divulgar com mais frequência os índices de criminalidade.

• Incentivar a denúncia dos corruptores


Pela lei brasileira, quando alguém oferece uma comissão para ter acesso a alguma vantagem, está cometendo um crime de corrupção ativa. "No Brasil, são raros os processos por corrupção ativa, porque quase ninguém os denuncia", diz Roberto Livianu. Os casos que vêm a público em geral se referem ao crime de concussão, em que uma pessoa é pressionada a pagar a propina, mas se nega a fazê-lo e coloca a boca no trombone. Resultado: quem põe a mão no bolso para corromper não é punido. "Para mudar esse quadro, o Brasil deveria ter programas de delação premiada e de proteção à testemunha específicos para esse tipo de crime", diz a socióloga Rita de Cássia Biason, professora da Universidade Estadual Paulista, em Franca. Ela dá o exemplo do caseiro Francenildo Costa, autor de denúncias que derrubaram o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Em vez de ser premiado por sua atitude, ele foi massacrado por ter contado o que sabia. Isso desestimula outros cidadãos a fazer o mesmo.

Com reportagem de Expedito Filho, Marana Borges e Raquel Salgado

A grande farra nos municípios

Como é alimentada a corrupção nas prefeituras

Fotos Priscila Foresti/Planeta News e Ana Araujo

CARO E INÚTIL
O painel de votação de Olímpia, comprado por 120 000 reais. Ao lado, o ex-deputado do PL Bispo Rodrigues, preso na Operação Sanguessuga

Como toda praga, a da corrupção tem a propriedade de vicejar em qualquer canto. Mas é nas prefeituras que ela encontra o seu terreno mais fértil. Nos últimos seis anos, a Controladoria-Geral da União (CGU) fiscalizou as contas de um quarto dos 5 564 municípios brasileiros. Encontrou irregularidades em praticamente todos – e casos flagrantes de corrupção em nada menos do que 20% deles. "O volume de irregularidades nos municípios é muito maior do que nas esferas federativas", afirma o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage. Por que é mais fácil surrupiar dinheiro público nas prefeituras do que nos governos estadual e federal?

Em primeiro lugar, porque a fiscalização das contas municipais é mais precária. Sobretudo nas cidades pequenas, o compadrio e a força política dos prefeitos frequentemente acabam por comprometer a eficiência dos órgãos responsáveis pelo controle das contas: as Câmaras de Vereadores e os conselhos municipais (cujos integrantes são indicados pelo prefeito). Os tribunais de contas dos estados também atuam na checagem dos gastos dos municípios, mas, se ganham em independência em relação aos órgãos da cidade, perdem em capacidade de trabalho: são 27 tribunais para cuidar de mais de 5 000 municípios. Nos estados e na União, conselhos estaduais e federais fiscalizam os gastos, assim como assembleias estaduais, Câmara dos Deputados e Senado. Além disso, há os tribunais de contas dos estados e o Tribunal de Contas da União. "A diferença em relação aos municípios é que, nessas esferas, as instituições estão mais consolidadas, os políticos têm mais independência e os órgãos de controle não precisam lidar com informações tão pulverizadas como no caso dos milhares de prefeituras", diz o analista do TCU e presidente da ONG Instituto de Fiscalização e Controle, Henrique Ziller.

Tão ou mais determinante que a precariedade da fiscalização, o que impulsiona a corrupção nos municípios é o ciclo perverso que permite a sobrevivência de mais da metade deles no Brasil. Segundo o economista Rogério Boueri Miranda, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 3 065 municípios brasileiros tiveram, em 2007, mais de 50% do seu orçamento composto de verbas federais fixas. Ou seja, sem a ajuda do governo federal, dificilmente sobreviveriam. Como muitas cidades pouco produzem e quase nada arrecadam, para qualquer investimento dependem também da liberação de verbas do orçamento federal – obtidas por meio de emendas apresentadas por políticos. É onde mora o perigo. Os prefeitos precisam da intermediação de deputados e senadores para conseguir a liberação das verbas para suas obras. Os parlamentares, por sua vez, em troca da liberação do dinheiro, negociam com o governo federal o seu apoio à aprovação de leis de interesse do Executivo. Quando tudo dá certo, comparecem com o recurso junto aos municípios e recebem a gratidão dos prefeitos em forma de apoio político ou recompensas mais palpáveis. Desse papel de mediadores entre os governos regionais e o federal decorre o surgimento dos caciques, das oligarquias regionais – e também da corrupção. "Esses intermediários sabem que, para conseguir os disputados recursos federais, serão necessários instrumentos não ortodoxos e, muitas vezes, ilegais. A criação desses dutos, necessários para a transposição de recursos, é a grande fonte da corrupção", afirma o filósofo Roberto Romano, analista atento do panorama ético e político.

A Operação Sanguessuga, deflagrada em 2006 pela Polícia Federal, ilustra à perfeição como a dependência dos municípios em relação às verbas federais e a atuação dos intermediários que transportam recursos de uma esfera para a outra fomentam a corrupção. A operação desbaratou um esquema de superfaturamento na compra de ambulâncias que estava disseminado em dezenas de municípios. O valor surrupiado chegou a 110 milhões de reais: o dinheiro saía do caixa do Ministério da Saúde rumo aos cofres municipais via dutos construídos por deputados e senadores com trânsito nas duas pontas. A Sanguessuga foi resultado de uma ação da CGU, que há seis anos passou a fazer varreduras periódicas nas prefeituras. Com apenas 2.300 funcionários, no entanto, o órgão só consegue trabalhar por amostragem: em intervalos de poucos meses, sorteia sessenta municípios cujas contas examina com lupa. Diante da dificuldade de fiscalização, muitas prefeituras, quando não caem na lambança da corrupção, refestelam-se em desmandos. É o caso de Olímpia, no interior de São Paulo. No ano passado, a Câmara de Vereadores da cidade deu-se ao desfrute de adquirir, por meio de compra que até hoje vem sendo investigada, um portentoso painel eletrônico de votação ao custo de 120.000 reais. Detalhe ultrajante número 1: a cidade, de 48 000 habitantes, tem apenas dez vereadores – o que não faz da votação uma operação propriamente complexa. Detalhe ultrajante número 2: até hoje, o painel não pôde ser usado porque o regimento da Câmara não prevê votação eletrônica. À grita geral que se seguiu à compra do equipamento, o então presidente da Câmara de Olímpia, Francisco Roque Ruiz (PRP), deu de ombros. Declarou que os protestos eram fruto de inveja: "Olímpia sai na frente, e isso é que incomoda". Engano, vereador: o que incomoda é o que leva o Brasil para trás.

Laura Diniz



Créditos:
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/geleia-corrupcao-pmdb-422817.shtml

Leia a reportagem completa em VEJA desta semana (na íntegra somente para assinantes).

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Terceiro Turno

O escandaloso processo em que a família Sarney tenta cassar o diploma de governador de Jackson Lago e outro, igualmente escandaloso, em que o segundo colocado na Paraíba tenta cassar o governador Cássio Cunha Lima tem chamado a atenção da imprensa do sudeste e de importantes juristas brasileiros. Uma matéria da Folha de São Paulo da semana passada mostra que os processos que tiveram andamento rápido tinham como perdedores os senadores do PMDB. No Maranhão, Roseana Sarney e na Paraíba, José Maranhão. Porém ambos querem, como bem sintetizou o Ministro Resek, dar um golpe de estado jurídico, invertendo o resultado das eleições.

No segundo caso, a imprensa noticiou que, se o senador da Paraíba votasse em Sarney para Presidência do Senado, ele seria recompensado com um desfecho rápido e favorável do seu caso. No Maranhão, é vida ou morte para Sarney.

O Procurador Eleitoral e o Relator são os mesmos em ambos os processos. Esses processos já causaram enorme constrangimento, aos dois, nos julgamentos no Tribunal. No caso da Paraíba foi o próprio Presidente que cobrou, sem reservas, do Relator, pelas informações falsas que levou e que acabaram por servir de base para o voto de todos os ministros, cassando o Governador. No do Maranhão, um indignado ministro Resek duvidou da seriedade do voto do Procurador Eleitoral, que conseguiu a proeza de estudar milhares de páginas do processo em 15 dias, com tal profundidade e atenção, ao ponto de dar seu voto com grande convicção pela cassação de Jackson, o que, de resto, foi copiado pelo relator. Vamos ver o que escreveu a Folha:

“A partir da terça-feira da próxima semana, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pode dar início a uma mudança inédita que, se levada a cabo, causará transformações no quadro político nacional: afastar, em um mesmo ano, 8 dos 27 governadores brasileiros. A transformação atingiria 30% das unidades da Federação.
A decisão divide especialistas. Há os que defendem a chamada "lei da compra de votos" -legislação eleitoral que a partir de 1999 passou a punir com mais rigor o delito- como uma consolidação do aumento do combate à corrupção. E há aqueles que apontam nela a chance para tentativas abusivas de realizar um "terceiro turno", desprezando os resultados das urnas. [...]

“O advogado criminalista e ex-juiz do TRE-SP Eduardo Muylaert acredita que a Justiça eleitoral julga em tempo recorde. "É preciso respeitar os tempos de defesa. Afinal, a Justiça eleitoral não pode contrariar o voto popular", diz. Ele afirma ainda que os mandatários só continuam os mandatos durante os processos porque não houve motivo de afastamento.”

Vitor Marchetti, autor de "Poder Judiciário e Competição Política no Brasil", afirma que o grau de corrupção não aumentou, mas o acesso à Justiça pelos partidos cresceu.
As eleições se judicializaram. [...]


Acompanhando as decisões, percebe-se que muitas vezes elas não são técnicas, mas políticas. Nos TREs isso é muito mais sensível, porque as pressões de grupos locais são fortíssimas", diz Marchetti.

As defesas de todos os governadores negam as acusações. Os advogados são enfáticos ao afirmar que a legislação não representou avanço para o combate à corrupção eleitoral, mas abriu uma brecha para um "terceiro turno" nas disputas.


O ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) José Eduardo Alckmin, que atua na defesa de 3 dos 8 governadores -Cássio Cunha Lima (PB), Jackson Lago (MA) e Luiz Henrique (SC)-, classifica a situação de haver oito Estados com seus governadores ameaçados como "péssima".

Segundo ele, a atuação dos tribunais reforça uma vertente em que "o que não se conseguiu nas urnas é obtido nos tapetes dos tribunais", diz ele.
Alckmin defende que o inconformismo é natural, mas que as contendas deveriam se encerrar após as eleições. "Hoje fica uma espada de Dâmocles [sobre os eleitos; a expressão significa risco iminente]", diz.


O advogado compara os casos atuais com decisões -bastante polêmicas- do passado, como as que inocentaram os ex-governadores Marconi Perillo (GO) e Joaquim Roriz (DF).


Para ele, a Justiça eleitoral sempre exigiu provas contundentes. "Agora, parece que se toma uma nova posição: na dúvida, cassa-se".

E é esse processo, que não apresenta uma única prova, e que é baseado em inverdades e mentiras, como será demonstrado nessa segunda fase do julgamento, é que Sarney quer se valer, para dar um golpe de estado judiciário como disse com muita propriedade o Ministro Francisco Resek. Este que, aliás, para não fugir à norma Sarneysista, foi duramente atacado em um memorial enviado ao Tribunal pelo Senador do Amapá, como está na imprensa. Mas a justiça vai prevalecer. A contratação por Sarney do ministro Sepúlveda Pertence só coloca luz no nervosismo e na avidez com que tenta colocar Roseana no governo, um cargo que o povo lhe negou no voto.

E assim, continua o seu calvário, recebendo pancada por todos os lados e comprometendo sua bendita biografia de estadista e intelectual. Sobre o assunto, a entrevista do íntegro Senador Jarbas Vasconcelos na Veja foi uma das mais demolidoras que eu já li e recomendo. Para quem não leu ela está transcrita em meu blog no endereço .
Será que Sarney também vai dizer, como disse a renomada publicação The Economist em artigo que lhe confere a alcunha de "dinossauro", que Jackson Lago comprou o Senador Jarbas Vasconcelos, como dissera que o governador do Maranhão tinha comprado a mais influente revista do mundo para lhe bater?

Seria duplamente ridículo!


domingo, 15 de fevereiro de 2009

REVISTA ‘CAROS AMIGOS’ AVALIA: Quem governa o país é Lula, mas quem manda é o Sarney

Para revista paulistana, o presidente do Senado está dando as cartas mais que nunca, controlando áreas dos Transportes e da Energia e arquitetando a derrubada do governador eleito pelo povo maranhense para pôr no cargo sua própria filha

POR PALMÉRIO DÓRIA
Da ‘Caros Amigos’

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“Não existe organização criminosa mais bem-sucedida do que a que conta com apoio estatal.”
(Misha Glenny, em ‘McMáfia – O crime sem fronteiras’)
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Dos 56 cargos federais existentes no Maranhão, 54 pertencem à “cota” de José Sarney – o partido do presidente da República nomeou apenas dois. Sarney está dando as cartas mais que nunca. Controla áreas do Ministério dos Transportes. Na energia, domina de ponta a ponta. Quer derrubar, no Supremo, o governador eleito pelo povo maranhense e pôr no cargo sua própria filha, Roseana. Com seu poder de nomear, com uma mãozona de Renan Calheiros, que tem nos costados 29 inquéritos tramitando no Supremo, volta a presidir o Senado. E com um filho, Fernando, implicado num escândalo federal, em país algum do mundo Sarney poderia chegar de novo onde está chegando. Do Maranhão ele é dono. E no Brasil, Lula governa, mas Sarney manda.

A ‘bolada’ não explicada – Na sabatina no Teatro Folha, a 26 de agosto de 2008, em que fez um balanço de 50 anos de vida pública, quando lhe perguntaram sobre o papel de José Serra na operação policial no escritório de Roseana (caso Lunus), o senador José Sarney contemporizou, num exemplo de extrema superação.

“Não vou dizer que foi o governador José Serra nem que não foi o governador Serra. Até porque é um fato do passado. Não quero relembrar.” Bem distante daquele José Sarney que ameaçava na Isto É, à época do escândalo: “O Fernando Henrique destruiu minha filha. Vou destruí-lo.”

Antes do escândalo Lunus, os negócios de Roseana já estavam sob a lupa da PF. O casal Roseana/Jorge Murad foi denunciado por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal, graças ao sumiço de 44 milhões e meio de reais da Usimar, indústria de autopeças superfaturada que seria implantada com financiamento da Sudam, Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia, extinta por esses e muitos outros desvios. Seu projeto, saudado por José Sarney em artigo publicado na Folha de S. Paulo como o início da indústria automobilística no Maranhão, hoje não passa de um terreno abandonado no distrito industrial de São Luís. Seria apenas fornecedora de cabeçotes metálicos, virabrequins e pequenas juntas. Mesmo assim, a fraude estava orçada em 1 bilhão e 38 milhões de reais.

A 1º de março de 2002, numa tarde abafada de sexta-feira, os temores de José Sarney se materializam nas figuras de oito agentes e dois delegados da Polícia Federal. Munidos de mandado judicial, vasculharam a empresa de Roseana Sarney Murad e Jorge Francisco Murad, seu marido. Os maranhenses chamavam a Lunus de “Batcaverna”. Era ali que o casal Roseana/Jorge de fato governava o Estado. Na cobertura do edifício Adriana, na avenida Colares Moreira, os policiais encontram 1 milhão e 350 mil reais em dois imensos cofres.

A lua-de-mel da candidata à presidência com a imprensa grande acabou na edição do Jornal Nacional de uma quinta-feira, 7 de março de 2002, com a imagem das 27 mil oncinhas nas notas de 50 reais dispostas em cima de uma mesa. Houve sete ou oito versões para a bolada. Na última, lendo, a contragosto, uma nota seca, Murad disse que o dinheiro era para a campanha, mesmo incorrendo em crime eleitoral, pois pela lei não tinha chegado a hora de arrecadar fundos.

Sobre a origem, nada. Só no dia 10 de abril apareceu a lista com os “doadores oficiais” da campanha, que o Correio Braziliense tinha antecipado um mês antes. Segundo o jornal, a fortuna era creditada a empresários amigos para pagar as despesas da candidatura. A arrecadação correu por conta e risco de Murad, sem que a governadora soubesse.

Na lista aparecem o próprio Murad e o irmão caçula da então governadora, Fernando Sarney, que no primeiro mandato dela teve duas empresas de seus amigos (EIT e Planor) contempladas com 33 milhões de dólares por uma estrada nunca construída: Paulo Ramos-Arame.

O jornal também informava que o maior doador era o empresário piauiense João Claudino Fernandes, dono da Construtora Sucesso. Sucesso a toda prova. À época, ele tinha abiscoitado 7 milhões e 800 mil reais em obras federais nas estradas do Piauí e do Maranhão. Não por coincidência, é sócio de Jorge Murad no São Luís Shopping, o maior da capital maranhense. O Correio não disse, mas Jorge Murad também é sócio de Carlos Jereissati, em Porto Alegre, no assim chamado “shopping do Sarney”, às margens do Guaíba. Aliás, o Jereissati da BrOi, megaempresa de telefonia que lhe chegou às mãos com um empurrãozão de quem? Emília Ribeiro, num voto decisivo – de desempate – no conselho da Anatel. Afilhada de quem? De José Sarney.

O PFL rompeu com FHC, Roseana caiu para 15% no Datafolha, Serra pulou para 17%, a candidatura Roseana naufragou e Lula ganhou. A dinheirama ficou sob a guarda da Caixa Econômica, mas acabou voltando para o casal Roseana/Jorge. E o Caso Lunus, que fim levou? Naquela sabatina da Folha, em agosto de 2008, na qual disse que não sabia da existência de tortura no Brasil, Sarney deu o caso como encerrado.

De novo, sob a lupa da PF – Mas o ex-presidente, de 78 anos, não podia dizer diante daquelas 150 pessoas, no auditório do Teatro Folha, no segundo piso do sofisticado Pátio Higienópolis, que um novo caso tornava aquela manhã de agosto particularmente aziaga. Desta vez, uma devassa no coração do império que ergueu nos tais 50 anos de vida pública sabatinados ali, baseado principalmente no setor de energia elétrica, espécie de monopólio da família.

“Parece que o Sarney tem uma vocação pro setor. Ele sabe, no máximo, como nós, acender e apagar um interruptor”, disse ao Terra Magazine o historiador Marco Antônio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de São Carlos, ironizando a posse de Edison Lobão no Ministério das Minas e Energia, em janeiro de 2008.

Lobão foi indicado por Sarney, que também indicou o antecessor dele, Silas Rondeau, afastado por corrupção. Ambos maranhenses, ambos do corpo de baile permanente do senador.

A nova investigação começou a partir de uma movimentação “atípica” de 2 milhões de reais, em dinheiro vivo, comunicada pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) ao Ministério Público, nas contas de seu filho Fernando Sarney e da mulher dele, Teresa Cristina Murad Sarney, às vésperas do segundo turno das eleições para o governo do Maranhão. O dinheiro deveria turbinar a campanha de Roseana Sarney, 55 anos, hoje no PMDB de José Sarney, que tentava voltar ao Palácio dos Leões. Ela acabaria derrotada por Jackson Lago, um pedetista histórico, num dos resultados mais espetaculares daquelas eleições.

A família estava de novo sob a lupa da PF. Em janeiro de 2008, havia saído uma ou outra coisa na imprensa. A partir daí, tudo corre em segredo de Justiça. Menos para José Sarney. Já em agosto, o senador tem que apelar de novo para os seres superiores, usando todas as suas manobras de sedução – a maior delas, segundo o jornalista Sebastião Nery, o poder infinito de nomear – para livrar da cana seu filho, o empresário Fernando Sarney, 52 anos, comandante do Sistema Mirante, que domina as comunicações no Estado, e mais uma dezena de pessoas, por: formação de quadrilha; crime contra o sistema financeiro e administração pública; falsidade ideológica; fraude em licitação; e evasão fiscal. Falta alguma coisa?

Por seres superiores, entenda os ministros do Superior Tribunal de Justiça. Assim que a polícia pediu a prisão de Fernando, a 18 de agosto, seu advogado, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que está “em todas”, acionado por José Sarney, entrou com pedido de habeas corpus preventivo, concedido antes mesmo do STJ apreciar. O juiz Neian Milhomem Cruz, relator do inquérito na primeira instância na Justiça Federal do Maranhão, que vinha dando apoio ao cerco da polícia e do Ministério Público, negou o pedido e saiu de férias. Em compensação, toda vez que Fernando sai de casa para o trabalho, sua mulher Teresa avisa: “Fernando, não esquece o habeas.” O habeas faz parte do guarda-roupa dele, um adereço, como a gravata.

Investigação ‘vazou’ para Sarney e Fernando – A operação da PF ganhou o nome de Boi Barrica, grupo maranhense de bumba-meu-boi. Revelou um poderoso esquema de corrupção no governo federal. José Sarney acompanhava a investigação passo a passo. Vazamento é com ele mesmo. Ele sabia...

... que o monitoramento desvendou que a São Luís Factoring e Fomento Mercantil Ltda., em nome de sua nora, Teresa Murad Sarney, e João Odilon Soares, diretor financeiro das empresas de Fernando, era apenas uma lavanderia do “grupo criminoso”.

... que tal factoring também maquiava despesas pessoais da família de Fernando. “Uma dança do dinheiro” frenética, com cheques no valor de 1.633.230 reais, 423.994 e outras quantias estratosféricas, com a assinatura de Teresa e Ana Carla, mulher e filha de Fernando – uma verdadeira farra do boi-bumbá.

... que havia uma rede de tráfico de influência sob o comando de seu próprio filho, Fernando Sarney, tendo como principais cúmplices Astrogildo Quental, diretor financeiro da Eletrobrás, estatal que movimenta 6 bilhões de reais por ano; Ulisses Assad, diretor de engenharia da Valec, empresa vinculada ao Ministério dos Transportes responsável pelas obras da ferrovia Norte-Sul, e dois colegas de turma de Fernando no curso de Engenharia Civil da Escola Técnica da Universidade de São Paulo – Gianfranco Perasso e Flávio Barbosa Lima –, que a revista Época viria a chamar de “O grupo da Poli de 78”.

... que esse grupo de alegres rapazes depois passou a contar com o ex-ministro Silas Rondeau, que rodou mas voltou, hoje está no Conselho de Administração da Petrobras.

... que Fernando, sua mulher e o Grupo da Poli movimentam contas não-declaradas ao fisco na China, nos Estados Unidos e nas Bahamas.

A documentação, a troca de e-mails e os grampos telefônicos são fartos, eloqüentes, arrasadores. Provam que Fernando manda e desmanda na quadrilha, que inclui um vasto laranjal de pequenos citricultores, como Marco Antônio Bogéa, motorista de Fernando em Brasília, que leva e traz malas de dinheiro ou envelopes polpudos para os integrantes do bando, sob as ordens do operador Astrogildo Quental.

Quando José Sarney faz um discurso no Senado, dizendo que Belo Monte, no rio Xingu, na terra dos caiapós, vai ser a redenção da Amazônia, pode ficar certo de que, muito antes que as comportas se fechem, a alegre turma de Fernando já entrou em campo, faturando.

(Aviso: A revista Caros Amigos chega às bancas em São Luís na terça-feira, 17, com a matéria completa sobre o poderio e o tráfico de influência da família Sarney no Maranhão e no país)

O Senador Jarbas Vasconcelos Conta Tudo

Revista Veja, Páginas Amarelas
Entrevista: Jarbas Vasconcelos
O PMDB é corrupto

A idéia de que parlamentares usem seu mandato preferencialmente para obter vantagens pessoais já causou mais revolta. Nos dias que correm, essa noção parece ter sido de tal forma diluída em escândalos a ponto de não mais tocar a corda da indignação. Mesmo em um ambiente político assim anestesiado, as afirmações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos, de 66 anos, 43 dos quais dedicados à política e ao PMDB, nesta entrevista a VEJA soam como um libelo de alta octanagem. Jarbas se revela decepcionado com a política e, principalmente, com os políticos. Ele diz que o Senado virou um teatro de mediocridades e que seus colegas de partido, com raríssimas exceções, só pensam em ocupar cargos no governo para fazer negócios e ganhar comissões. Acusa o ex-governador de Pernambuco: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção".

O que representa para a política brasileira a eleição de José Sarney para a presidência do Senado?

É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador.

Mas ele foi eleito pela maioria dos senadores.

Claro, e isso reflete o que pensa a maioria dos colegas de Parlamento. Para mim, não tem nenhum valor se Sarney vai melhorar a gráfica, se vai melhorar os gabinetes, se vai dar aumento aos funcionários. O que importa é que ele não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão.

Como o senhor avalia sua atuação no Senado?

Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui. Cheguei em 2007 pensando em dar uma contribuição modesta, mas positiva – e imediatamente me frustrei. Logo no início do mandato, já estourou o escândalo do Renan (Calheiros, ex-presidente do Congresso que usou um lobista para pagar pensão a uma filha). Eu me coloquei na linha de frente pelo seu afastamento porque não concordava com a maneira como ele utilizava o cargo de presidente para se defender das acusações. Desde então, não posso fazer nada, porque sou um dissidente no meu partido. O nível dos debates aqui é inversamente proporcional à preocupação com benesses. É frustrante.

O senador Renan Calheiros acaba de assumir a liderança do PMDB...

Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.

Se não Atrapalharem o Maranhão Deslancha

Reproduzo abaixo artigo do Professor José Lemos:

Se não Atrapalharem o Maranhão Deslancha

Meus pais, “Seu” Domingos e “Dona” Amélia eram muito rígidos na forma de criar os seus filhos. Minha mãe era mulher de quase nenhuma posse e de pouca instrução formal, mas de uma sabedoria incrível e de uma riqueza de valores imateriais impressionante. Ela teve apenas dois filhos, eu sendo o segundo. Fomos criados com obediência e respeito recíproco. Irmão mais novo respeitando o mais velho. Falar palavrão perto do irmão? Nem pensar! Quando cometíamos deslizes, as sanções eram proporcionais. Achar qualquer objeto na rua era proibido na nossa modestíssima casa. Principalmente se fosse dinheiro. Tínhamos que devolver para o local onde havíamos achado. Este foi o instrumento que ela, na sua sabedoria, encontrou para cortar, na origem, qualquer tentativa de apropriação de algo que não tivesse origem transparente. Na nossa casinha não tinha passarinho preso em gaiola. Fomos educados para ter disciplina. A hora de acordar para o colégio era sagrada. Aqueles ensinamentos nos acompanharam pela vida e foram fundamentais na construção da nossa personalidade, na convicção da defesa de princípios dos quais não se deve abrir mão.

Este preâmbulo é para dizer que filhos criados com muitos mimos, cheios de vontades, podem ter dificuldades no encaminhamento da própria vida. Amar é também saber dizer NÃO e impor limites. É mostrar que as conquistas têm que ser fruto da obstinação, do trabalho e do talento. Os objetivos têm que ser sonhados previamente e depois buscados com tenacidade. Ao contrário do que aprendemos na matemática, a menor distancia entre dois pontos nas nossas vidas, quase sempre não é uma reta. Nas conquistas da vida, no geral, precisamos fazer contornos, muitas vezes árduos e sinuosos.

A teia em que querem enredar o atual Governador Jackson Lago tem todos os ingredientes associados à tentativa de conquistas fáceis, birro de quem sempre teve as vontades satisfeitas, equívocos de pais que não souberam dizer NÃO para os filhos no momento que deveria ser dito, e não lhe mostraram que as conquistas, para serem sólidas, precisam ancorar-se em trabalho árduo. Trabalho que começa com a lapidação pessoal, na busca do conhecimento, na capacitação. Na busca incessante da competência.

Os que demandam apear o Governador de um mandato legitimamente conquistado nas urnas são os mesmos que já demonstraram amplamente a incapacidade que têm de gerirem a coisa pública. Apesar disso, são exímios em transgredirem a lei da gravidade, sempre “caindo ‘prá’ cima”, e também são muito hábeis na construção de fortunas.

Conseguiram transformar um dos Estados mais promissores do Brasil, no mais pobre da Federação, e com isso jogar para baixo a autoestima dos que tiveram a felicidade de nascer nesse pedaço de chão. Com efeito, busquei os dados da PNAD de 1995, no final do primeiro ano do Governo de quem quer agora receber, sem votos, um mandato de Governador. Naquele ano a taxa de analfabetismo dos maiores de 10 anos no Maranhão era de 33,7%. A escolaridade média dos maranhenses em 1995 era de 3,8 anos. Pois bem, ao final de quase oito anos de poder, em 2001, a taxa de analfabetismo dos maranhenses ainda era de 26,6%, e a escolaridade média era de inacreditáveis 4,5 anos. A taxa de desaceleração do analfabetismo foi de apenas 3,3% ao ano. A taxa de aceleração da escolaridade média foi de modestos 2,4% ao ano. Deixaram sem escolas de segundo grau a grande maioria dos municípios maranhenses. O Maranhão produziu, em 1982, mais de três quilogramas diários de alimentos per capita. Em 1998 fizeram-no produzir apenas 678 gramas. Em 2006 o Maranhão já produzia 1.282 gramas diárias por pessoa.

Um outro indicador relevante é a população do Estado que não tinha acesso à água encanada, que em 1995 era de 55,3%. A privação de local adequado para destinar dejetos humanos penalizava 76,2% da população. Em 2001, os maranhenses sem água encanada continuavam sendo de 55,3%, ou seja, com mais gente sem água, tendo em vistas que a população cresceu naquele lapso de tempo. A privação de local adequado para destino de dejetos havia declinado para 62,6%, a uma taxa de desaceleração de apenas 2,8% ao ano.

A partir de abril de 2002 os governos assumiram como prioridade a redução da pobreza do Estado, e desenharam políticas para isso. Como resultado, em 2007 a taxa de analfabetismo no Maranhão havia declinado para 17,9% e a escolaridade média havia ascendido para 6,1 anos. Portanto, o analfabetismo desacelerou-se a um ritmo médio de 5,5% ao ano e a escolaridade média acelerou-se a uma taxa de 4,4% ao ano. A população privada de água encanada havia reduzido para 35,4% (-6,1 % ao ano) e a população privada de saneamento havia declinado para 47,3% (desaceleração de 4,0% ao ano).

Estimei o Índice de Exclusão Social (IES) para 2001 e para 2007. Neste lapso de tempo a população socialmente incluída no Maranhão superou 600 mil pessoas. Óbvio que os eleitores perceberam todos estes resultados que incrementaram a qualidade das suas vidas e, por isso, votaram no atual Governador em outubro de 2006. Não tenho certeza, jamais a terei, mas este parece ser mais um “birro” de quem jamais recebeu um NÃO dos genitores e sempre teve os seus mimos sancionados. Este seria apenas mais um. Os Membros do TSE farão justiça e não deixarão que isso aconteça, para que os maranhenses não tenham interrompida a sua atual trajetória de progresso, ainda lenta, devido à forma virulenta com que utilizam o seu império de comunicação para atrapalhá-la. A propósito o texto do Jornalista Alberto Dines do dia 10/02/09 é um primor e deveria ser lido pelos brasileiros, sobretudo, pelos maranhenses de todas as tinturas ideológicas.

Não poderia concluir este texto sem apresentar as condolências da minha família pela passagem da Sra. Conceição de Maria Simões Melo, ou “Dona Cita”, grande liderança no município de Primeira Cruz, batalhadora por dias melhores para aquele que é um dos municípios mais carentes do Maranhão. Era mãe da Ivana, Vanessa, Mauricio e esposa do Francisco Melo. Ivana trabalhou comigo quando fui Secretário de Estado entre 2005 e 2006. “Dona Cita” foi grande entusiasta do Programa de Mitigação da Pobreza do Governador Zé Reinaldo, assim como do atual Governador. Estava cotada para assumir novamente uma Secretaria na atual Administração do seu município. Não foi possível!


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José Lemos é Engenheiro Agrônomo e Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. lemos@ufc.br. Autor do Livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre”.