terça-feira, 19 de agosto de 2008

Direitos Humanos

Este ano a humanidade comemora 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos e no dia 10 de dezembro será lançada uma campanha de um ano de duração, em que todos os países e todos os atores sociais terão oportunidade de participar da luta contra a pobreza, ainda um dos maiores desafios para todos.

Em excelente artigo publicado na Folha de São Paulo por Louise Arbour, formada em direito na Universidade de Montreal, Canadá, doutora honoris causa por 27 universidades, exercendo o cargo de alta comissária para os Direitos Humanos da ONU ( Organização das Nações Unidas), enfatiza que, sem erradicar a pobreza, não conseguiremos avançar em direitos humanos.

No artigo em questão, começa lembrando que Eleanor Roosevelt, líder do processo da criação da declaração, observou que “nenhuma liberdade pessoal pode existir se não houver segurança econômica e independência”. Ou seja, pessoas que enfrentam necessidades não são livres, escreve Louise Arbour. E continua “a pobreza é tanto causa como conseqüência de violações de direitos humanos. Mas a ligação entre pobreza e a privação de direitos continua à margem dos debates de políticas e do desenvolvimento de estratégias. Isso tudo, apesar do fato de que já existem bases e plataformas legais que guiam as ações dos países nesse sentido.

Todos os países já ratificaram pelo menos 1 dos 9 tratados de direitos humanos e oitenta por cento já ratificaram pelo menos 4. Além disso, a comunidade mundial endossou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), que definem metas concretas em relação aos esforços internacionais para acabar com a pobreza e a marginalização até 2015.

Porém, como conseqüência da falta de vontade política e, em alguns casos, de recursos, bem como a ausência de melhor compreensão da relação entre pobreza e abuso, o quadro global que emergiu neste ano está, talvez previsivelmente, longe de ser reconfortante”.

Nada mais verdadeiro e o Maranhão é um exemplo indiscutível do que diz a alta comissária. Aqui, os governantes foram causa explícita para a formação de uma sociedade extremamente pobre, carente, excluída e dependente.

Em 2002 o Maranhão não disponibilizava ensino médio em 159 municípios do estado privando os jovens de educação formal e além de oferecer um ensino fundamental de qualidade crítica, que produzia uma imensa evasão escolar e inadequação de idade-série maior do que em todos os outros estados brasileiros.

Não bastasse isso, havia sido extinta a Secretaria de Estado da Agricultura, tirando dos agricultores familiares todo apoio, treinamento e orientação técnica para produzir, contribuindo fortemente para a pobreza e para a debilidade dos direitos humanos no estado. Isso permitiu um sem número de abusos, pois, como disse Eleanor Roosevelt: “pessoas que enfrentam necessidades não são livres”. Para quem exercia um tipo de poder que procurava ser eterno, nada melhor que pessoas privadas de tudo para perderem a independência. Com isso, qualquer coisa que fosse feita, por menor que fosse, contando com uma mídia atraente, mesmo que mentirosa, levava ao voto. E ao poder.

Louise Arbour diz ainda em seu artigo: “Em muitas sociedades, os mais pobres não podem usufruir dos direitos à educação, à saúde e a habitação simplesmente porque não podem se permitir a isso. Tal fato acaba dificultando sua participação na vida pública e sua capacidade de influenciar as políticas”. Será que ela estudou o Maranhão? O que enuncia cai como uma luva para a realidade vivenciada pelo estado. Lembram-se que vários membros, dos mais importantes da oligarquia, defendiam a ausência de políticas habitacionais dizendo que os maranhenses adoravam suas casas de taipa cobertas com palha, sem água e banheiro e não queriam outra? Então...

E a autora prossegue: “para resumir, a pobreza significa não somente salários e bens insuficientes, mas também falta de oportunidades e de segurança que minam a dignidade e aumentam a vulnerabilidade dos mais pobres. A pobreza é também uma questão de poder : quem o detém e não o detém. Entretanto, a pobreza é normalmente percebida como uma condição lamentável, mas acidental, ou como conseqüência inevitável de decisões e eventos ocorridos em outro lugar – ou, ainda, como responsabilidade daqueles que sofrem com ela”.

Não é isso que o senador José Sarney escreveu em vários artigos, tentando tirar a responsabilidade de seu grupo pela pobreza do Maranhão?

Continua a alta comissária: “independente de problemas econômicos, os países podem tomar medidas imediatas para lutar contra a pobreza (...) Programas como os adotados no Brasil, o Bolsa Família e o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, representam importantes exemplos de como políticas corretas podem agir em favor dos mais pobres. Vencer a pobreza é um compromisso de longo prazo no Brasil, como nos outros países. Isso requererá juntar os esforços dos governos, assim como da sociedade civil e do setor privado.

Enquanto uma em cada sete pessoas do mundo continuar sofrendo com a fome todos os dias, proteger e dar poder aos mais pobres deve se tornar um motivo urgente para honrar o espírito e a promessa de dignidade para todos contida na Declaração Universal de Direitos Humanos”.

Em resumo: o artigo é de uma lucidez fantástica e coloca no rumo certo a problemática de direitos humanos e seus conceitos tão distorcidos utilizados para atingir fins políticos disfarçados.

Parabéns, Alta Comissária Louise Arbour.

domingo, 17 de agosto de 2008

Mendes critica exposição de presos na TV

Estadão - 15/08/2008 - (Felipe Recondo e Mariângela Gallucci, BRASÍLIA): Segundo ministro, exibição de imagens de pessoas detidas viola presunção de inocência e dignidade humana.

Depois de limitar o uso de algemas, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) querem proibir policiais de promover a exposição de presos na imprensa, qualquer que seja o crime. "A algema é apenas uma metáfora", disse ontem ao Estado o presidente do STF, Gilmar Mendes. No entender do ministro, "a exposição de presos viola a idéia da presunção de inocência, viola a idéia da dignidade da pessoa humana".

As críticas de Gilmar Mendes à exposição de presos são antigas, de quando ainda era procurador da República. Ele diz que, na época, tentou coibir judicialmente a exibição de presos em programas sensacionalistas de televisão.

No debate O Brasil e o Estado de Direito, promovido pelo Estado no dia 4, Mendes também manifestou contrariedade com a prática. "A prisão, em muitos casos, só se justifica para fazer a imagem, e a imagem com algema. Prender é algemar e expor no Jornal Nacional", disse ele, no evento que reuniu ainda o ministro da Justiça, Tarso Genro, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto.

De acordo com o ministro Celso de Mello, do STF, a exposição indevida de presos já levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a responsabilizar autoridades do Peru. "Esse ato da autoridade pública transgride a própria Convenção dos Direitos Humanos", disse Mello, durante o julgamento sobre o uso de algemas, na quarta-feira. Para ele, o governo brasileiro poderá ser alvo de processo semelhante se o Judiciário não reprimir abusos como o uso irregular das algemas.

O caso mais recente de exposição, criticado por juristas e pelo próprio governo, ocorreu na Operação Satiagraha, da Polícia Federal. Uma equipe da TV Globo flagrou o momento em que agentes prendiam o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. Ele foi filmado de pijamas, ao abrir a porta de casa.

A veiculação das imagens levou o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Correa, a determinar a instauração de uma sindicância para investigar se houve violação do Manual de Procedimentos Operacionais da instituição pelos agentes que permitiram as filmagens.

Entre as regras previstas no manual está a determinação para que as operações sejam discretas. O descumprimento desses ditames resulta em punições que vão de advertência a abertura de processo administrativo para demissão.

Assim como no caso das algemas, os ministros do Supremo podem regulamentar o assunto em súmula, mas isso dependerá de caso concreto que seja levado a julgamento no plenário da Corte.

ARBÍTRIO

O ministro Tarso Genro afirmou ontem que terá uma reunião de trabalho na próxima semana para discutir como a PF cumprirá a decisão do STF de limitar o uso de algemas apenas a situações excepcionais.

"Temos de ver o processo técnico da implementação da súmula, porque, ao contrário do que está sendo interpretado, o arbítrio do agente aumentou e não diminuiu", avaliou. O ministro observou que, a partir de agora, os policiais terão de fundamentar as decisões que resultarem na colocação de algemas em presos.

Gilmar Mendes disse que provavelmente chegarão ao STF reclamações se a súmula sobre o uso de algemas for desrespeitada. Mas ele afirmou esperar que ela seja aplicada de forma igualitária com presos ricos e pobres.

LIMITE

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou ontem a postura da Polícia Federal em relação ao uso de algemas. "Estamos passando do limite. Uma vez que o STF declarou as condições em que as algemas podem ser usadas, tudo que sair disso está contra a lei", afirmou, referindo-se à Operação Dupla Face, realizada pela PF na terça-feira, em que 32 pessoas foram presas e algemadas.

FHC, entretanto, elogiou a PF. Disse que o trabalho melhorou, mas que é preciso maior controle. "A Polícia Federal melhorou. Vamos ser francos. Agora, é uma questão de equilíbrio. Estamos numa democracia ainda um pouco adolescente. Às vezes as pessoas abusam, mas eu não vejo que isso necessariamente vá para o pior. É preciso controle e bom senso".

Controle de Radicais

O Estado de São Paulo: (Dora Kramer) A ofensiva do Supremo Tribunal Federal contra arbitrariedades cometidas no curso de investigações policiais não se esgota em decisões como a restrição ao uso de algemas em presos nem na criação de normas para controlar autorizações judiciais às escutas telefônicas. Com esses gestos, o STF atua na parte que lhe cabe. Faz, como diz o presidente do Tribunal, ministro Gilmar Mendes, a "pedagogia dos direitos fundamentais junto à magistratura". Mas, na visão dele, não basta que o Judiciário contenha os seus radicais se o Executivo não se propuser a conter os dele e o Legislativo não aderir, modernizando as leis.

Quando esteve com o presidente Luiz Inácio da Silva em julho, no auge do mal-estar público com a Polícia Federal por causa da Operação Satiagraha que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, Gilmar Mendes apresentou a Lula uma série de providências necessárias para conter o que chama de "anarquia institucionalizada".

Falou ao presidente da República sobre a urgência de uma remodelação legislativa – incluindo novos instrumentos para coibir o abuso de autoridade e a mudança da lei de interceptações, criada em 1996, mas já superada pelo avanço da tecnologia –, reiterou a importância do apoio dele junto ao Parlamento e deixou claro que ao Executivo caberia conter os excessos da polícia sob seu comando.

Relatado o problema no Planalto, Gilmar Mendes foi cuidar de sua seara. Presidente do Conselho Nacional de Justiça, propôs que o CNJ – o chamado "controle externo" do Judiciário – preparasse a resolução que obriga os juízes de primeira instância a prestarem contas das autorizações concedidas à polícia para interceptar conversas telefônicas. As normas devem ficar prontas até o fim do mês.

Os juízes não serão subtraídos de nenhuma de suas funções nem terão suas ações restritas, até porque o CNJ não pode interferir em decisões judiciais.

Mas como pode, e deve, atuar para corrigir procedimentos, passará a obrigar os juízes a registrarem, com justificativa, todas as autorizações concedidas.

Com isso, em caso de abusos, conivência ou mesmo displicência funcional nas liberações dos "grampos", o CNJ poderá punir os responsáveis. A idéia surgiu a partir da constatação da cúpula do Judiciário de que a "anarquia" nos meios e modos de se investigar crimes no Brasil – hoje quase exclusivamente baseados nas escutas telefônicas, legais e ilegais – vai se transformando numa grave ameaça aos fundamentos democráticos.

Segundo a avaliação predominante, houve uma aceleração da ocorrência de abusos a partir do momento em que a Polícia Federal "cresceu" aos olhos da opinião pública, incentivada por uma lógica justiceira politicamente conveniente ao governo.

Cinco anos e meio de sucessivas operações espetaculares (muitas absolutamente dentro das balizas da lei) depois, a PF começou a ultrapassar as fronteiras da conduta conveniente a uma instituição a serviço do Estado e passou a agir como um poder independente ungido de todas as prerrogativas em nome da guerra contra o crime. Notadamente os de colarinho branco.

Ainda conforme análise feita nos debates do CNJ, a Polícia Federal está conseguindo impor sua dinâmica de atuação ao Ministério Público e à Justiça porque suas operações contam com o apoio da opinião pública, compreensivelmente satisfeita com a visão quase cotidiana de prisões de "gente bem" (todas soltas logo depois).

As cenas talvez reduzam a sensação de impunidade generalizada e certamente prestam um grande serviço às boas intenções.

Mas no meio disso há a lei que, na percepção preponderante no STF, começou a ser ignorada por agentes do Estado e, não raro, com a concordância de juízes e procuradores.

A situação estaria caminhando, pois, para o perigoso terreno da oficialização de um "paladinismo" que pode conquistar aplausos de imediato, mas abre caminho para o retrocesso institucional porque pressupõe a prevalência de uma força sobre todas as outras circunstâncias.

No fim, saem todos no prejuízo.

Inclusive quem alimentou o monstro. Ou o governo que tantos dividendos políticos tirou das ações da PF está muito satisfeito de ver o chefe de Gabinete do presidente da República (Gilberto Carvalho) e um petista que já foi o candidato do partido a presidente da Câmara (Luiz Eduardo Greenhalgh) expostos em praça pública nos grampos da Satiagraha? Esse tipo de trajetória demora a ser percebido pela população, cuja tendência é ficar contra quem contraria suas expectativas.

Em geral, o alvo errado.

Ocorre agora mesmo. A polícia prende ao arrepio da lei, a Justiça manda soltar em observância à lei e fica com a pecha de inimiga pública. Péssimo para o Estado de direito. Em tempos de Legislativo desmoralizado e Judiciário mal conceituado, a celebração ao Executivo resulta em Estado autoritário.
Obs.: A coluna é nacional em varios jornais e emissoras de tv e rádio ( Edição 15/08/2008)