terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Quem Está Fazendo Guerrilha

Só quem não conhece os métodos ou não sabe do desespero do grupo Sarney acredita nos jornais e demais meios de comunicação de sua propriedade e no que está por trás da violenta campanha contra Jackson Lago.

O senador José Sarney sabe que trava suas últimas batalhas. Uma no front interno, no Maranhão, e outra no front externo em Brasília. Para ele, as duas significam adiar o desfecho que levará ao encerramento do ciclo de poder político que durou 40 anos no Maranhão. A derrota de 2006 e, em seguida, a de 2008, tirou as ilusões que restavam.

Como continuar depois dessas duas derrotas que trouxeram em seu bojo a mensagem de que o povo do Maranhão perdeu o medo e repudia tudo o que se entenda como dar poder à família Sarney? Sem poder no Maranhão, fica difícil manter o poder em Brasília, a despeito de amizades e relacionamentos pessoais, por mais fortes que sejam. É próprio da política fazer festa e dar prestígio apenas para os vencedores.

Como não tem mais esperanças de conseguir o poder pelo voto, eles só enxergam um caminho: a total radicalização, exacerbada pela irresponsabilidade própria daqueles que não conseguem ver outra saída senão o “quanto pior, melhor”.

Nunca vimos no Maranhão, a não ser durante a greve de 1951, um clima tão tenso no estado. Os jornais da família carregam nas tintas, tentando colocar no governador Jackson Lago a culpa pelo terrorismo que eles fazem, incentivando a confusão. A história está cheia de jogadas como essa, em que os que disseminam o terror, jogam a culpa nas suas vítimas, que ,acostumadas a jogar limpo, custam a reagir.

Nos dois fronts o objetivo é obter poder. No Maranhão, o que começou com a tentativa aloprada de cassar o mandato do governador, foi acrescido do desejo de mudar o resultado do pleito em municípios importantes para entregar a políticos derrotados, mas fiéis à família. Assim, resultados legítimos estão sendo mudados e daí para a revolta é um passo. Se roubar um resultado de um jogo de futebol pode levar a grandes revoltas, imagine o resultado de um pleito municipal, cuja população sabe quem é o legítimo vencedor. Esse clima de insegurança, sem paralelo em nossa história, culmina com o poder atribuído isoladamente a um juiz, que pode cassar, reiteradas vezes, um prefeito eleito e impor um resultado que tem levado amigos meus, que ainda mantem relações com a família Sarney, a reclamarem que “está demais”.

Eu jamais defenderei atos de violência, mas esse estado de coisas está levando a um acirramento de lados que não pode resultar em nada construtivo. Jackson Lago, mesmo acossado pela terrível campanha que o ameaça dia e noite, mantem a serenidade e está se comportando como um homem de formação superior frente aos treslocados, irresponsáveis e desesperados adversários. Ainda bem. Se fosse um homem com um temperamento do ex-governador Nunes Freire, as coisas já teriam pegado fogo. Parabéns, governador, pois seria formidável para eles acusarem-no de radicalizar uma situação e jogá-lo contra a opinião pública nacional.

No final dessa história, tudo isso só servirá mesmo para aumentar a rejeição da família e apressar o seu final político.

No plano nacional, o senador Sarney está tão radical que está desafiando o seu grande benfeitor, o presidente Lula. Está totalmente convencido, e não é de agora, que, se não conseguir ser o presidente do Senado, estará fora da sucessão em 2010. E aí será a sua morte política. O presidente, conforme o noticiário, já perguntou mais de uma vez a Sarney se ele queria ser o presidente do Senado e recebeu sempre resposta negativa. Ele sabe que não controla a ala do PMDB da Câmara, que é muito ligada a Michel Temer, e não abre mão de presidir aquela Casa, aliás, com a concordância do PT.

E sabe também do acordo entre o seu partido e o do presidente, cujo objetivo consiste no PT assumir a presidência do senado, já que Lula não seria tão negligente a ponto de deixar o PMDB presidir Câmara e Senado ao mesmo tempo. O preço a pagar seria muito alto. Sarney sabe que virá guerra e sabe muito bem que essa guerra vai ser suja e que ele certamente sofrerá muito com o que virá em seu conteúdo.

Nesse panorama, dissimula como nunca, faz malabarismos de causar inveja a um contorcionista, conversa como nunca, tentando um consenso que se mostra impossível de acontecer.

Mas ele não tem tempo, tampouco campo de manobra e está determinado a enfrentar a tempestade. Vai ao extremo da imprudência, desafiando Lula e o PT. Quem sabe quantas promessas ele está fazendo aos senadores e aos partidos? Se conseguir, Lula pagará um preço muito grande e ficará difícil governar. Entre outras coisas, ele usará a presidência do Senado para livrar a família dos processos em andamento na Polícia Federal e também para ir para cima do TSE, aumentando a pressão para cassar o governador Jackson Lago. É tudo que ele quer, além, é claro, de se colocar bem politicamente na sucessão de 2010.

Para isso, ele fará um movimento nesse tabuleiro, objetivando colocar Renan Calheiros como líder do PMDB. E nessa direção, já conseguiu o “nada contra” de Lula.

É muita coisa para ele desistir da empreitada. Mas pode apressar o seu fim!

O Maranhão é o Brasil

Folha - (Eliane Cantanhede): Nada poderia espelhar melhor a desigualdade brasileira do que o Maranhão que emergiu de três páginas diferentes da Folha na última sexta-feira.

Na pág. A2, no texto "A crise na janela", delicioso como sempre, José Sarney não fica a ver navios e sim "um solitário barco envolto na bruma de sal". É a crise a olho nu, mas Sarney trata de enaltecer São Luís como o segundo porto do Brasil, exportando 110 milhões de toneladas de minério de ferro e alumínio, além de soja, milho, babaçu.

O Maranhão também tem "a maior fábrica de alumínio do mundo, da Alcoa" e a "melhor infraestrutura do Nordeste", com estradas de ferro e "comboios imensos, milhares de operários, lavra, energia e estradas". Fantástico.

Mas esse é um Maranhão. Há outros. Você vira a página e, na A4, as notas "Fichados 1" e "Fichados 2", do Painel, informam que o Estado contribui para a nova "lista suja" de trabalho escravo com um juiz, Marcelo Baldochi, e o ex-prefeito de Santa Luzia Antonio Braide, pai de um ex-assessor do ministro maranhense Edison Lobão.

Virando mais uma página, chegamos à A6 e à reportagem sobre maranhenses que, no primeiro dia do ano, incendiaram a prefeitura, o fórum e o cartório da mesma Santa Luzia, a 300 km de São Luís e do segundo porto brasileiro. Motivo: quem ganhou a eleição para prefeito não levou. A Justiça não deixou.

Na véspera, com os salários atrasados e sem Natal, prestadores de serviço tinham invadido a casa do prefeito Zilmar Melo e a empresa de informática da família, em Tutoia (457 km da capital e do porto maravilhoso). Quebraram até os carros. O que restou, levaram.

E o Maranhão de um ex-presidente recente (1985-1990) e "da maior fábrica de alumínio do mundo" não é só lembrado por trabalho escravo e pela fúria de cidadãos, mas pelos piores desempenhos em português e em matemática. E no IDH, claro.

O Maranhão é o Brasil. Ou melhor, o Brasil é o Maranhão.

* A imagem desta postagem ilustra como ficou dividida a América Portuguesa entre 1621 e 1640. Para saber mais: Clique aqui

domingo, 4 de janeiro de 2009

Feliz e Próspero 2009 para nós maranhenses e sem golpe

Reproduzo abaixo artigo do Professor José Lemos:

Feliz e Próspero 2009 para nós maranhenses e sem golpe

“Nós é pobre, mas nós não é besta. Nós sabe o que nós qué!”

Eis a expressão de desabafo de uma mulher que estava incluída entre os “maranhenses miseráveis e maltrapilhos”, uma das “pérolas” que adornam a peça de acusação ao Governador Jackson Lago. Nestes dois adjetivos fica explicita toda a carga de preconceito e desprezo que essa gente tem para com a população carente do Maranhão. Fato normal para quem acha que pobre morar em casa de taipa coberta de palha é cultural.

A explosão de desabafo que começa este texto inicia o meu livro na sua segunda edição de 2008. Ela foi proferida num seminário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que aconteceu em São Luis, em 2004. Eu era um dos expositores da mesa em que aquela maranhense representava grupos de agricultoras familiares do Estado. O tema em discussão era desenvolvimento rural sustentável e os retrocessos que o Maranhão experimentou a partir da metade dos anos oitenta até inicio deste milênio.

Em inglês chama-se de “empowerment” que significa dar poder aos sujeitos sociais, desenhar políticas de acordo com as suas demandas. Nisso consiste o processo de municipalização dos recursos. Em vez de alguém “iluminado”, enclausurado entre paredes refrigeradas, definir o que é “bom” para as comunidades pobres, o tomador de decisões políticas vai ao ambiente onde estão os futuros beneficiários e lhes ouve o que estão precisando para incrementar-lhes a qualidade de vida. Estes são alguns dos fundamentos científicos da moderna governança. Assim, o processo em que acusam o Governador de ser beneficiário de ações de políticas públicas fundamentadas dentro do que existe de mais moderno, em termos de administração pública, é surreal, para ser complacente.

Ao final de 2001 o Maranhão tinha o pior IDH do Brasil (0,636), com 53% da sua população sendo socialmente excluída. As causas principais eram: 55,30% dos domicílios não tinham acesso à água encanada; 62,62% moravam em domicílios sem destino adequado para os dejetos humanos; e 26,6% da população maior de 10 anos era analfabeta. A escolaridade média dos maranhenses era de apenas 4,5 anos, a menor do Brasil. Em decorrência disso o Maranhão teve o menor PIB per capita, da ordem de R$ 1.781,50, ou R$ 148,46 mensais naquele ano. Este valor equivalia a apenas 82,5% do salário mínimo mensal cujo valor era de R$ 180,00. Além disso, o Maranhão, que em 1982 chegou a produzir 3.584 gramas diárias de alimentos por pessoa, em 1988 produziu apenas 678 gramas diárias per capita. A causa desse desastre foi o desmonte da Secretaria de Agricultura e de todo o aparato técnico-institucional voltado para a produção agrícola familiar do Estado, realizado pelos que agora querem tirar o mandato do atual Governador no “tapetão” que, em menos de oito anos, foram capazes de fazer do Maranhão o Estado com a maior taxa de emigração do Nordeste (Vide PNADs dos anos 1990). Como se não bastasse tudo isso, havia uma dívida contraída por eles, que não trouxe qualquer benefício aos maranhenses, que onerava o orçamento do Estado em R$ 50 milhões mensais em 2006.

O Governador Zé Reinaldo, ao assumir em abril de 2002, elegeu como prioridade o combate à pobreza envolvendo as Prefeituras e as comunidades no planejamento de alocação dos recursos do Estado. Para assegurar a impessoalidade e fazer com que as ações não beneficiassem apenas os aliados do governo foi definido um critério técnico de prioridades, haja vista que os recursos disponíveis não eram suficientes para atender a todos os 217 municípios. Definiu-se como regra selecionar os 100 municípios maranhenses com menores IDH. Por isso São Luís e Imperatriz, dentre outros, não foram contemplados.

Esta forma de alocação de recursos, realizada dentro dos prazos e regras estabelecidos pelas leis eleitorais vigentes, mudou para melhor a qualidade de vida dos maranhenses. A grande demanda dos municípios era por escolas, porque o grupo que quer voltar ao poder tinha deixado escolas de segundo grau em apenas 59. Todos os 217 municípios foram contemplados. Por isso em 2006 os analfabetos diminuíram para 17,8%, a escolaridade média elevou-se para 6,1 anos, e o PIB per capita de 2006 ascendeu para R$ R$ 4.627,90, que equivale a 1,1 salários mínimos. Os munícipes também demandaram água encanada e local adequado para os dejetos humanos. Os dados da PNAD de 2006 mostram que o Maranhão havia reduzido a população privada de água a 40% (inclusão de 918 mil pessoas), e a privação de acesso a destino adequado de dejetos havia declinado para 47%, incluindo 937 mil maranhenses neste serviço essencial. A produção diária de alimentos atingiu 1.282 gramas por pessoa. Os excluídos do Maranhão reduziram para 39%, em relação a 2001, tirando da condição de “miseráveis e maltrapilhos” 840 mil conterrâneos.

Portanto, milhares de maranhenses foram beneficiados com esta forma de governar e, por isso, por duas vezes (2006 e 2008), demonstraram também saber o que não querem. Agora esperam que os Juízes do TSE façam perícias, verifiquem datas e autenticidade das “provas”, atentem para as pessoas que manifestam apoio ao Governador. Não faríamos isso se não conhecêssemos o seu passado e caráter, e se não acreditássemos que tudo não passa de uma armadilha. Os democratas de boa fé e índole almejam que os Senhores Juízes façam justiça. Assim procedendo, no futuro, os “maranhenses miseráveis e maltrapilhos” serão apenas miragens e farão parte de um triste registro naquela peça preconceituosa de acusação a um Governador legitimamente eleito pela sua gente humilde sim, mas honrada.


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José Lemos é Engenheiro Agrônomo e Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. lemos@ufc.br. Autor do Livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre”.