quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Miséria moral

Declarações de Lula sobre "denuncismo" da mídia revelam o gênero das alianças de que o projeto político petista depende

PRIMEIRO a prática, depois a teoria. O presidente Lula e o PT não têm feito segredo dos compromissos que os vinculam, hoje em dia, ao ex-presidente José Sarney -para nada dizer das relações cordiais que mantêm com Fernando Collor de Mello.

Adversários históricos, todos se conciliam em torno de um objetivo que só na aparência corresponde à desgastada tese da "governabilidade".

Em pauta, acima de tudo, está o interesse lulista de garantir o apoio do PMDB à candidatura Dilma Rousseff. Provêm dessa penosa circunstância, como se sabe, as cenas de hesitação eventual e de governismo explícito que dividem a bancada petista no Senado. É como se não houvesse nada de mais incômodo, no momento, do que discutir a ética na política -assunto que, no passado, constituía uma constante na retórica do partido.

O pragmatismo lulista vai seguindo seu curso habitual. Nada de novo haveria a assinalar neste tópico, não tivesse o presidente da República oferecido, em recente entrevista a uma emissora de rádio do Rio, estranhas justificações teóricas para o espetáculo que protagoniza.

Em meio a nebulosas considerações sobre a qualidade dos times brasileiros de futebol e sobre os peixes que cria num lago do Palácio da Alvorada, Lula recorreu a um exemplo histórico para condenar o que chamou de "denuncismo".

"Eu estava lembrando o seguinte", disse Lula. "Este país teve um presidente que governou com mão dura durante 15 anos, chamado Getúlio Vargas (...) esse homem, em quatro anos de democracia, foi levado ao suicídio porque era chamado de ladrão todos os dias".

Num vertiginoso retrospecto, Lula relembrou outros casos de "denuncismo", coroando suas considerações com uma referência casual: "depois foi o Collor".

Nada como uma ditadura, portanto, para proteger governantes de denúncias. É esta, sem dúvida, a única conclusão cabível da referência feita pelo presidente ao período de "mão dura" do Estado Novo.

Não é certamente o caso de atribuir peso excessivo a mais uma das incontáveis infelicidades verbais de Lula. Sinais de tentação autoritária, comuns tanto à direita quanto à esquerda sul-americana, mostram-se menos presentes no Brasil do que em outros países do continente.
Persiste, entretanto, a renitente disposição governista de atacar a imprensa, cada vez que se desvelam os abusos dos poderosos de plantão.

A crítica lulista ao "denuncismo" não é nova. Mas que se faça o elogio da repressão ditatorial varguista, e que se chegue ao ponto de lembrar o impeachment de Collor como exemplo dos possíveis perigos das mobilizações da opinião pública, é algo que revela, lamentavelmente, a miséria moral do petismo -e o tipo de companhias de que depende para a continuidade de seu projeto de poder.

Editorial da Folha de S.Paulo, dia 20 de agosto de 2009

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PT em cacos

Da coluna Painel:

Foi a pedido de Delcídio Amaral e Ideli Salvatti que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, emitiu a nota em defesa do sepultamento definitivo de investigações contra José Sarney. Obrigados a votar devido à recusa do líder Aloizio Mercadante em nomear novos titulares para o Conselho de Ética, os dois queriam algo que lhes permitisse dizer ao eleitor que livraram a cara de Sarney por determinação superior. Ao se recusar a ler a nota, Mercadante retirou-lhe o caráter institucional. O discurso de Flávio Arns ("me envergonha estar no PT") completou o desastre.

Longe dali, um grão-petista minimizava a confusão e a saída de Marina Silva: "O PT tomou um rumo. Vamos trazer o PMDB para Dilma. Quem não estiver contente que procure outro caminho".

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Lula só Bate tão Duro porque é Refém

A crise no PT não é irrelevante. Provocada pela adesão do partido à causa de José Sarney. Acho que estamos todos — refiro-me aos que escrevemos sobre política — mais ou menos equivocados sobre os motivos. O que é que se toma como dado na equação? Temeroso de prejudicar a candidatura de Dilma Rousseff, que precisa do apoio do PMDB, Lula decidiu emprestar solidariedade incondicional ao presidente do Senado porque considera que sua renúncia ou destituição da presidência da Casa prejudicaria o seu governo.

Será mesmo? Por quê? Quem é capaz de apontar os prejuízos efetivos? Como todos sabem, é uma falácia afirmar que o tucano Marconi Perillo (GO), vice-presidente, passaria a presidir o Senado. Seria assim por algum tempo. Outra eleição teria de ser feita. O governo tem a maioria necessária para fazer o novo presidente. Por que esse apoio obstinado?

Atenção! Lula já abandonou companheiros de jornada ao relento, petistas legítimos. Não se esqueçam: num dado momento, descolou-se de José Dirceu, de quem, de fato, nunca foi pessoalmente íntimo. Quando foi necessário, chamou Antonio Palocci e mandou ver: “Não posso seguir a partir daqui”. Lula sempre levou adiante a máxima de que o primerio dever de um estadista é a traição. E ele se considera, como sabem, um estadista. Estou chamando a atenção dos senhores para o fato de que o presidente está sendo mais persistentemente fiel a Sarney do que àqueles que detinham — e ainda detêm — alguns segredos do PT.

Num raciocínio que não requer grande complexidade, pode-se dizer que os benefícios que uma eventual composição com o PMDB trarão a Dilma podem ser anulados por essa proximidade com Sarney. Nada gruda em Lula, já sabemos. Mas ele tem uma imunidade única. Pode até dizer que seu Lexotan é um livro. E daí? O cara já nasceu sabendo. Ele diz isso, e alguns intelectuais aplaudem (eles também detestam leitura). Mas o partido sabe que está arcando com um desgaste que não é pequeno. Pior para uma liderança de São Paulo, como Aloizio Mercadante, que depende de uma eleição majoritária. Berzoini se reelege deputado com o voto petista. O senador, que pretende a reeleição, percebeu que Sarney passou a ser um fator de risco. Por isso tentou e tenta descolar o seu bigode do bigode do outro. Sente o as farpas (eco!) do beijo da morte.

Para o PT, Sarney é um daqueles casos em que a soma resulta menor do que o original — o sinal do homem é mesmo negativo. Quase 80% dos brasileiros gostariam de apeá-lo da presidência do Senado. Mas Lula fechou questão e, como sempre, bateu a mão na mesa e exigiu fidelidade do partido. Que se ajoelhou e até emitiu uma nota a respeito (ver posts de ontem). É bem verdade que ninguém precisa mandar Berzoniev fazer certas coisas. Ele age por gosto e vocação.

O que não conseguimos dizer até agora — nenhum de nós chegou lá — é por que Lula vive a sua mais persistente fidelidade. Até Mariza Letícia deve estar dizendo: “Gente, ele nunca foi assim”. O segredo, estou certo, está naquela reunião quase secreta de José Sarney com Dilma Rousseff enquanto Lula trocava abraços-e-beijinhos-e-carinhos-sem-ter-fim com o assassino em massa Muammar Khadaffi, na Líbia — naquele dia, num amarelo deslumbrante! Lula chamou o homicida de “amigo e irmão” — convenham: abraçar Sarney, perto disso, é pinto de bigode…

Se vocês recuperarem o noticiário, o presidente da República se preparava para deixar o peemedebista no deserto, como sempre faz um líder petista quando alguém cai em desgraça. Mas a conversa com Dilma mudou o rumo da história. E Sarney adquiriu, então, aquela face do obstinado. E passou a contar com o apoio incondicional, mesmo!, de Lula. Tudo por causa da eleição? Ora, ora, ora… Pensemos.

Caso Lula tivesse decidido (se pudesse) livrar-se de Sarney, vocês acham mesmo que os patriotas do PMDB romperiam com o governo para seguir um líder decrépito rumo, na melhor das hipóteses, ao oblívio? Sei que é difícil, mas deixem um pouco os escrúpulos de lado, escondendo de si mesmos a própria carteira, e tentem se colocar no lugar daquela gente. Lembrem-se: vocês são eles agora. O que fariam? “Ah, não! Sou Sarney até morrer! O governo que se dane! Aqui estão os meus cargos. Cansei desses ministérios, dessas estatais, dessas empreiteiras, dessa gente nos tentando com caixa de campanha… Cansei de tudo isso! Em vez de ficar com o Sarney do Brasil, vou ficar com o Sarney do Maranhão e do Amapá…” Vocês, sendo vocês, não ficariam com nenhum dos dois porque são éticos. Eles, sendo eles, ficariam com Lula porque não são burros.

Lula dorme lendo livros do Chico Buarque, mas não dorme com olhos alheios. Sempre foi um grande calculista. Ele está vendo o preço a pagar por manter o apoio a Sarney — e não é pequeno —, mas certamente sabe que o outro seria maior. E nada tem a ver com a disputa eleitoral de Dilma Rousseff. Ou alguém acha que essa lambança toda com Sarney colabora com a candidatura Dilma?

Lula não fechou com Sarney para se proteger da oposição. Lula fechou com Sarney para se proteger de Sarney!

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Mais um Dia de Vexame Sinistro para o PT

O senador Flávio Arns (PT-PR) diz que, se a Justiça der sinal verde, sai do partido, dado o vexame de ontem, de cumplicidade no livramento de Sarney ("tenho vergonha de estar no PT").
A senadora Marina Silva (PT-AC) anunciou justamente ontem que sai do PT.

Goste-se ou não do que pensam, os dois não dançam em quadrilhas nem marcham em tropas de choque do cangaço político, de que somos reféns. Com a cobertura de Lula, fomos sequestrados pelos patronos da miséria e da opressão nos Estados mais desgraçados do Brasil.

Foi um dia de vexame sinistro para o PT, para o petismo-lulismo, para o governo Lula e para Lula. Foi um dia de crime de consciência. Crime a mando de Lula, que fez os senadores do PT votarem por Sarney. Senadores que, por sua vez, aceitaram a tese da "obediência devida", de história também sinistra.

Parêntese: tudo isso ocorre um dia depois de Lula colocar no mesmo saco a história de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart e Fernando Collor. A mixórdia sinistra que Lula faz da história do país equivale à mixórdia que promove na política partidária.

Aloizio Mercadante (PT-SP), com cara de coveiro em tempo de epidemia, tentou limpar sua barra. Colocou à disposição o cargo de líder da bancada. Mas vai tentar a reeleição vestido com a mortalha do bloco do Sarney e Renan Calheiros. Assim como Ideli Salvatti (PT-SC), Delcídio Amaral (PT-MS) e João Pedro (PT-AM), da milícia de Sarney, que votaram por Sarney no Conselho de Ética. Salvatti, ressalte-se, fez parte da milícia que resgatou Calheiros da lata de lixo da história. Se Mercadante quiser começar a limpar a sua ficha, terá também de sair do PT.

E o mal que o PT fez à ideia de esquerda no Brasil vai durar gerações. Se não é uma peste terminal.

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Um dia esmagador

Com a preferência pelos ardis e conchavos, governistas terminam o dia com o risco de mais um ônus político e ético

Por Jânio de Freitas


Foi um momento raro a que os espectadores da TV Senado e os presentes no Conselho de Ética assistiram quando o senador Flávio Arns tomou a palavra, para dirigir-se ao colega Arthur Virgílio, pouco antes absolvido por unanimidade de uma representação do PMDB.


Calmo como sempre, escandindo as palavras como sempre, rosto neutro e sério como sempre, o petista Flávio Arns disse nada menos do que coisas assim: "sinto vergonha" do PT; "aquelas coisas ditas ao povo", sobre luta contra corrupção e outros velhos compromissos, "eram mentiras"; "os senadores do PT que hoje votaram aqui", pela recusa de recurso contra o senador-presidente José Sarney, "antes assinaram uma carta comprometendo-se a apoiar investigações do presidente do Senado", e "fizeram o oposto, rasgaram a carta que assinaram: como se pode confiar em pessoas assim?" Estão aí poucos exemplos de um momento de grandeza pessoal estarrecedor, daqueles que nem se imaginaria mais na vida pública brasileira.


O senador Flávio Arns coroou um dia esmagador para o PT e para o governismo. Mesmo a isenção total do senador Sarney, comandada com rebenque pelo próprio Lula contra o líder de bancada Aloizio Mercadante, apenas deu tudo como resolvido para continuar como estava até anteontem. PSDB e PSOL prometeram, com presteza, recursos ao plenário, o que basta para um lado e outro não perder o pique. E a condução do resultado só ser estimulante para o incipiente movimento de ruas.
Menos escandaloso e mais criativo, um ardil criado pelo senador Romero Jucá revela quanto a situação de Dilma Rousseff tornou-se inquietante para Lula e o governismo.

O gesto repentino e surpreendente de Jucá por uma acareação da ministra e da ex-secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira, era um truque que o senador Demóstenes Torres desmontou. Depois de tratar com normalidade o requerimento, Demóstenes despiu-se da condição de muito capaz presidente da Comissão de Constituição e Justiça e, vestindo a de oposicionista, fez o encerramento súbito da sessão, sem submetê-lo a votação, para fúria dos governistas. Em fácil maioria, e sob a aparência de uma iniciativa enfim esclarecedora, eles votariam contra a convocação e, com isso, eliminariam o risco de Dilma Rousseff ser chamada a interrogatório ali, como se deu com sua oponente.


Mais do que se desfez, a manobra do governo reverteu. É só perguntar-se por que os governistas chegariam a tanto, depois do insucesso de sua bancada, na véspera, diante da tranquilidade e da segurança de Lina Vieira? Só há uma resposta, evidente. E que, mesmo se neutralizada por fatos futuros, juntou-se ao forte desgaste de Dilma Rousseff por tantos dias de falta de ação do governo para comprovar (?) sua contestação Lina Vieira. A apelação é sempre um sinal.


A atitude digna do senador Arthur Virgílio seria, a propósito, bom motivo de reflexão para a Presidência e o governismo acossados por tantos questionamentos éticos. Virgílio assumiu sua responsabilidade pelas condutas impróprias de que foi acusado, no uso excessivo dos serviços à sua disposição; expôs-se em pessoa ao Conselho de Ética, fez sua defesa -e foi inocentado mas não por graça de cambalacho. A unanimidade que lhe foi dada deveu-se, no dizer do mesmo petista Flávio Arns sobre o peessedebista, que a presença de Arthur Virgílio "é essencial no Senado".


Com a preferência pelos conchavos e ardis, o PT e os demais governistas chegaram ao fim do dia com o risco de mais um ônus político e ético. Em vista da carga da Presidência contra a posição assumida dias antes pela bancada, Aloizio Mercadante convocou uma reunião dos petistas, e dela se presumia que saísse sua renúncia à liderança. Escrevo antes de uma informação segura a respeito, mas já contava com outra renúncia para completar a escalada desastrosa do PT: a renúncia de Marina Silva a seus 30 anos de PT. Tema para muitos dias nossos e muitas noites de Lula e seus governistas.




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quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Vento em popa

Da coluna Painel da Folha:

A Holdenn, cujo proprietário, Rogério Frota de Araújo, bancou apartamentos para a família Sarney em SP, tem como parceira em negócios no setor elétrico a Servtec, que também orbita em torno do grupo político do presidente do Senado.

Em 2007, a Servtec se desdobrou na Bons Ventos S.A.
Recebeu recursos do Proinfa (Eletrobras) e do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) para erguer usinas de energia eólica em Aracati (CE), cidade natal de Frota.

O presidente da Servtec, Lauro Fiuza Jr., comanda a Associação Brasileira de Energia Eólica. A entidade tem como consultor Silas Rondeau, que perdeu o Ministério das Minas e Energia na Operação Navalha e, como o filho de Sarney, está enrolado na Boi Barrica.

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ANJ estuda pedir súmula contra censura

Jurisprudência do STF com efeito vinculante impediria juízes de restringir liberdade de expressão

De Vannildo Mendes:

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) está debatendo e estudando um meio de levar o Supremo Tribunal Federal (STF) a firmar jurisprudência, com efeito vinculante, para impedir que juízes de primeiro grau ou de qualquer outra instância do Judiciário façam censura prévia no País.

É o que ocorre hoje com o Estado, proibido de publicar notícias de interesse público que envolvam o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A ANJ informou ontem que pedirá a colaboração da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de outras entidades comprometidas com o Estado Democrático de Direito, para definir o melhor tipo de ação.

O ponto a ser superado, de acordo com a entidade, é encontrar o melhor tipo de ação que preserve a liberdade de expressão, em sua forma plena prevista na Constituição, sem que isso implique interferir no poder e na liberdade dos magistrados.

A medida foi apoiada unanimemente pelos representantes dos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, Correio Braziliense e da Rede RBS de Comunicação, que participaram de um painel sobre liberdade de imprensa promovido ontem em comemoração aos 30 anos de criação da ANJ. "A violência contra o Estadão atinge a todos nós", resumiu Marcelo Rech, diretor da RBS.

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Esperneio desarticulado

Editorial de O Estado de São Paulo:

Transitando entre o impropério e o desatino, um transtornado senador José Sarney desconcertou os seus pares na sessão de segunda-feira da Casa ao investir em plenário contra este jornal por ter divulgado na véspera a história das estranhas transações imobiliárias da família envolvendo uma empreiteira com negócios bem-sucedidos no setor elétrico - onde a influência do senador é notória. A revelação de que a empresa Aracati Construções (rebatizada Holdenn Construções) comprou e mantém registrados em seu nome dois dos três apartamentos usados por membros do clã em um prédio nos Jardins, em São Paulo, literalmente tirou do sério o presidente do Senado. Em um surto de apagão mental, acusou o Estado - entre outras coisas - de adotar "uma prática nazista" - celebrando, de passagem, a inexistência de câmaras de gás no Brasil.

Descomposto, não apenas invectivou o jornal, comparando-o, para tentar desqualificá-lo, ora a um "tabloide londrino", ora a "um velho de fraque e de brincos" - seja lá o que isso signifique -, mas ainda se permitiu repreender os colegas de diferentes partidos que, em entrevistas, cobraram a apuração dos fatos. Deixou o plenário antes de ouvir os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF) pedirem mais uma vez o seu afastamento. "Estamos vivendo um momento em que esta Casa é pior do que o inferno, pelo deboche, pela ridicularização", declarou Simon. "Por que não permitir que o Conselho de Ética faça o levantamento (das relações de Sarney com a mencionada empreiteira)?" Cristovam concordou. "Houve uma denúncia em relação a um personagem e a obrigação da gente é investigar. E a obrigação dele seria pedir a investigação para limpar o seu nome", argumentou.

Os dois senadores defenderam o jornal dos ataques de Sarney. "O Estado de S. Paulo é um patrimônio deste país", assinalou Simon, lembrando já ter sido duramente criticado em suas páginas. "O Estado", disse Cristovam por sua vez, "jamais esteve dentro do bloco ideológico do qual eu me sinto parte, mas não há dúvida de que lutou pela democracia." O desarticulado esperneio de Sarney não teve nem a circunstância atenuante de apresentar alguma contestação objetiva ao teor da reportagem declarada "irresponsável" e "sem provas". Na realidade, denúncias nela veiculadas estão documentadas por declarações textuais dos antigos donos dos apartamentos, com o relato passo a passo das duas operações de venda.

No primeiro episódio, de fevereiro de 2006, o dono do apartamento 22 do edifício Solar de Vila América conta que foi abordado inicialmente por um neto do senador, José Adriano Cordeiro Sarney, filho do deputado Zequinha Sarney. Ele o informou de que o negócio seria acertado por alguém da Aracati - no caso, Maria Rosane Frota Cabral, irmã e sócia do empreiteiro Rogério Frota de Araújo -, que se encontrou com ele, então residente em Porto Alegre, no Aeroporto de Congonhas, acompanhada por escrevente de cartório de Sorocaba, onde foi assinada a escritura. Pai e filho alegam que Zequinha estaria comprando à prestação o apartamento da empreiteira, tanto que já o arrola na sua declaração de bens. Mas nenhum deles deu detalhes do suposto negócio, do qual não há referência no cartório de registro de imóveis.

No segundo episódio, do apartamento 32, o vendedor conta que foi procurado diretamente por Rogério Frota, que, depois de visitar o apartamento, encarregou a mesma irmã de concluir o negócio. Para isso, Maria Rosane veio a São Paulo, acompanhada do mesmo escrevente do cartório de Sorocaba, onde a escritura foi assinada.

Diante das evidências das relações promíscuas do seu clã com interesses negociais, o senador invocou na sua diatribe uma versão peculiar do direito constitucional à privacidade. "Deus", exclamou, "eu devo dar explicações sobre compra ou uso de qualquer coisa que eu use na vida aqui para o Senado?" Sem querer, foi ao ponto da crise que a sua conduta exacerbou no Senado: o patrimonialismo, a abolição radical dos limites entre o público e o privado. Em discursos anteriores ele praticamente sustentou que a sua vida pública o tornava inimputável. Agora, no implausível papel de vítima, se considera desobrigado de responder por atos que deseja confinar à sua vida particular. Por essas e outras, 74% dos entrevistados do Datafolha querem que o senador deixe a presidência da Casa.

Editorial do Estado de São Paulo

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Devolva o fardão ao governo, Sarney

No fim dos anos 80, o grande Millôr Fernandes deu-se ao desfrute de ler o começo de Brejal dos Guajas, lançado pelo escritor José Sarney, que acumulava as funções de presidente da República entre um cacófato e uma próclise. Ficou perplexo com o cortejo de erros, contradições e maluquices, puxado pelo título. Nunca houve no Maranhão uma tribo dos guajas. Existiu a dos guajajaras. Nas primeiras páginas, o romancista revela que a cidade em que a trama se desenrola (ou não) sofria de carências terríveis porque o governador era inimigo do prefeito. Nâo tinha, por exemplo, correio nem escola. Poucos parágrafos mais tarde, alguém manda um telegrama e um visitante ilustre é recepcionado por colegiais (com bandeirinhas).

Millôr comentou essas afrontas em dois textos. Pretendia parar por aí. Obrigado pelos leitores do Jornal do Brasil a ler o livro até o fim, produziu um clássico. Se a Academia Brasileira de Letras não fosse o que é, Sarney seria envenenado no primeiro chá das cinco. Se ele não fosse quem é, juntaria todos os exemplares de todos os livros numa bonita fogueira de São João e voltaria ao jardim da infância. Preferiu seguir em frente.

O pelotão avançado da coluna tem mantido sob estreita vigilância o político. Faltava marcar de perto o intelectual. Não falta mais. Injuriado com a crueldade com que Sarney tratou o idioma, o raciocínio lógico e a coerência na Oração aos Parentes, aquela em que jurou não conhecer sequer o afilhado de casamento, o leitor Celso Arnaldo resolveu transcrever sem correções a discurseira e selecionar alguns espantos. Nesta manh~s, repetiu a dose com o improviso de ontem. Aí vão alguns dos melhores momentos, seguidos de comentários curtos e pertinentes. Divirtam-se:

“Os meus netos estão estudando em São Paulo. E o meu filho Sarney Filho compra um apartamento no mesmo edifício, porque era mais fácil onde já moravam os seus primos, e declara no seu imposto de renda que está pagando um contrato de compra e venda. Está lá no imposto de renda dele. A escritura não foi passada porque ainda não terminou o seu pagamento, mas já constam no imposto de renda as prestações que ele tem passado”. (Que tal o “meu filho Sarney Filho”? Que tal “era mais fácil onde já moravam os seus primos”? Que tal “as prestações que ele tem passado”?)

“Eu comprei o primeiro apartamento ali em 1977, Sr. Presidente, ainda em construção. Para quê? Para ali morarem meus filhos que estudavam, um na Universidade de São Paulo, na Escola Politécnica, e outro na Faculdade Cristã, Católica”. (A Faculdade Cristã, Católica, deve ter uma fé fervorosa. O orador não informou se tem parentesco com a PUC).

“Se alguém comprasse algum imóvel, se houvesse algum pagamento de imposto que não tivesse sido feito, se soubesse você denunciaria à Receita Federal! Mas o que tem isso com o Senado?”
(Haver pagamento que não tenha sido feito, só na contabilidade dos Sarney).

“Uma afirmação dessa natureza! E ele (o orador refere-se ao jornal O Estado de S. Paulo) vem se empenhando numa campanha sistemática contra mim, ou adotando uma prática nazista, que era aquela que eles adotavam de acabar com as pessoas, denegrir a sua honra, a sua dignidade até, com os judeus, levá-los à câmara de gás”.(Os nazistas, segundo Sarney, adotavam a técnica que eles adotavam de primeiro levar os judeus à câmara de gás para depois denegrirem a sua honra).
Eu quero fazer uma ressalva: ainda hoje O Estado de S. Paulo mantém uma sequência no que ele foi. É o nome do dr. Ruy Mesquita, que é o símbolo da continuidade, da lembrança do que foi, no passado, O Estado de S. Paulo”. (Sequência no que ele foi são os discursos do Sarney).

O presidente do Senado não quer devolver o cargo, o mandato, os empregos dos parentes, nada. Muito menos o auferido com a coleção de ilegalidades. Mas o fardão de imortal que o governo maranhense pagou, pelo menos esse ele tem de devolver agora que foi desmascarado: José Sarney é Lula de jaquetão.
Augusto Nunes

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Teatro do Senado mostra do que é feito um senador

A pesquisa Datafolha veiculada no último final de semana gritara para o Senado: Há uma fome de limpeza no ar.


Nada menos que 74% dos brasileiros defendem o afastamento de José Sarney –por renúncia (38%) ou licença (36%).

Descobriu-se que, na opinião de 66% dos patrícios, Sarney está envolvido nos malfeitos que o noticiário acomoda sob seu bigode.

Nesta quarta (19), nas pegadas do ronco do asfalto, o Conselho de (a)Ética reúne-se para decidir o que fazer com Sarney.

Não é uma decisão banal. Os senadores dirão ao país de que matéria-prima eles são feitos. O palco foi armado para o arquivamento.

Respirava-se na noite passada uma atmosfera de jogo jogado.

Ensaiava-se a manutenção na gaveta de 12 ações –11 contra Sarney e uma contra Arthur Virgílio.

Na época das Diretas-Já, o brasileiro bradava por liberdade.

Refeita a democracia, imaginou-se que o voto resolveria tudo. Não resolveu.

A reincidência dos escândalos, um se sucedendo ao outro, expôs a cara de um monstro medonho: a impunidade.

Mais recentemente, o país animara-se com o STF.

Ao arrastar 40 mensaleiros para o banco dos réus, o Supremo parecia informar aos políticos que tentaria fazer da cleptocracia brasileira uma democracia real.

Sobreveio novo desalento. O processo se arrasta. Estima-se que não será julgado antes de 2011. Flerta-se com a prescrição.

Agora, Sarney. Não é um transgressor original. Apenas mimetiza, com variações, depravações já cometidas.

Assemelha-se a Renan ‘Bois Voadores’ Calheiros e a Jader ‘Sudam’ Barbalho. Evoca a imagem de Antônio Carlos ‘Fraude no Painel’ Magalhães.

Há uma diferença, contudo. Jader, ACM e Renan optaram por poupar os colegas do enfrentamento da tragédia. Renunciaram à presidência e/ou aos mandatos.

Com Sarney é diferente. Ele prefere levar o delírio às suas últimas conseqüências. A renúncia, no seu caso, é carta fora do baralho.

Deve-se louvar a teimosia de Sarney. Graças a ela, o país está na bica atestar uma suspeita latente.

Confirmando-se a pantomima do arquivamento coletivo, os senadores informarão à nação que eles são feitos de insensatez.

O Senado, ficará demonstrado, é feito de uma maçaroca em que se misturam a conivência e o compadrio. Não há culpados no prédio. Só inocentes e cúmplices.

No fundo do poço, o Senado decidiu continuar cavando. Lula, salva-vidas de Sarney, festeja a opção pela cova.

Enquanto fornece enxadas à bancada do PT, Lula ilude a malta com discursos pseudomoralizadores.

Discursos como o que pronunciou nesta terça (18), num pa©mício realizado no Rio. Disse que seu governo está mudando a forma de “fazer política” (assista lá no rodapé).

Lula perguntou à platéia: “Vocês sabem por que tem tanta coisa de corrupção na televisão e nos jornais?”

Respondeu: “É porque a corrupção só aparece nos jornais quando você está investigando”.

Louve-se a esperteza de Lula. Graças a ela, o país dá de cara com a política real de um Brasil gelatinoso.

Um país feito de inércia, de bigodes viscosos, da grandeza da vista curta, da sofreguidão dos interesses mesquinhos.

Com a ajuda de Lula, o Senado ganha a forma de um estômago gigantesco. É feito de tripas que engolem e digerem a paciência da platéia, saboreando o eterno poder sem propósito.

Até bem pouco, o Senado era o império do privado disfarçado de interesse público. Agora, sonega-se à bugrada até a delicadeza da dissimulação.

Os senadores já não se preocupam em maneirar.

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Governo Zé Reinaldo foi o que mais investiu em saneamento, diz auxiliar de Roseana

O presidente da Caema (Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão), João Reis Moreira Lima, destacou durante sessão especial na Assembleia Legislativa, na última quarta-feira, 12, os investimentos realizados pelo governo José Reinaldo na área de saneamento básico e abastecimento d’água no estado.

“Participei de todo projeto Alvorada e foi um projeto que inclusive tivemos elogio em Brasília. Foi um dos Projetos Alvorada na área de saneamento aonde mais foram executados, foram iniciados e concluídas as obras no governo José Reinaldo”, afirmou.

João Moreira disse que foram concluídos mais de 51 sistemas.

O projeto Alvorada foi abandonado pelo governo Roseana Sarney. O governo deixou de fazer o aporte de capitais necessário para a execução.

O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Marcelo Tavares (PSB), reiterou o reconhecimento do presidente da Caema de que o governo que mais fez obras de abastecimento d’água e saneamento no Estado, nos últimos sete, oito anos, nos últimos dez anos, foi o governo José Reinaldo Tavares.

“Fico feliz em saber que houve sim investimento em água e saneamento nos últimos sete, oito anos, houve e muito e Vossa Excelência (João Moreira) com a sua capacidade técnica tinha que participar como participou”, disse.

Tavares disse esperar que o abastecimento d’água, o saneamento e as obras de infra-estruturas necessárias que o Estado precisa fazer para receber investimentos como a refinaria que poderá mudar a história econômica do Estado tenham tanto interesse, empenho e facilidade do governo para conseguir recursos como houve para arranjar R$ 1,5 milhão para contratar o escritório Rêgo Lobão Advocacia. (Do JP Online)

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terça-feira, 18 de agosto de 2009

O que diria Cícero?

Frei Betto, que foi assessor especial da Presidência da República no começo do governo Lula, desencantou-se quando este, depois da história do mensalão, achou que só podia governar, unindo-se aos coronéis mais atrasados do nordeste e do país. Foi demais e o Frei pediu para sair... Não queria – e com razão – essa contaminadora companhia.

Recentemente escreveu um artigo, cuja publicação foi feita pela Folha de S. Paulo no último domingo. O artigo, muito inspirado, veio sob o título “Catilina abusa de nossa paciência”. Vejamos:



"Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?", indagou Marco Túlio Cícero ao senador Lúcio Sérgio Catilina, a 8 de novembro de 63 a.C., em Roma. Flagrado em atitudes criminosas, Catilina se recusa a renunciar ao mandato. 


Cícero, orador emérito, respeitado por sua conduta ética na política e na vida pessoal, pôs em sua boca a indignação popular: "Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disso conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos?"… 


"Ó tempos, ó costumes!", exclamou Cícero, movido por atormentada perplexidade diante da insensibilidade do acusado… "Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite, com suas trevas, pode manter ocultos os teus criminosos conluios; nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração; se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público?" 
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Jurista, Cícero se esforçou para que Catilina admitisse os seus graves erros: "É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia"... 


Se Catilina permanecia no Senado, não era apenas a vontade própria que o sustentava, mas sobretudo a cumplicidade dos que teriam a perder, com a renúncia dele, proveitos políticos. Daí a exclamação de Cícero: "Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso?".

Catilina fingia não se dar conta da gravidade da situação. Fazia ouvidos moucos, jurava inocência, agarrava-se doentiamente a seu mandato…

(...)

Cícero não demonstrava esperança de que seu libelo fosse ouvido: "Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te?". E não poupou os políticos que, apesar de tudo, apoiavam Catilina: "Há, todavia, nesta ordem de senadores, alguns que ou não veem aquilo que nos ameaça ou fingem ignorar aquilo que veem". 


Acuado, Catilina se refugiou na Etrúria e morreu em 62 a.C. Cícero, afastado do Senado por Júlio César, foi assassinado em 43 a.C. Um século depois, Calígula, desgostoso com o Senado, nomearia senador seu cavalo Incitatus, com direito a 18 assessores, um colar de pedras preciosas, mantas de cor púrpura e uma estátua, em tamanho real, de mármore com pedestal em marfim.

É claro que o Frei Betto, ao reviver a história romana, estava olhando para o Brasil, especificamente para Sarney, que, ao mesmo tempo que desce a nível moral nunca conhecido por outro ex-presidente da República, realiza que o faz arrastando consigo a imagem do Senado e dos políticos brasileiros.

E a instituição desce ao inferno no julgamento da opinião pública, porque não consegue se livrar de Sarney, que como Catilina, não admite renunciar. E o faz, frise-se, contra a vontade dos brasileiros, conforme pesquisa do DataFolha publicada domingo.

De acordo com a referida consulta, 78% da população foi informada do caso envolvendo Sarney. Destes, 74% querem o seu afastamento. Quase a unanimidade! O presidente do Senado está passando de “coronel” a kamikaze. Será que Catilina reencarnou em nele?

E mais: por um lado, vem à tona agora que empresas offshore, sediadas em paraísos fiscais, investem na Fundação que leva seu nome. Que inusitado! Por outro, descobre-se que familiares moram em apartamentos comprados por empreiteiros que trabalham para o Ministério de Minas e Energia. Outra grande coincidência, não acham?

Ouve-se dizer agora também que no começo do ano, um certo diretor do Senado, informou a Sarney sobre os atos secretos, os mesmos atos que este, recentemente, disse nunca ter ouvido falar. De onde provém tanto esquecimento?

Tudo isso cobre o Maranhão de vergonha, culpado de manter no poder a família Sarney por tanto tempo. Sim, porque o julgamento do Brasil sobre o Maranhão é severo e então, automaticamente, passamos a ser repositório de todo o tipo de insultos e de brincadeiras como uma terrível menção aos senadores do estado em esquete apresentado na última edição do humorístico Casseta e Planeta, da rede Globo. Passamos por indolentes, desfribados, abjetos, acomodados, medrosos e culpados pelos mal-feitos de Sarney e da família, tão exaustivamente mostrados na mídia... Nunca uma família ou uma pessoa causou tanto mal ao nosso estado, tanta vergonha. Lamentável.

Só há uma maneira de mostrar que o povo do Maranhão é digno, altaneiro e forte. Em 2010, vamos mostrar ao Brasil, pelo voto, que também não aceitamos mais os Sarney! Nem aqui, nem no Amapá, nem em qualquer lugar.

E para terminar, o ministro do TSE, Carlos Ayres de Britto, que no julgamento do governador Jackson Lago, demonstrou muito querer cassá-lo, surpreendeu a todos ao reabrir o processo de cassação. Quase nunca acontece isso, mas aconteceu. Ele acolheu reclamação do ex-ministro Resek e mandou o processo ao Supremo para decidir sobre duas questões: a primeira consiste no questionamento se o TSE pode anular todos os votos dados a um governador eleito pelo povo, (principalmente em uma confusa sessão em que, embora dois ministros tenham dito não ver ali nada de errado, assomou a contestada decisão de 4 x 3 votos, que cassou o governador eleito). Isso sem falar no agravante que consiste no fato do prejudicado não poder recorrer, como de resto ocorre sempre na justiça comum.

A segunda questão diz respeito à dúvida que recaiu quando, decidido pela cassação, por que motivo o TSE não cumpriu as Constituições do Brasil e do Maranhão, que, em caso de vacância do cargo, manda fazer nova eleição direta, se a decisão ocorrer nos dois primeiros anos do governo e indireta nos últimos dois. Por este questionamento, será revista assim a decisão, por todos criticada, de dar o governo a quem perdeu as eleições.
Cumpre-nos então informá-los, caríssimos leitores, que, se antes a atual governadora do Maranhão já era ilegítima, agora está também sub judice, escancarando a terrível precariedade desse governo biônico.
É bom colocar as “barbas” (e bigodes, naturalmente) de molho...

O Fiador

Da coluna Painel:

Dono da empreiteira que bancou apartamentos usados pela família Sarney em São Paulo, o empresário Rogério Frota de Araújo é o braço financeiro do PV do Maranhão. Filiado ao partido, já ensaiou voos na política via município de Imperatriz, base eleitoral do deputado verde e amigo Zequinha Sarney.

As candidaturas, entretanto, não emplacaram porque dividiriam votos com outros aliados do clã. Depois das eleições de 2004, quando adiou mais uma vez o sonho de entrar para a política, Frota aproximou-se de Fernando, o outro filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Em quatro anos, ganhou leilões e multiplicou contratos no setor elétrico.

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As negociações sobre o clima e seus mitos

Vai-se realizar em dezembro deste ano a Conferência de Copenhague (Dinamarca), cuja finalidade é rever e atualizar as decisões tomadas em Kyoto, (Japão), em 1997, quando os países participantes da Convenção do Clima - pela primeira vez - decidiram fazer algo para tentar evitar o aquecimento da atmosfera e as mudanças climáticas que dele decorrem, adotando o Protocolo de Kyoto. Desde 1997 ficaram cada vez mais claras as consequências desse aquecimento, bem como as suas causas, sendo a principal das quais a queima dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás).

Sucede que esses combustíveis são o motor da nossa civilização e reduzir o seu consumo enfrenta enormes resistências, e não só das empresas que os produzem, como também os nossos padrões de consumo. Mudar padrões de consumo é difícil, de modo que para reduzir o consumo de combustíveis fósseis é preciso encontrar substitutos para eles, sem o que nossa civilização deixaria de existir.

O único grupo de países que está levando essa tarefa a sério é o dos europeus, que decidiram, até 2020, reduzir as suas emissões de carbono e produzir 20% de sua energia a partir de fontes renováveis. Os Estados Unidos permaneceram até agora à margem do Protocolo de Kyoto.

Os países em desenvolvimento, mesmo os grandes emissores - China, Índia e Brasil (este por causa do desmatamento da Amazônia) -, recusaram-se a fazê-lo, usando o argumento de que reduzir as emissões vai prejudicar o seu desenvolvimento, que é a primeira - e provavelmente a única - prioridade dos seus governos.

Esse é o primeiro dos mitos que cercam as negociações sobre o clima. O desenvolvimento desses países resulta na emissão de quantidades crescentes de gases que produzem o chamado "efeito estufa", porque estão seguindo a trajetória usada no passado pelos atuais países industrializados, baseada no uso intensivo de combustíveis fósseis com tecnologias pouco eficientes. Com os avanços da tecnologia nos últimos 50 anos é possível obter os mesmos serviços com menos energia - e, portanto menos emissões de gases de "efeito estufa" -, mesmo usando combustíveis fósseis. Além disso, fontes renováveis de energia se desenvolveram muito e é possível hoje usar a energia solar, a dos ventos e a hídrica de maneira muito mais eficiente do que se fazia no passado.

O segundo mito é o de que os países em desenvolvimento só poderão adotar essas tecnologias caso os países industrializados paguem por elas, o que se estima custaria de US$ 100 bilhões a US$ 200 bilhões por ano. Essa é uma expectativa irrealista. Por que razão um país como a China, que lança satélites no espaço, constrói bombas atômicas e tem reservas de US$ 2 trilhões, precisaria de doações dos países ricos para modernizar a forma de usar energia? Esse argumento poderia valer para os países mais pobres da África, mas não para a China, a Índia e o Brasil.

O terceiro mito é o de que é injusto exigir esforços dos países em desenvolvimento - que são mais pobres -, enquanto os mais ricos não fazem nada. Esse argumento não só tem o ranço de um forte ressentimento, como também não é verdadeiro: os países da União Europeia estão fazendo seu dever de casa e os Estados Unidos aprovarão até o fim do ano uma lei que, em linhas gerais, é similar às adotadas na União Europeia.

O quarto mito é o de que os países ricos estão emitindo há mais de 150 anos, quando começaram a se industrializar, e os países em desenvolvimento só se tornaram emissores importantes mais recentemente - atualmente as emissões anuais da China já superam as dos Estados Unidos. O argumento da "responsabilidade histórica" pode ser útil no jogo político, mas tem fundamento técnico muito discutível, porque parte das emissões de carbono feitas há 150 anos já foi absorvida pelos oceanos. A gravidade das consequências resultantes da emissão de gases de "efeito estufa" somente foi reconhecida cientificamente na década de 80 do século 20. Não é razoável culpar, hoje, os emissores do passado por um "crime" que não era reconhecido como tal. Mas agora não é possível alegar ignorância. Metade das emissões de gases de "efeito estufa" provém dos países industrializados, o restante tem origem em países em desenvolvimento. Mesmo que eles deixassem de emitir, seria impossível evitar o aquecimento global. Em outras palavras, a participação dos países em desenvolvimento é essencial, quaisquer que tenham sido as "injustiças" do passado.

O quinto mito é o de que instrumentos de mercado, como a venda de créditos de carbono, são suspeitos e imorais, não passando de uma forma de os países em desenvolvimento resolverem os problemas dos países industrializados. Essa suspeita deriva da convicção de que eles são os responsáveis pelo problema e a eles cabe, portanto, resolvê-lo. Com base nesse argumento, nem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) deveria ser aceito. Essas ideias equivocadas advêm do fato de que não se deseja reconhecer que reduzir emissões de carbono nos países em desenvolvimento é mais barato do que reduzi-las nos países industrializados e que usar mecanismos de mercado terá como resultado a transferência de tecnologia para eles.

No caso brasileiro, em maior ou menor medida, o Itamaraty e o próprio presidente da República têm-se comportado como se aceitassem esses mitos. É isso que explica a posição defensiva e a falta de liderança que o País assume em foros internacionais, quando, na realidade, o Brasil teria muito a mostrar, com os seus amplos programas de energias renováveis (que compreendem o etanol da cana-de-açúcar e as hidrelétricas).

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo

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Senadores criticam discurso e afirmam que Sarney teme investigação

O discurso do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afirmando que sofre uma "campanha nazista" para se afastar do cargo foi duramente criticado por senadores. Diante de um plenário vazio, parlamentares que defendem o afastamento do peemedebista o acusaram de temer investigação e disseram que o Senado vive um "momento pior do que o inferno".

Sem os tradicionais aliados que integram a tropa de choque do presidente do Senado, o tucano Papaléo Paes (PSDB-AP) fez as vozes de sua defesa e reforçou as declarações de Sarney de que as acusações fazem parte de perseguição política.

Senado vai criar página na internet para responder a denúncias contra Sarney
Pesquisa aumenta pressão pela saída de Sarney, diz oposição
Filho de Sarney foi avisado de que seria alvo de ação, diz PF
Segundo pesquisa Datafolha, 74% querem afastamento de Sarney
Assessoria diz que Sarney soube de atos secretos em maio por relatório da FGV

Segundo o senador Pedro Simon (PMDB-RS), é preciso deixar que se investigue a denúncia de que dois apartamentos utilizados pela sua família de Sarney, no bairro dos Jardins, em São Paulo, teriam sido adquiridos e registrados em nome da empreiteira Aracati. Para o peemedebista, o Senado está vivendo "um momento que é pior do que o inferno" com senadores sendo chantageados.

"Essa Casa nunca foi santa, mas está vivendo um momento que é pior do que o inferno, pela ridicularização, e outras razões. Eu nunca vi essa Casa se rebaixar ao ponto que ela está. Eu nunca vi nada igual. Querem ganhar no grito, sem debater, sem investigar. Dizem, eu não sei quem, que a tropa de elite está organizando levantamentos contra parlamentares dessa Casa. Ouço as pessoas falando: fulano cuidado com isso, mas aonde nos estamos? Isso não é possível", disse.

Simon afirmou ainda que as denúncias contra o presidente da Casa foram levantadas pela Polícia Federal. "O fato é que as denúncias que surgem são fatos investigados pela Polícia Federal. O levantamento e todo esse dossiê veio da Polícia Federal, do presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva]", disse.

O vice-líder do PSDB, Álvaro Dias (PR), disse que falava em nome do presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), e saiu em defesa do correligionário, que foi criticado por Sarney.
Dias afirmou que a cobrança de investigações das denúncias é um pedido natural. "Neste caso, não fez nenhum prejulgamento. Eu discordo do presidente Sarney, já que o senador Sérgio Guerra apenas pediu que se investigue, que se esclareça. Não vejo mal nisso. As denúncias formuladas devem ser esclarecidas", afirmou.

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O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) disse que, ao pedir que não se investigue as acusações, Sarney reforça as suspeitas contra ele. "Eu não entendo por que o presidente pede que não se investigue o assunto. Não estou prejulgando, mas é interesse da Casa que se esclareça. Não é uma denúncia simples. Algum tipo de investigação é preciso ser feita para quem aqui cometeu algum deslize pague por isso", disse.

Para Paes --que é aliado regional de Sarney--, as acusações fazem parte de uma perseguição política. "Esta Casa não receberá de mim aperitivo para tumultuar ainda mais esse ambiente. Quero lamentar a sistematização de uma verdadeira perseguição política, isso eu considero, ao senador Sarney. Para mim, eu caracterizo isso. Com essa agora está traçado: é perseguição política. Querem fazer a cassação política dele. Essa Casa não é de golpe, Excelência. Já recebeu muitos golpes, mas não é Casa de dar golpes", disse.

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O que disse Simon

O discurso de Pedro Simon hoje à tarde no plenário do Senado (leia mais detalhes na nota postada às 17h13) foi duro e com críticas para todos os lados. O sernador peemdebista não se restringiu a voltar a pedir o afastamento de José Sarney. Simon atacou o Senado como um todo, Lula em particular, Dilma Rousseff, Renan Calheiros, PT, PMDB…

Abaixo, os principais trechos:


VIVENDO O INFERNO


“Ora, esta casa nunca foi santa. Eu diria que nós estamos vivendo momento em que esta casa é pior do que o inferno. Sem morrermos estamos vivendo o inferno aqui, no Senado, pelo deboche, pela ridicularização”.


CHANTAGEM


“Eu nunca vi esta casa se rebaixar ao ponto em que ela está. Dizem – não sei – que o grupo avançado, a tropa de elite, também está organizando um esquema de advogados, de delegados, etc e tal, para fazer um levantamento de dossiês com relação aos parlamentares desta casa. As informações chegam: Fulano, cuidado com isso! Beltrano, cuidado com aquilo!”.


CONSELHO DE ÉTICA


“O presidente Sarney devia dizer: ‘Eu exijo que o Conselho de Ética se reúna. Eu exijo que aceite as representações’. O Conselho de Ética está louco para absorve-lo. Alguém tem alguma dúvida que ele seria absolvido. Ninguém tem dúvida. Mas pelo menos se saberia o seu conteúdo, pelo menos ele teria o direito de defender”.
 


AFASTAMENTO


“Quando achamos que o presidente Sarney deveria afastar-se para iniciar o entendimento, ele quer fazer as reformas com ele. Não entende sua excelência que ele não reúne hoje as condições de fazer as transformações necessárias. Seria um gesto importante dele a renúncia da presidência. Mas parece que ele prefere ficar e assistir ao Senado cair na cabeça de todos nós a ter um gesto de grandeza de renúncia”.
 


LULA, O RESPONSÁVEL


“O culpado maior disso tudo se chama presidente Lula. E a minha querida ministra pode pagar o preço. O quê que o Presidente Lula tinha que mandar a ministra Dilma, de noite, na casa do Sarney, dizer para ele não renunciar, quando ele queria renunciar? E o Presidente lá no exterior diz para a Ministra: vá lá e peça para ele não renunciar. O quê que o Presidente Lula tinha que fazer, o que a ditadura não fez, intervindo nesta Casa, com interviu na bancada do PT, humilhando a bancada do PT? E agora, exigir que a bancada do PT afaste dois titulares da Comissão de Ética para arquivar as representações. Isso é o atestado de óbito do velho PT, isso é a certidão de nascimento do novo PT, se isso vier a acontecer”.
 
 


PMDB


“O que me magoa muito, hoje, é o presidente da Câmara, é a cúpula do MDB, que vive essa tragicomédia. No comando, uma vela para o Lula e outra vela para o Serra; uma vela para a Dilma e outra vela para o PSDB. A única coisa certa é que o MDB fica no governo, assim como está: agachado, humilhado em troca de cargos, de favores, de benesses. Esse é o presidente Sarney, esse é o Renan, esse é o Jader, esse é o presidente do partido e presidente da Câmara dos Deputados. Esta é a triste realidade do meu partido”.
 


A PIOR CRISE


“Acho que este Senado vive o momento mais sério de toda a sua existência. Este Senado já foi fechado, aquartelaram e fecharam este Senado, os senadores saíram a pé daqui. Fecharam na ditadura, na violência. Muitos saíram cassados desta Casa, senadores biônicos vieram para cá. Mas agora não!. Agora somos nós que estamos na berlinda e somos nós que temos que decidir, somos nós que temos que dar a resposta, somos nós que temos que ter a coragem de fazer uma reformulação real e objetiva na vida deste Senado”.
 


A SOCIEDADE


“O sofrimento do presidente Sarney não termina com o arquivamento da ação. Se sua excelência pensa que arquivar os requerimentos da Comissão de Ética termina o seu sofrimento, eu diria que começa”.


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A Imprensa é a Geni dessas Vestais de Meia-Tigela

Sarney esperneou, reclamou, xingou, desqualificou, protestou, fez-se de vítima e, noves fora, não explicou coisa nenhuma! Afinal, senador, por que os apartamentos estão em nome da empreiteira?

Além de tudo o que o Estadão já publicou a respeito, Sarney poderia ter aproveitado a oportunidade para explicar esta nota da seção Painel, da Folha:

Dono da empreiteira que bancou apartamentos usados pela família Sarney em São Paulo, o empresário Rogério Frota de Araújo é o braço financeiro do PV do Maranhão. Filiado ao partido, já ensaiou voos na política via município de Imperatriz, base eleitoral do deputado verde e amigo Zequinha Sarney.
As candidaturas, entretanto, não emplacaram porque dividiriam votos com outros aliados do clã. Depois das eleições de 2004, quando adiou mais uma vez o sonho de entrar para a política, Frota aproximou-se de Fernando, o outro filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Em quatro anos, ganhou leilões e multiplicou contratos no setor elétrico.

Não explicou isso também. Vocês já notaram que a vida de boa parte do políticos nunca se explica numa narrativa…, que adjetivo usarei?, LINEAR? Nunca! Estão sempre dizendo que aquilo que parece não é. Até aí, vá lá. Acontece que aquilo que ele dizem ser jamais coincide com o que parece. Aí já é uma ocorrência que desafia a ciência, né? Por que, com eles, as coisas se dão de modo diferente do que ocorre com toda gente? E, quando o assunto é Sarney, a coisa é mais diferente ainda.

Se um apartamento aparece no nosso nome da noite pro dia, vem a Receita do Dr. Cartaxo — aquele que não gosta de responder questões difíceis (ver abaixo) — e pimba! A menos, claro, que a gente tenha uma grande amiga lá em cima que zele por nós. Mas, vocês sabem, como somos pessoas comuns, isso não acontece.

Sarney, já disse Lula, não é um homem comum.

Imprensa


Coitada da imprensa! Virou a Geni do Brasil! E as pessoas que a atacam são sempre anjos de candura. Antigamente, quando surgia uma denúncia, dizia-se: “É coisa dos meus inimigos”. Em todo o mundo democrático, inimigos políticos tentam passar informações contra adversários. Isso só não acontece nas ditaduras, onde não há inimigos, só amigos. Todos amigos do poder. Os inimigos geralmente estão mortos. Mas, nas democracias, é corriqueiro.

A imprensa séria — e o Estadão é um jornal sério, ainda que, como todos nós, possa cometer seus erros, é evidente — não sai comprando o que lhe vendem. Antes, apura, busca ver se a coisa tem consistência. Mas que se note: os “inimigos” não são a única fonte de um jornalista, não. Só estou dizendo que essa antiga acusação ainda está no chamado escopo democrático.

A partir do mensalão, os bolivarianos do PT, aqueles poetas dos “recursos não-contabilizados”, da “moral paralela”, descobriram que não bastava acusar os “suspeitos de sempre”, como o policial corrupto de Casablanca. O negócio era atacar a imprensa. Assim, um jornal é golpista por isso; uma revista por causa daquilo; uma emissora de TV em razão de um outro assunto… Nem mais se ocupam em verificar qual é acusação.

Ora… Por que o Estadão estaria particularmente interessado em pegar no pé de Sarney? Com que propósito? E não custa observar: o jornal é alvo desta figura singular da política brasileira quando a cobertura de Brasília vive uma das fases mais felizes de sua história — como não pode deixar de ser reconhecido por ninguém que seja desta profissão. Não é assim porque eu quero. É assim porque é e porque a verdade está estampada nas páginas do jornal.

Campanha nazista? Ou Sarney não sabe o que é nazismo ou não sabe o que é jornalismo. O mais provável é que ignore as duas coisas.

A propósito, senador: por que os apartamentos estão em nome da empreiteira?

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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Catilina abusa de nossa paciência

Calígula, desgostoso com o Senado, nomearia senador seu cavalo Incitatus, com direito a 18 assessores e um colar de pedras preciosas

Por Frei Betto*



"Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?", indagou Marco Túlio Cícero ao senador Lúcio Sérgio Catilina, a 8 de novembro de 63 a.C., em Roma. Flagrado em atitudes criminosas, Catilina se recusa a renunciar ao mandato. 


Cícero, orador emérito, respeitado por sua conduta ética na política e na vida pessoal, pôs em sua boca a indignação popular: "Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disso conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos?". 


"Ó tempos, ó costumes!", exclamou Cícero, movido por atormentada perplexidade diante da insensibilidade do acusado. "Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite, com suas trevas, pode manter ocultos os teus criminosos conluios; nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração; se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público?"


Jurista, Cícero se esforçou para que Catilina admitisse os seus graves erros: "É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia". 


Se Catilina permanecia no Senado, não era apenas a vontade própria que o sustentava, mas sobretudo a cumplicidade dos que teriam a perder, com a renúncia dele, proveitos políticos. Daí a exclamação de Cícero: "Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso?". 


Cícero não temia ameaças e expressava o que lhe ditava o decoro: "Já não podes conviver por mais tempo conosco; não o suporto, não o tolero, não o consinto. (...) Que nódoa de escândalos familiares não foi gravada a fogo na tua vida? Que ignomínia de vida particular não anda ligada à tua reputação? (...) Refiro-me a fatos que dizem respeito não à infâmia pessoal dos teus vícios, não à tua penúria doméstica e à tua má fama, mas sim aos superiores interesses do Estado e à vida e segurança de todos nós".


Os crimes de Catilina escancaravam-se à nação. Seus próprios pares o evitavam, como assinalou Cícero: "E agora, que vida é essa que levas? Desejo neste momento falar-te de modo que se veja que não sou movido pelo rancor, que eu te deveria ter, mas por uma compaixão que tu em nada mereces. Entraste há pouco neste Senado. Quem, dentre esta tão vasta assembleia, dentre todos os teus amigos e parentes, te saudou? Se isso, desde que há memória dos homens, a ninguém aconteceu, ainda esperas que te insultem com palavras quando te encontras esmagado pela pesadíssima condenação do silêncio?". 


Catilina fingia não se dar conta da gravidade da situação. Fazia ouvidos moucos, jurava inocência, agarrava-se doentiamente a seu mandato. 
"Se os meus escravos me temessem da maneira que todos os teus concidadãos te receiam", bradou Cícero, "eu, por Hércules, sentir-me-ia compelido a deixar a minha casa; e tu, a esta cidade, não pensas que é teu dever abandoná-la? E se eu me visse, ainda que injustamente, tão gravemente suspeito e detestado pelos meus concidadãos, preferiria ficar privado da sua vista a ser alvo do olhar hostil de toda a gente; e tu, apesar de reconheceres, pela consciência que tens dos teus crimes, que é justo e de há muito merecido o ódio que todos nutrem por ti, estás a hesitar em fugir da vista e da presença de todos aqueles a quem tu atinges na alma e no coração?" 


Cícero não demonstrava esperança de que seu libelo fosse ouvido: "Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te?". E não poupou os políticos que, apesar de tudo, apoiavam Catilina: "Há, todavia, nesta ordem de senadores, alguns que ou não veem aquilo que nos ameaça ou fingem ignorar aquilo que veem". 


Acuado, Catilina se refugiou na Etrúria e morreu em 62 a.C. Cícero, afastado do Senado por Júlio César, foi assassinado em 43 a.C. Um século depois, Calígula, desgostoso com o Senado, nomearia senador seu cavalo Incitatus, com direito a 18 assessores, um colar de pedras preciosas, mantas de cor púrpura e uma estátua, em tamanho real, de mármore com pedestal em marfim.


*CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO , o Frei Betto, 64, frade dominicano, é assessor de movimentos sociais e escritor, autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004).

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