Na sexta-feira, Lula admitiu que está na hora de iniciar o desembarque da crise chamada José Sarney. O presidente acha que já deu corda até onde foi possível. Agora, vai soltar.
Tempo de resistência Desde a primeira denúncia até ser obrigado a renunciar, em outubro de 2001, Jader Barbalho aguentou-se por seis meses na presidência do Senado. Renan Calheiros suportou os mesmos seis meses até cair fora, em dezembro de 2007. José Sarney está desde fevereiro na berlinda. Cinco meses. Falta pouco, então?
O relatório da Operação da Polícia Federal mostra que Fernando Sarney ocultou provas e deu ordens expressas a assessores para tentar obstruir as investigações da Polícia Federal.
Escutas autorizadas pela Justiça flagraram o filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), orientando funcionários a esconder dados e usar telefones em nomes de laranjas para manter os negócios do grupo em sigilo.
Numa das ocasiões, Fernando Sarney chegou a acionar o porteiro de seu edifício em São Paulo para despistar os investigadores. É o que mostra reportagem de Bernardo Mello Franco e Jailton de Carvalho na edição deste sábado em O GLOBO.
O diálogo com o porteiro revela um jogo de gato e rato entre os agentes da PF e os assessores da família Sarney. Foi gravado em 19 de julho de 2008, quando Marcos Bogea, o Marquinho, era procurado no apartamento do chefe nos Jardins, na capital paulista.
Às 9h09m, ele ligou para Fernando Sarney, em pânico: "Quero saber se vai acontecer alguma coisa comigo. Não vai acontecer nada comigo não, né, Fernando?".
De imediato, o filho de Sarney quis se certificar de que o funcionário não havia falado com ninguém. Em seguida, tentou tranquilizar Bogea, dizendo que nada aconteceria, e mandou que ele aguardasse no local.
Diretoria-geral tem cerca de 200 vagas comissionadas, que também foram usadas para abrigar indicados de Renan e Mão Santa, tudo por atos secretos
A nomeação do namorado da neta do presidente José Sarney (PMDB-AP) na diretoria-geral do Senado confirma que o ex-diretor Agaciel Maia usava as vagas de confiança do órgão como instrumento de poder para agradar aos senadores. A diretoria-geral possui cerca de 200 vagas comissionadas disponíveis para um pequeno espaço no terceiro andar do prédio principal do Senado. Muitos desses cargos foram criados por atos secretos.
Agaciel aproveitou para empregar indicados de Sarney, Renan Calheiros (PMDB-AL) e Mão Santa (PMDB-PI), entre outros. No dia 26 de março de 2008, ele nomeou Rosângela da Silva Mourão para trabalhar na diretoria-geral. Mas ela sempre prestou serviços a Mão Santa no Piauí.
Outro ato confirma isso: no dia 2 de abril, uma semana depois, Rosângela foi nomeada para o gabinete do senador piauiense. Esqueceram-se de cancelar o ato que a colocava na diretoria-geral.
Só no mês seguinte um ato secreto cancelou essa medida. Procurado pelo Estado, Mão Santa não soube explicar a confusão. "Eu não sei o que ocorreu. Ela faz de tudo aqui no Piauí", afirmou. O advogado Walter Agra Júnior é assistente parlamentar da diretoria-geral desde 2007. Mas ele não cumpre expediente no Senado. Mora na Paraíba, onde é ligado ao senador Efraim Morais (DEM-PB). Na época da nomeação de Agra, Efraim era o primeiro-secretário do Senado.
Um ato secreto nomeou em 8 de abril 2005 José Góis Machado para trabalhar, teoricamente, no mesmo andar de Agaciel. Ele mora distante do Senado. Machado é aliado de Renan em Alagoas. Passou dois anos na folha de pagamento do Senado. Foi exonerado em outubro de 2007, também por ato secreto.
A secretária particular de Sarney se enquadra em caso semelhante. Assim como Henrique Dias Bernardes - que namorava a neta do senador quando ganhou emprego na diretoria-geral, cujo titular, por 14 anos, foi Agaciel -, ela aparece como funcionária do gabinete da mesma diretoria, segundo o Portal da Transparência do Senado.
O caso de Maria Vandira é curioso porque chega a ser o desvio do desvio de função. Foi nomeada, por ato secreto, em 30 de dezembro de 2003 para trabalhar como "assessor técnico" na Secretaria de Informática, conhecida como Prodasen. Na época, Sarney presidia a Casa pela segunda vez.
O ato foi assinado por Agaciel, mas Vandira nunca prestou serviços à área. Muito menos na diretoria-geral, onde hoje está lotada. Independentemente do local onde oficialmente ficou nos últimos 20 anos, nesse período ela sempre esteve com Sarney. O senador foi padrinho de seu casamento em 2007, numa festa para cerca de 800 convidados, incluindo toda a família Sarney. Caso parecido é o de Saib Barbosa Dib - é lotado na diretoria-geral desde 2003, mas trabalha para Sarney. É responsável pelo blog do senador.
TERÇO
Desde quarta-feira, quando o Estado revelou as gravações que ligam Sarney aos atos secretos, um apelo especial foi feito a um grupo de senhoras que se reúne todas as manhãs na gráfica do Senado para rezar o terço. Maria Perpétuo do Socorro de Araújo Cunha - frequentadora assídua da turma - pediu uma oração pelo futuro de Sarney.
Socorro foi nomeada por ato assinado pelo próprio senador em 1995. Maranhense e ex-assessora de Sarney, ela trabalha no serviço de atendimento ao usuário da gráfica.
O amapaense Janary Carvão Nunes é assessor do Interlegis, programa de ensino legislativo digital do Senado. Foi nomeado em outubro de 2004, durante a gestão Sarney. É filho de Janary Nunes, que governou o território do Amapá nos anos de 1950, quando ainda não era Estado.
Empresas da família Sarney são alvo de devassa da Receita
Fisco aponta crimes como remessa ilegal de dinheiro ao exterior e lavagem de dinheiro
Aperto na fiscalização nos negócios dos Sarney é um dos fatores que levaram à demissão da secretária da Receita Lina Maria Vieira
O empresário Fernando Sarney e a mulher dele, Teresa, ambos indiciados pela Polícia Federal
Numa devassa sem precedentes nas empresas da família Sarney, a Receita Federal indicou a prática de crimes contra a ordem tributária, como remessa ilegal de recursos para o exterior, falsificação de contratos de câmbio e lavagem de dinheiro, entre outras ilegalidades.
São 17 ações fiscais em curso, que atingem 24 pessoas e empresas relacionadas direta e indiretamente aos Sarney, incluindo sete contribuintes do Rio de Janeiro e São Paulo. O caso se estende até a Usimar Componentes Automotivos, empresa que deu nome ao escândalo da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) no final da década de 1990 no Maranhão, no governo da então e atual governadora Roseana Sarney (PMDB).
O trabalho dos auditores está em andamento, não tendo havido ainda autuações. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), não se manifestou, e o advogado da família não ligou de volta à reportagem. O aperto da fiscalização sobre pessoas físicas e jurídicas da família Sarney somou-se a uma série de outros fatores que levaram o governo federal a demitir a secretária da Receita Lina Maria Vieira, segundo a Folha apurou. Além da divergência pública com a Petrobras, que promoveu mudança em seu regime tributário, a administração de Lina concentrou a fiscalização sobre grandes contribuintes, aplicando autuações bilionárias em bancos e empresas de diversos setores. Os atingidos, incluindo o grupo de Sarney, pressionaram pela queda de Lina. A versão oficial para a demissão dela, contudo, foi a consecutiva queda na arrecadação de tributos. A ação da Receita sobre a família Sarney está diretamente associada à Operação Boi Barrica (batizada posteriormente de Faktor), da Polícia Federal.
O inquérito foi instaurado em fevereiro de 2007, a partir de uma comunicação feita pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que detectou movimentações atípicas no valor de R$ 3,5 milhões realizadas por Fernando Sarney e empresas da família às vésperas da eleição de 2006. A suspeita da polícia é de caixa dois na campanha de Roseana a governadora, o que ambos os filhos de Sarney negam.
A investigação da PF se desdobrou em cinco inquéritos. Fernando foi indiciado em três, por formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. A mulher dele, Teresa Murad, e funcionários de empresas da família também foram indiciados.
O material levantado pela PF foi enviado ao Ministério Público e à Justiça Federal, que acompanham a operação.
Com base no trabalho da PF, o juiz Ney Bello Filho (1ª Vara Federal do Maranhão) determinou à Receita, em setembro de 2007, a fiscalização sobre as pessoas físicas de Fernando e Teresa, e em três empresas da família: Gráfica Escolar, TV Mirante e São Luís Factoring.
Na época, o secretário da Receita era Jorge Rachid. Um ano depois, em setembro de 2008, o juiz, insatisfeito com a lentidão e o resultado do trabalho dos fiscais, expediu novo ofício à Receita determinando celeridade do fisco, sob pena de prisão de dirigentes do órgão. Na gestão de Lina, que assumiu em julho de 2008, a Receita constituiu um grupo de fiscalização, composto por auditores de fora do Maranhão.
Dos sete contribuintes inicialmente investigados, a ação se estendeu para 24 pessoas físicas e jurídicas e deve chegar a cerca de 50, segundo a Folha apurou. Pela investigação da Receita, a Usimar falsificou contratos de câmbio para remeter ilegalmente dinheiro para o exterior. A fabricante de autopeças levou R$ 44,1 milhões da extinta Sudam, em 1999, em um projeto de uma indústria em São Luís que nunca saiu do papel. A Folha não conseguiu apurar em que momento a investigação chegou à Usimar, que pertence a um grupo paranaense.
A hipótese mais branda com que o alto comando do governo conta para o affair Sarney é seu afastamento da presidência do Senado. A pior, claro, é a perda do mandato, por cassação por quebra de decoro no Conselho de Ética, o que já foi uma hipótese remota, mas, após a divulgação de gravações que explicitam nova prática de nepotismo por parte do senador, deixou de ser.
O governo, pois, já pensa no chamado day after. O que fazer após o desfecho do caso Sarney? Estará rompida a aliança com o PMDB na sucessão presidencial? Rompida, propriamente, não. O PMDB não é de rompimentos. É um partido pragmático, que não costuma ter gestos radicais, nem afirmativos. “Garanto que talvez” é o seu lema. O muro, instância existencial dos tucanos, é hoje – foi sempre, na verdade - do PMDB.
O ocaso de Sarney deve acentuar o caráter ambíguo do partido. Parte do PMDB, sobretudo os diretórios do Sul, fecha com o PSDB. A outra parte – Norte e Nordeste – tende para o PT, embora tudo dependa, claro, do desfecho da crise do Senado. Lula sabe disso, mas já chegou ao limite na exposição pessoal em defesa do senador.
Está sendo aconselhado pelo PT e por seus assessores mais próximos a se conter, daqui por diante. Os fatos tendem a piorar, segundo já lhe informaram. Há ainda munição contra Sarney a ser desovada no noticiário político. Enquanto as denúncias restringiam-se ao empreguismo no âmbito do Senado, ainda havia por onde defendê-lo. Mas a constatação de que funcionava como intermediador dos negócios do filho – que, na verdade, são negócios da família – junto ao Estado faz com que seu contencioso derive para áreas mais delicadas. O destino do clã Sarney não depende hoje só do Conselho de Ética. Está também nas mãos da Polícia Federal.
Já não é possível – se é que foi em algum momento – dissociá-lo do destino judicial de seu filho Fernando Sarney, investigado pela Polícia Federal por acusações que vão do tráfico de influência a formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Mesmo que venha a ser penalmente inocentado, o reflexo político desse simples indiciamento já é fatal ao pai senador, na medida em que se constata seu envolvimento como facilitador nos negócios do filho.
“A situação se agravou muito”, constata uma das defensoras intransigentes de Sarney, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), diante das novas denúncias. Não é uma visão solitária, nem despropositada. Pragmatismo tem limite. Napoleão Bonaparte dizia que, com uma baioneta pode-se fazer tudo, menos sentar-se sobre ela. A um político pode-se pedir tudo, menos que se suicide eleitoralmente. Dois terços do Senado vão renovar seus mandatos ano que vem.
O reflexo das denúncias junto ao eleitorado está sendo acachapante, bem mais do que poderiam supor os senadores petistas que, escorados na popularidade de Lula, admitiram, até aqui, segui-lo incondicionalmente, mesmo em situações desconfortáveis como a de Sarney. Mas, diante do fato de que Lula não será candidato a nada – e, portanto, não poderá escorá-los -, revêem o procedimento adotado e já ponderam que não é possível sentar-se sobre a baioneta.
Como se não bastasse, começa em agosto a CPI da Petrobras, que, por mais blindada que esteja, é sempre uma janela aberta ao imponderável. Agosto, mês emblemático da política brasileira (suicídio de Getúlio Vargas, renúncia de Jânio Quadros, morte de Juscelino), mais que nunca se prenuncia como mês de desgosto. Promete, como diz a senadora Salvatti. E provavelmente cumpre.
- O desfecho não pode demorar. Ele vai ter que negociar sua saída, não tem outro jeito. A afirmação foi feita agora há pouco por uma pessoa da família de José Sarney.
Senão vejamos. Distraído, Sarney não reparou que recebia mensalmente R$ 3,8 mil de auxílio-moradia, mesmo tendo mansão em Brasília e tendo à disposição a residência oficial de presidente do Senado.
Culpa da burocracia do Senado.
Distraidíssimo, Sarney esqueceu de declarar sua mansão de R$ 4 milhões à Justiça Eleitoral. Culpa do contador.
Precavido, requisitou seguranças do Senado para proteger sua casa em São Luís – embora seja senador pelo Amapá.
Milionário (embora o Maranhão continue paupérrimo), não empregou duas sobrinhas e seu neto em suas inúmeras empresas. Preferiu que se empregassem no Senado.
Milionário generoso, não quis deixar a viúva de seu motorista ao relento. Empregou-a para servir cafezinho no Senado, em meio expediente, com salário de R$ 2,3 mil. Ah, e alojou-a em apartamento na quadra dos senadores.
Generoso, não impediu que seu outro neto fizesse negócios milionários com crédito consignado no Senado.
Ainda generoso, entendeu que um agregado da família deveria ser também empregado como motorista do Senado – salário atual de R$ 12 mil – mas trabalhando como mordomo na casa da madrinha, sua filha e então senadora Roseana Sarney.
Aliás, Roseana considerou normal convidar um grupo de amigos fiéis para um fim de semana em Brasília – com passagens pagas pelo Congresso.
Seu filho, Fernando Sarney, o administrador das empresas, que sequer é parlamentar, considerou normal ter passagens aéreas de seus empregados pagas com passagens da quota da Câmara dos Deputados.
Patriarca maranhense, ocupou as dependências do Convento das Mercês, jóia do patrimônio histórico, e ali instalou seu mausoléu. O Ministério Público já pediu a devolução, mas está complicado.
Não é um fofo?
Um dos mais recentes escândalos cerca justamente a Fundação José Sarney, que se apoderou das instalações do Convento das Mercês. Consta que R$1.300 mil captados através da Lei Rouanet junto à Petrobras, para trabalhos culturais na Fundação José Sarney foram... desviados. Não há prestação de contas, há empresas-fantasmas, notas fiscais esquisitas.
Enfim, marotice, para dizer o mínimo. Mas Sarney alega que só é presidente de honra da Fundação.
Culpa dos administradores.
E o escândalo mais recente (na divulgação, não na operação): Sarney seria proprietário de contas bancárias no exterior não declaradas à Receita Federal. Coisa do amigão Edemar Cid Ferreira, amigão também da governadora Roseana Sarney a quem, dizem, costumava emprestar um cartão de crédito internacional. Coisa de gente fina.
Em suma, acompanhando as peripécias de José Sarney podemos revelar as entranhas do coronelismo, do fisiologismo, do clientelismo. Do arcaísmo.
Tudo isto demora a morrer. Estrebucha, solta fogo pela venta. Mas um dia desaparece.
Parece pequeno. Afinal, o que é um emprego no meio de tanto desvio? O que é mais um ato secreto no meio de tantos baixados por tanto tempo? O que é mais uma ajuda de Agaciel Maia, que ajudou tanto os senadores que o nomearam e o mantiveram na Casa?
O que é uma filha pedindo um favor a seu pai, que transfere o pedido para o avô da jovem, que quer apenas um emprego para o namorado?
Tudo parece normal e pequeno, e é um exemplo exato do velho vício brasileiro que tem piorado nos últimos tempos. Maria Beatriz Sarney acha normal dizer: "Pai, meu irmão saiu do Senado, dá para o Henrique (namorado dela) entrar no lugar dele?" A pergunta revela que uma jovem chamada Beatriz, da elite brasileira, acha que o país tem que dar um emprego público a seu namorado, sem concurso, através do tráfico de influências. A tragédia brasileira poderia terminar aí, se o pai, Fernando Sarney, dissesse: - Não, minha filha, o que é isso? Cargo público se consegue por concurso, por mérito.
Mas Fernando não surpreende. Nem a filha, nem o país. "Podemos trabalhar isso sim", diz ele. E mais adiante: "Vou falar com Agaciel."
Agaciel é o mesmo dos escândalos passados. É o mesmo que foi posto no cargo por José Sarney. Este também não surpreende: "Já falei com Agaciel, pede o Bernardo para falar com ele." Bernardo é o rapaz que está saindo do cargo. Irmão de Beatriz, neta de José Sarney, que nomeou Agaciel.
Filha e pai têm conversas no dia seguinte. Seria bom, se a jovem dissesse: - Pai, pensei esta noite, que absurdo eu pedi ontem! É uso da máquina pública como se ela pertencesse à nossa família.
Se ela tivesse dito isso, havia esperança de que uma nova geração da mesma família tivesse valores novos. Infelizmente, ela insiste, acha normal que se o irmão saiu da vaga, que ela seja dada ao seu namorado. Vai ao avô com o pedido. Ele poderia ter dito, para melhorar sua biografia: - O que é isso, minha neta? Isso não se faz!
Mas ele reclama que ela demorou a tratar do assunto. Falasse antes para "eu agilizar".
Os telefonemas e transações continuam. Fernando Sarney liga para o ajudante de ordens do pai para explicar a questão e diz uma frase emblemática: "O irmão está saindo, é uma vaga que podia ser nossa." O país ficou sabendo assim que existem vagas "deles", capitanias, que vão do irmão da Beatriz para o namorado da Beatriz.
Em outro diálogo, o outro filho de Fernando Sarney, João Fernando, mostra como eles ocupam essa capitania. Ele trabalha em outra vaga familiar, no gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), amigo de José Sarney. João Fernando se diverte. Conta ao pai um fato inusitado.
O senador, seu chefe, o chamou. "Eu pensei que era coisa séria." E era para vê-lo porque ele nunca vai lá. Todos acham normal. Pai, filho, senador Cafeteira, que um jovem se abolete num cargo público e não compareça ao local de trabalho. "Chamei para te ver", disse o senador Cafeteira.
Voltando ao caso de Henrique, o que precisava ocupar o cargo do irmão da namorada, neta de José Sarney. O ajudante de ordens diz que o senador Sarney falará com Agaciel Maia, o diretor do Senado. Fernando, então, fala com o pai. José Sarney reclama de novo dos prazos: "Mas ele (Bernardo, irmão da Beatriz) entrou logo com um pedido de demissão..."
O que o avô não gostou é dessa pressa de sair antes que o cargo ficasse garantido com a família. E promete falar com Agaciel. Fernando, seu filho, responde: "É só isso aí, é isso que eu queria. Que tu desse uma palavrinha com ele (Agaciel). Se tu der, resolve." E resolveu. O cargo foi dado ao namorado da Beatriz, em ato secreto.
Nesses diálogos obtidos pelo "Estado de S. Paulo" está desnuda uma faceta da política brasileira. Um velho vício do Brasil, agravado: a família em questão é rica, muito rica. O avô, patriarca do clã, está inclusive esfriando a cabeça numa ilha particular.
Poderia pendurar quem quisesse nos muitos negócios da família: Henrique, Bernardo, Beatriz, João Fernando. Aliás, os prósperos negócios familiares estão nas mãos do pai de Beatriz, sogro de Henrique. Por que não ocorre a ninguém isso?
Ainda haveria uma esperança, se após o diálogo divulgado, o presidente do Senado repetisse a frase que disse diante de Tancredo morto: "Serei maior que eu mesmo." E encerrasse toda aquela conversa de mais uma vez tratar os bens públicos como parte de suas muitas propriedades. Fosse maior do que tem sido, por décadas.
Mas não há esperança. Os diálogos eram aqueles mesmos. Lá da sua ilha, o patriarca desculpa a todos: "Foram conversas de pai e filho." São sempre assim então as conversas de pai e filho?
O senador sem voto Wellington Salgado (PMDB-MG), conhecido por abonar qualquer mau comportamento, diz que é tudo normal. É político ocupando "espaço disponível".
Espaço para ele não é no sentido figurado, é físico mesmo: é emprego para a parentela. O advogado da família diz que o crime é divulgar a conversa. "É diálogo de natureza política", entende o ministro da Justiça, Tarso Genro.
Tudo parece normal. E é um instantâneo do anormal profundo com o qual o país tem convivido.
Em diálogo gravado pela PF, vice-presidente da CBF afirma ter centro de treinamento Fifa veda aos dirigentes de suas entidades negócios que se traduzam em ganhos para si mesmos; filho de Sarney não se pronunciou
Um diálogo captado pela Polícia Federal, o empresário Fernando Sarney, vice-presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), diz manter um negócio de venda de jogadores de futebol no Maranhão. O empreendimento não está declarado em seu Imposto de Renda do ano passado, segundo a Folha apurou.
Na conversa, gravada com autorização da Justiça, o filho do senador José Sarney (PMDB-AP) conta a um interlocutor não identificado que possui um centro de treinamento com 28 jogadores em Imperatriz (MA) e que no ano passado vendeu quatro deles para o clube Cruzeiro (MG).
O código de ética da Fifa veda aos dirigentes de suas entidades associadas, como a CBF, a realização de negócios que representem conflito de interesses e que se traduzam em ganhos financeiros pessoais, para parentes e amigos.
Uma das normas da Fifa determina também que a negociação de jogadores seja feita por agentes credenciados por suas entidades associadas. Fernando Sarney não está e nem poderia ser credenciado como agente na CBF por ser vice-presidente da entidade.
A CBF informou que não iria se manifestar sobre o assunto por desconhecer a atividade exercida por Fernando e a investigação da PF. A reportagem tentou falar com Fernando e seu advogado, Eduardo Ferrão. Foram deixados recados na TV Mirante, dirigida por Fernando, e no escritório do advogado, mas eles não ligaram de volta.
O diálogo foi captado na Operação Boi Barrica, acompanhada pelo Ministério Público e pela Justiça Federal. Fernando Sarney foi indiciado por quatro crimes e é apontado como chefe de uma quadrilha que praticava tráfico de influência no governo, principalmente no setor de energia, comandado politicamente por seu pai.
A conversa sobre a venda de jogadores se deu no dia 27 de março do ano passado, às 10h10. Seu interlocutor não foi identificado pela PF, mas chama Fernando de "tio".
"Outra coisa: eu tenho hoje um CT [centro de treinamento], eu tenho 28 jogadores permanentes, até 17 anos, ótimos meninos. Quando você entrar nesse negócio aí, se tiver alguém de fora, Europa, você se lembra de mim, que a gente pode ganhar uma grana boa, tá bom?", diz Fernando.
"Tá bom. Depois a gente conversa direito, porque tem esse cara aí", diz o interlocutor.
"Esse cara, um dia desses, se quiser ir lá vai ficar empolgado. Eu tenho um negócio que, aqui em São Paulo, só o São Paulo tem, nem o Corinthians tem. Alojamento, os meninos moram lá. Eu vendi quatro para o Cruzeiro. Lindo!", completa Fernando.
O filho de Sarney tem uma participação ativa na CBF. Em fevereiro deste ano, por exemplo, chefiou a delegação da seleção brasileira no jogo contra a Itália, em Londres. De acordo com as conversas captadas pela PF, Fernando atua em diferentes áreas empresariais e políticas.
Além de comandar o conglomerado de comunicação da família, que inclui uma afiliada da Rede Globo, rádios e jornal, ele, segundo a PF, é sócio oculto do Grupo Marafolia (que realiza eventos festivos) e participa da indicação de cargos em estatais do setor elétrico. Fernando nega quaisquer irregularidades.
Apesar das novas declarações de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), começa a perder parte dos aliados que sustentam sua permanência no cargo.
Sua maior preocupação é o PT, onde mesmo aqueles que o defendiam, como Ideli Salvatti (SC), líder do governo no Congresso, já admitem que a situação se agravou e pode levar o partido a rever sua posição.
Sem os 12 senadores do PT, Sarney teria uma margem frágil de 38 votos num eventual processo por quebra de decoro parlamentar. Ou seja, menos da metade dos 81 senadores.
A divulgação das gravações da Polícia Federal, nas quais Sarney negocia com o filho Fernando Sarney emprego para o namorado da neta, deverá ser o argumento do PT para justificar uma mudança de posição.
Segundo um petista, as gravações causaram forte reação na opinião pública, pois explicitam práticas patrimonialistas.
- Agora, até o namorado da neta! O sentimento não é só de constrangimento, há preocupação também. O partido pediu que Sarney se afastasse. Agora ele é que tem que tomar uma posição - diz Serys Slhessarenko (PT-MT), 2ª vice-presidente.
- Vamos ter de ter calma, pois temos a responsabilidade de dar governabilidade ao país. Mas a situação se agravou muito. O segundo semestre do ano promete - advertiu Ideli.
Na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do então candidato José Sarney (PMDB-AP) ao Senado, em 2006, três notas, que somam R$ 174.660, estão entre aqueles documentos cuja prestação de serviço é questionável.
O trabalho executado, de acordo com dados disponíveis no site do TSE, teria sido "publicidade por carro de som".
Acontece que a empresa que teria sido contratada fica em São Luís, distante 1.776 km do Amapá, por onde o senador se reelegeu.
A Job Eventos e Locação, cujo nome comercial é Marazul Produções, funciona no mesmo endereço que uma distribuidora de medicamentos e de uma empresa de pesquisas eleitorais, na rodovia BR 135, no Km 5. Seu proprietário, Carlos Cavalcanti, que conversou com O GLOBO nesta quinta, negou que tenha trabalhado para a campanha de Sarney ao Senado.
A empresa constrói trios elétricos e aluga, inclusive, palcos.
- Trabalhei para a Roseana - disse, referindo-se à campanha da filha do senador, Roseana Sarney, que, em 2006, disputou - e perdeu - o governo do Maranhão.
Na prestação de contas de Roseana - que assumiu o governo com a cassação de Jackson Lago (PDT), acusado de compra de votos - há cinco notas da Job Eventos, de publicidade por meio de carros de som.
Ela gastou R$ 520 mil nesse tipo de propaganda. No total, segundo o TSE, a campanha de Roseana custou R$ 6,935 milhões. Cavalcanti disse que a candidata alugou carros pequenos, caminhonetes.
O GLOBO perguntou de novo se ele prestara serviços à campanha de Sarney. E a resposta, pela segunda vez, foi:
O Ministério Público Federal pediu à Justiça Federal de São Luís (MA) cópia de gravações e trechos dos inquéritos da Operação Boi Barrica em que aparece o nome do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
A partir daí, a procuradora da República Luciana Martins deverá decidir se transfere as investigações sobre os atos secretos do Senado para a Procuradoria Geral e para o Supremo Tribunal Federal.
Neste caso, Sarney passaria ao centro das investigações sobre nomeações, demissões e concessões de benefícios mantidos em segredo pelo ex-diretor-geral Agaciel Maia.
A perspectiva da impunidade é, para especialistas, uma das principais razões para que políticos brasileiros façam uso, com tanta desenvoltura, de bens públicos como se fossem privados. Segundo o professor titular de Filosofia e Ética da Unicamp, Roberto Romano, a prática vem da formação do Estado brasileiro, construído sob o sistema absolutista, onde não existe separação do "tesouro do rei do tesouro público".
- Os nossos políticos se consideram pequenos nobres. Sobretudo os capitães de oligarquias, que agem como se fossem proprietários da coisa pública - afirma Romano.
O cientista político David Fleischer, da UnB, considerou a conversa entre o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e seu filho Fernando Sarney, gravada pela Polícia Federal, muito grave.
Para ele, prova a falta de decoro parlamentar cometida pelo senador.
- Essa conversa evidencia que eles acham que o Brasil é deles. Pensam assim: "Vamos usar nosso poder e influência para manipular a máquina federal em favor da família, dos amigos. Vou fazer com essa propriedade o que quiser" - diz Fleischer, ressaltando que a confusão entre público e privado é comum não só em nível federal, mas também no estadual e municipal.
Segundo gravação, o Presidente do Senado avisou que o filho estava sendo investigado
Num dos diálogos gravados pela Polícia Federal (PF) durante a Operação Boi Barrica, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), telefona para avisar o filho Fernando Sarney sobre o andamento de um dos recursos apresentados pelos advogados da família ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para ter acesso aos autos da investigação. O parlamentar orienta o filho a procurar um "amigo", que poderia ajudar. Em várias conversas interceptadas pela PF com autorização judicial, os Sarney demonstram intimidade com integrantes do Poder Judiciário.
Escute o áudio
Transcrição do áudio:
"O processo foi distribuído, o novo, para o Gallotti (ministro Paulo Gallotti, então relator do processo)", diz Sarney a Fernando. Em seguida, o pai manda que o filho procure o tal "amigo" para tratar do assunto: "Se pudesse falar com o teu amigo pra dar uma palavrinha, tá?" Precavido, o filho sugere um encontro pessoal. "É, mas isso eu tenho que fazer pessoalmente. Pegar um avião e ir aí (a Brasília) segunda, né?" Sarney manda Fernando resolver por telefone mesmo.
A conversa ocorreu em 28 de março de 2008. Na data, um dos advogados da família, Eduardo Ferrão, dera entrada, no STJ, com o segundo recurso para tentar ter acesso ao inquérito que deu origem à Operação Boi Barrica. Obteve êxito. Em 9 de abril, o ministro Paulo Gallotti, hoje aposentado, concedeu liminar que deu ao advogado direito de vista de um dos inquéritos da operação.
Não foi só uma vez que Sarney apareceu nos telefonemas tratando da investigação. Em pelo menos três diálogos, ele demonstra preocupação com o inquérito. Em agosto, quando a PF e o Ministério Público (MP) levaram à Justiça Federal do Maranhão o pedido de prisão de Fernando, o monitoramento revelou movimentos dos Sarney que, para investigadores, demonstram que foram alertados. Num dos diálogos, o próprio Sarney pediu a Fernando que viajasse, com urgência, a Brasília. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
O namorado da neta de Sarney foi contratado após pedido dela ao pai, Fernado Sarney, que é filho do presidente do Senado, José Sarney. As gravações foram divulgadas pelo jornal Estado de São Paulo.
Gravações aumentam a pressão sobre o presidente do Senado. As conversas ligam o senador José Sarney à contratação do namorado de uma neta dele por meio de um ato secreto.
Veja a reportagem
As conversas foram publicadas nesta quarta-feira pelo jornal O Estado de São Paulo. São gravações feitas pela Polícia Federal com autorização judicial, durante uma investigação contra Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney.
Os diálogos mostram intimidade da família Sarney com o ex-diretor Agaciel Maia, que chegou ao cargo nomeado por José Sarney e foi afastado sob acusação de irregularidades. Segundo o jornal, as conversas ocorreram entre março e abril do ano passado, quando Sarney não era presidente do Senado.
Maria Beatriz fala com o pai, Fernando Sarney, pedindo ajuda para empregar o namorado na vaga deixada pelo irmão no Senado.
- Maria Beatriz Sarney: Pai, deixa eu te perguntar uma coisa. Meu irmão saiu do Senado, né? Vai sair a exoneração dele amanhã. Aí você acha que dá pro Henrique entrar na vaga dele ou não? - Fernando Sarney: Dá sim, mas amanhã de manhã cedo você tem que me ligar, pra eu falar com o Agaciel.
E agaciel maia, o diretor-geral na época, foi acionado imediatamente.
- Maria Beatriz Sarney: Pai? - Fernando Sarney: E aí, meu bem? Já falei com o Agaciel. Peça ao Bernardo pra procurar o Agaciel e eu vou falar com o papai ou eu mesmo com o Garibaldi amanhã aí em Brasília, quando eu for, amanhã ou depois, pessoalmente, que é o único jeito de resolver. E aí se for o caso, pra ele já levar tudo do Henrique, já dizer: "a pessoa que o Fernando quer botar é essa aqui".
Beatriz recorre ao avô José Sarney. E no outro dia conta para o pai que Sarney reclamou porque ainda não sabia de nada.
- Maria Beatriz Sarney: (...) Falei com o vovô, né? - Fernando Sarney: Sim. - Maria Beatriz Sarney: Aí ele falou assim: "ah!, mas você tinha que ter falado antes, pra eu já agilizar".
No dia dois de abril, Fernando Sarney liga para um assessor do pai. E pede que relembre a Sarney sobre a ajuda que faltava: um telefonema para Agaciel. E trata a vaga como propriedade da família.
- Fernando Sarney: O irmão da Bia, quando papai era presidente do Senado, eu arrumei emprego pra ele lá. - Assessor: Sei. - Fernando Sarney: Ele agora tá saindo, eu liguei pro Agaciel pra ver a possibilidade de botar o namorado da Bia lá. Porque me ajuda, uma forma e tal de dar uma força para mim. E o irmão tá saindo, é uma vaga que podia ser nossa.
Em menos de uma hora, Sarney liga para o filho. E se dispõe a ajudar.
- José Sarney: Olha, você não tinha me falado o negócio da Bia. - Fernando Sarney: Ela falou comigo sexta-feira. - José Sarney: Mas ele (Bernardo) entrou logo com o pedido de demissão. - Fernando Sarney: Eu falei com o Agaciel. - José Sarney: Já falou com o Agaciel? - Fernando Sarney: Falei, falei. Pedi pro Agaciel segurar com ele. Agaciel tá com os dois currículos na mão dele, tá com tudo lá. - José Sarney: Tá bom. Eu vou falar com ele. - Fernando Sarney: Pra prevenir. É só isso aí, o que eu queria. Que desse uma palavrinha com ele.
E funcionou. Oito dias depois, o namorado da neta de Sarney foi nomeado, e continua até hoje no cargo. A nomeação foi por ato secreto, com assinatura de Agaciel, passando por cima da autoridade de quem presidia o Senado.
“Tenho conhecimento agora que essa nomeação não foi assinada por mim, foi assinada pelo diretor geral e não foi publicada", disse o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN).
Apesar de oficialmente Sarney ter anulado os atos secretos, até agora ninguém foi demitido. A área jurídica do senado está estudando caso a caso. Mesmo em recesso, senadores da oposição voltaram a defender o afastamento de Sarney.
O líder do PSDB, Arthur Virgílio, pediu ao Ministério Público que investigue Fernando Sarney e Agaciel Maia. E apresentou mais uma denúncia contra Sarney no conselho de ética. “O presidente Sarney também faltou com a verdade, porque havia negado tudo isso antes. Então, caracterizou-se, outra vez, a quebra de decoro”, disse.
Apesar de não existir no regimento, Cristóvam Buarque (PDT-DF) quer um plebiscito entre os senadores para decidir sobre o afastamento do presidente do Senado. “Deveriam ter clareza de dizer ao presidente Sarney: ‘presidente, ta na hora do senhor deixar a presidência dessa casa’”, disse Buarque.
O advogado de defesa da família Sarney, Eduardo Ferrão, divulgou nota. Disse que as conversas são estritamente privadas e sem conotação de ilicitudes. Segundo ele, o inquérito, de onde foram retirados os diálogos, corre em segredo de Justiça. E a sua divulgação constitui conduta criminosa. Segundo a nota, é um flagrante e inaceitável atentado às garantias constitucionais.
Trata-se, ainda, da divulgação mutilada de trechos de longas conversas telefônicas, que não revelam a prática de qualquer ilícito. E que medidas legais para preservação dos direitos de Fernando Sarney e responsabilização dos infratores serão tomadas.
A direção do Estado de São Paulo declarou que a reportagem não alterou nenhuma gravação publicada pelo jornal. (Do Jornal Nacional / Rede Globo)
O que mais falta para que José Sarney (PMDB-AP) peça as contas e renuncie à presidência do Senado?
Ele disse que nomeou Agaciel Maia para o cargo de diretor-geral do Senado, mas que o manteve ali depois a pedido de colegas.
Deve ser verdade. Mas também é verdade que manteve Agaciel no cargo porque ele lhe fazia todas as vontades - e, sabe-se agora - as vontades do clã Sarney.
Não faz sentido, pois, dividir com outros senadores a responsabilidade - ou culpa - pelo reinado de 15 anos de Agaciel. Ele, Sarney, é o principal responsável. Ou culpado.
Sarney disse que nunca ouvira falar em "atos secretos", e que eles não existiam.
Resta provado que os "atos secretos existiram", sim. E que alguns deles serviram para nomear parentes e afilhados políticos do senador. Uma verdadeira esbórnia.
Sarney, pois, mentiu. E não foi a única vez que mentiu.
Mentiu diante dos seus pares ao dizer que não tinha nenhuma ingerência administrativa sobre a Fundação José Sarney, encarregada de zelar por objetos e documentos do seu período como presidente da República.
Os estatutos da Fundação revelam que Sarney é seu presidente vitalício, presidente do Conselho Curador e com poderes para vetar qualquer decisão tomada ali dentro.
É ele que assina contratos pela fundação, ele que a representa diante de terceiros.
Mentir para seus pares é quebra de decoro parlamentar. É motivo mais do que suficiente para ser processado e perder o mandato.
A casa onde Sarney mora em Brasília foi palco de encontros do filho dele, o empresário Fernando Sarney, com diretores da Caixa Econômica e empresários interessados em fazer negócios com a Caixa.
Uma boa soma de dinheiro apareceu depois depositada na conta do filho.
O pai limitou-se a dizer que não tomou conhecimento dos encontros.
Basta ou ainda é preciso alinhavar outras razões que já teriam forçado a saída de cena de qualquer pessoa com um mínimo de decência?
Esse não parece ser o caso do senador Sarney.
Não foi para atender a uma convocação do partido que Sarney decidiu disputar pela terceira vez em 19 anos a presidência do Senado.
Ele tinha duas razões particulares para isso: usar a força do cargo para apressar a cassação do mandato do governador Jackson Lago, no Maranhão, e a volta ao governo de sua filha Roseana. E salvar seu filho Fernando de investigações da Polícia Federal.
Fernando é acusado de lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos, formação de quadrilha e intermediação de negócios sujos.
Lago foi cassado. Roseana governa o Maranhão outra vez. Fernando está cada vez mais encrencado.
Sarney fez um governo desastroso quando presidiu o país. Mas saiu do Palácio do Planalto com a justa fama de ter contribuído para a transição entre a ditadura e a democracia.
Passou a ser tratado com respeito. Até que... Até que pôs tudo a perder.
Foram cinco sete telefonemas trocados por Fernando Sarney, empresário, filho do senador José Sarney (PMDB-AP), com sua filha Maria Beatriz, que pede um emprego no Senado para o namorado dela; com o pai; e com outro filho dele, funcionário do gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA).
No telefonema ao filho Fernando, para tratar da nomeação do namorado da neta no Senado, o senador José Sarney (PMDB-AP) aproveita para dar uma boa notícia ao primogênito, encarregado de tocar os negócios da família.
O senador diz a Fernando que tinha acabado de ser assinada, no Ministério das Comunicações, a outorga de mais uma repetidora da TV Mirante, a rede de televisão dos Sarney no Maranhão. "Ontem foi assinado o negócio da TV de Estreito, a repetidora", diz Sarney.
Fernando primeiro comemora. "Beleza, ótimo! Isso é uma boa notícia", diz o empresário. E, logo depois, agradece. "Ótima notícia, tá, paizão, obrigado."
O telefonema se deu no dia 2 de abril de 2008.
Na mesma data, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, do PMDB de Sarney, assinou a portaria 145, que autorizou a TV Mirante a "executar o Serviço de Retransmissão de Televisão (...) no município de Estreito, Estado do Maranhão".
A tramitação do processo no ministério durou pouco mais de um ano. Teve início em 29 de março de 2007.
Em conversa com o pai, neto de Sarney admite que, embora estivesse na folha de pagamento da Casa, não costumava aparecer para trabalhar
De Rodrigo Rangel:
Parte dos diálogos gravados pela Polícia Federal mostra que, em privado, integrantes da família Sarney faziam troça das benesses que tinham no Senado.
Numa conversa com o pai, Fernando Sarney, o estudante João Fernando Michels Gonçalves Sarney admite que, embora estivesse pendurado na folha de pagamento do Senado como funcionário do gabinete de Epitácio Cafeteira (PTB-MA), não costumava aparecer para trabalhar.
Às gargalhadas, João conta ao pai que foi chamado por Cafeteira no gabinete para uma conversa. "Fui lá achando que era alguma coisa importante (...) e ele falou: ?Não, pô, eu só queria te ver."
Filho de Fernando Sarney com a ex-candidata a Miss Brasília Rosângela Terezinha Michels, João, 22 anos, foi nomeado assessor de Cafeteira em 1º de fevereiro de 2007.
Ficou no cargo, que lhe rendia salário mensal de R$ 7,6 mil, até 3 de outubro do ano passado. Foi exonerado por força da súmula do Supremo Tribunal Federal que proibiu o nepotismo no serviço público.
Como revelou o Estado no mês passado, a exoneração se deu por ato secreto, para não chamar atenção. Para o lugar do estudante, foi nomeada a mãe dele.
Na conversa gravada pela PF em 25 de março de 2008, Fernando diz ao filho, que mora em Brasília, que tinha passado pela cidade naquele dia, em escala rumo a São Paulo.
João aproveita para contar a conversa com Cafeteira. "Depois eu te conto o que o senador me aprontou", diz, em tom de galhofa. "Tu ligou pra ele e perguntou se eu tava indo trabalhar, não foi?", pergunta ao pai.
Em conversa com o filho, ele se compromete a falar com Agaciel e sacramenta nomeação de namorado da neta
De Rodrigo Rangel:
Uma sequencia de diálogos gravados pela Polícia Federal com autorização judicial, durante a Operação Boi Barrica, revela a prática de nepotismo explícito pela família Sarney no Senado e amarra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), ao ex-diretor-geral Agaciel Maia na prestação de favores concedidos por meio de atos secretos.
Em uma das conversas, o empresário Fernando Sarney, filho do parlamentar, diz à filha, Maria Beatriz Sarney, que mandou Agaciel reservar uma vaga para o namorado dela, Henrique Dias Bernardes.
Em conversa com o filho, alvo da investigação, Sarney caiu na interceptação. Segundo a gravação, o senador se compromete a falar com Agaciel para sacramentar a nomeação. O namorado da neta foi nomeado oito dias depois, por ato secreto.
Segundo a PF, a mobilização da família começa na tarde de 30 de março de 2008, quando a neta do senador liga para o pai, indagando se não dava "pro Henrique (seu namorado) entrar na vaga".
Bernardo Brandão Cavalcanti Gomes, irmão de Bia por parte de mãe, acabara de pedir demissão do Senado, onde estava desde 2003. "Podemos trabalhar isso, sim", respondeu Fernando à filha. Já na primeira conversa, Fernando demonstra conhecer o caminho para efetivar a nomeação. "Amanhã de manhã cedo tu tem que me ligar, pra eu falar com Agaciel", diz.
Referia-se a Agaciel Maia, o então todo-poderoso diretor-geral do Senado, alçado ao posto em 1995 pelas mãos de José Sarney, em sua primeira passagem pela presidência da Casa.
No diálogo, pai e filha tratam da vaga como se fosse propriedade da família. Fernando cumpre o prometido.
No dia seguinte, diz: "Já falei com o Agaciel. Peça ao Bernardo pra procurar o Agaciel." E passa a relatar a conversa com o diretor-geral. "Eu disse: mas pelo menos, ô Agaciel, segura a vaga."
Segundo Fernando, Agaciel lhe pediu que conversasse sobre o assunto com Sarney, porque a nomeação dependia, formalmente, da chancela de Garibaldi Alves (PMDB-RN), à época presidente do Senado.
"Eu vou falar com o papai ou mesmo com o Garibaldi amanhã aí em Brasília, quando eu for, amanhã ou depois, pessoalmente, porque é o único jeito de resolver."
Fernando finaliza o telefonema dando uma orientação à filha - ao pedir para levarem a Agaciel o currículo do namorado de Bia, ele pede para informar: "Ó, a pessoa que o Fernando quer botar é essa aqui."
Foram quatro dias de troca de telefonemas até o assunto ser resolvido.
No terceiro dia, Bia liga para Fernando. Diz que o irmão, de saída do Senado, já tinha ido até Agaciel, conforme orientação do pai. O ex-diretor não ficara com o currículo do namorado, repetindo o discurso de que era preciso, primeiro, autorização de Garibaldi.
Reinaldo Azevedo, articulista da Veja e dono de um dos blogs mais lidos do país, fez o seguinte comentário acerca da citação de Sarney sobre Sêneca, quando tentava definir uma linha de defesa, a essa altura impossível. Vejamos:
"Sarney fez ontem um discurso em defesa de… Sarney e citou Sêneca… Sêneca é? … Sêneca foi preceptor de Nero e acabou caindo em desgraça. Entrou numa banheira de água morna e cortou os pulsos. Sarney não precisa exagerar: a renúncia já estaria de bom tamanho".
Clovis Rossi, colega de página de Sarney às sextas feiras na Folha de São Paulo escreveu sobre o mesmo assunto, no último domingo: o funcionário público de qualquer calibre tem marcada na alma a certeza de que deve explicações ao público, mesmo quando o público não as esteja pedindo. É essa consciência, indispensável à construção da República, que o senador José Sarney demonstra não possuir, ao recorrer a uma frase de Sêneca para calar-se. Essa história de combater o que chama de "injustiça" com "o silêncio, a paciência e o tempo" não passa de fuga às suas responsabilidades e de traição ao conceito de "accountability" que ele, como funcionário público da mais alta graduação, deveria ser o primeiro a defender.
De quebra, Sarney refugia-se na velhíssima e fajutíssima tese de perseguição da mídia. Não, senador, é perseguição dos fatos, e enquanto eles não forem total e definitivamente explicados, continuarão a persegui-lo, no Maranhão, em Brasília, onde for... O caso de Sarney é mais grave porque tem um espaço semanal, aqui ao lado, em que poderia dar todas as explicações sem ser interrompido por perguntas. Prefere mudar de assunto. Sempre".
A lição de Sêneca para as agruras do oligarca são: Silêncio, Tempo e Paciência. A primeira: silêncio, porque nada pode ser dito em sua defesa. Nada poderá explicar os desvios de conduta que levaram a tantas denúncias fundadas e objetivas. E todas consistentes, como diz o Senador Agripino Maia do DEM. Assim é melhor silenciar, fazer cara de paisagem e tentar sair de fininho. Mesmo porque essa oportunidade ele já teve e jogou fora com dissimulações e mentiras que não conseguiam resistir a mais ligeira análise. Interpretação coerente fez sua neta, quando definiu a questão que lhe interessava: o cargo do Senado é da família e portanto era legítimo aboletar o namorado nele.
A segunda: Tempo, porque esperam que aconteça um escândalo maior do que o dele e a imprensa corra para o novo e o esqueça. O Estado de São Paulo analisa essa pretensão em recente editorial, colocando uma pá de cal em tal raciocínio. Diz que o escândalo de Sarney é grande demais para ser esquecido e que a imprensa pode tratar muito bem de dois fatos simultaneamente com a mesma objetividade. É, Sarney, está difícil…
A terceira e última é a Paciência: Realmente, esta é a única maneira de tentar assimilar em seu íntimo essa imagem nova e definitiva com que os brasileiros de todo os recantos estão vendo o ex-presidente da República. Paciência com a tragédia pessoal que é ver que o sonho de deixar uma imagem de estadista e benfeitor do país esvaindo-se pelo ralo da história.
Porém, um motivo muito forte dá forças a Sarney para suportar tanta humilhação. Ele disse a amigos que tentaram evitar que concoresse a Presidente do Senado, oferecendo-lhe a Presidência da ABL, que não poderia aceitar, pois estaria condenado a ser politico pelas circunstâncias da vida. Isso foi interpretado como o único caminho para defender os filhos dos inquéritos da Polícia Federal. Hoje ele viu que a maneira como chegou à presidência do Senado em nada o ajudou nessa missão. Ele é escravo das circunstâncias. Deve pensar que uma saída agora da Presidencia de um dos poderes da República vai deixar ainda mais frágil toda a família, que já estão em apuros com a justiça. Daí a verdadeira imolação a que se submete... Certamente as denúncias poderiam sair do foco da imprensa se renunciasse. Mas não pode. Que sina!!!
Roseana Sarney, por seu turno, tenta emergir no meio de tanto desalento e dar ânimo à combalida tropa que lhe cerca no governo biônico. Só um estado tão grande de fraqueza política explica dar aumentos salariais a uma parte do funcionalismo. Sim, pois nos 8 anos que ocupou o governo anteriormente não deu aumento para ninguém... Roseana sabe que no meu governo demos aumentos reais ao funcionalismo, mas ela como é próprio da família se esforça a dizer o contrário. E a coisa mais engraçada é ela dizer que equilibrou financeiramente o estado em um mês. Ela não tem noção do que diz pois na verdade nunca houve equilibriu fiscal no seu governo anterior como pode facilmente ser checado na Secretaria do Tesouro Nacional. Ela tenta dizer o contrário irresponsavelmente, mas está precisando ler entrevista do seu Secretário de Planejamento a O Imparcial onde ele coloca de maneira correta o que se passa com as finanças do estado e o que aconteceu nos governos de Jackson e no meu.
O que ela precisa ver e corrigir se tiver pulso, é o que está acontecendo na sua Secretaria de Saúde... Eu compreendo que o nome de Ricardo Murad foi-lhe imposto goela abaixo pelo próprio Ricardo. Mas isso não justifica a falta de controle sob os seus atos. Quando acordar vai ser tarde…
Foi muito notada a ausencia de José Sarney na marcha dos prefeitos ao lado de Lula, muito diferente do ano passado. Porque será?
Já notaram que a coluna do Elio Gaspari sumiu das páginas do jornal da oligarquia depois que ele escreveu que Fernando Sarney era caso de regressão merecendo estudo de Darwin? Nem Lula aquenta Sarney!
Por fim Veja anunciou no seu último número: Não caiu bem no eleitorado o apoio dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente do Senado, José Sarney, acusado de comandar uma central secreta de nepotismo e favorecimento a apadrinhados. Um indicador do desgaste de Lula é uma pesquisa telefônica feita em São Paulo pelo Ipespe. O levantamento revela que 82% dos entrevistados conhecem as denúncias que pesam sobre Sarney, 79% acreditam que ele deveria deixar o cargo enquanto os fatos são apurados e 71% dizem que Lula errou ao defender o presidente do Senado.
Um dos petistas que defendiam o apoio a José Sarney (PMDB-AP) na bancada decreta: no segundo semestre, não se deve esperar novos gestos de Lula ou do PT em defesa do presidente do Senado. "Daqui para a frente, os fatos têm de ajudar", diz.
Beneficiado pelo recesso parlamentar, o presidente do Senado, José Sarney, pode pelo menos usufruir um curto período de relativo descanso. Mas tudo dependerá do noticiário sobre as mazelas, que parecem sem fim, verificadas na administração da Casa a partir da nomeação do diretor-geral Agaciel Maia pelo senador, em 1995.
Se o Senado pode deixar de ser por uns dias fonte de tensão para Sarney, o clã maranhense continua, porém, em evidência, por causa da Operação Boi Barrica, lançada em 2006 pela Polícia Federal para investigar o uso de dinheiro ilegal por Fernando Sarney na campanha ao governo do Maranhão de sua irmã, Roseana.
As investigações levaram a PF a indiciar Fernando - que, em São Luís, administra as empresas da família - e a mulher, Teresa, por formação de quadrilha, falsidade ideológica, tráfico de influência e crime contra o sistema financeiro.
O que chama a atenção no trabalho da PF é que ele traça um enredo exemplar de como a política pode ser usada para instalar balcões de negócios ilícitos em estatais e repartições da administração direta.
Fernando, segundo a PF, acionou altos funcionários nomeados por indicação do pai, José Sarney, para facilitar o fechamento de negócios. Um deles, mapeado pelos policiais, teria sido o motivo de uma reunião em Brasília, na casa do senador, entre Fernando, diretores da incorporadora Abyara e o vice-presidente de Pessoa Física da Caixa Econômica Federal, Fábio Lenza.
Em uma das conversas telefônicas gravadas pela PF, é dito a Fernando Sarney que a incorporadora desejava uma "recomendação" na CEF. Pelo jeito, bem encaminhada por ele. Há, ainda, um outro vice-presidente da CEF, Jorge Hereda, citado no inquérito por ter supostamente participado de uma reunião com diretores da incorporadora em São Paulo.
O estilo das incursões de Fernando Sarney por Brasília e São Paulo mistura política com negociatas, sempre azeitadas por comissões bancadas pelo Tesouro, financiadas por meio de preços superfaturados. Ajuda, ainda, a entender como agem o PMDB fisiológico e outros partidos interessados em fazer nomeações para cargos onde haja dinheiro por perto. Esta operação da PF pode servir para indicar tudo aquilo que o país precisa eliminar nos usos e costumes da vida pública.
Numa situação inusitada, e considerada irregular pela Justiça do Distrito Federal, uma empresa da qual é sócio o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), move ação por usucapião contra ele próprio.
O processo tem como objetivo legalizar terras para abrigar um condomínio de luxo nos arredores de Brasília. A propriedade é parte do sítio São José do Pericumã, que serviu de cenário para importantes decisões no período em que Sarney era presidente da República.
Sarney comprou a fazenda nos anos 80 e a vendeu, em 2002, para a Divitex Pericumã Empreendimentos Imobiliários, empresa na qual o senador passou a ter 10% das ações.
Como não tinha o registro de toda a área ocupada por ele, de 146 hectares (ou 146 campos de futebol) e sem a documentação o condomínio não poderá sair do papel, a Divitex recorreu ao instrumento do usucapião, com consentimento de Sarney.
A Justiça deve extinguir o processo. "O usucapião (...) pressupõe a inexistência de relação jurídica de direito material entre o usucapiente (Divitex) e o usucapido (Sarney)", disse a juíza substituta Fabriziane Stellet, ao recusar o pedido e pedir explicações.
Falando em tese, o juiz titular do caso, Carlos Eduardo Batista dos Santos, disse que, "se houve contrato de compra e venda, jamais se pode pedir usucapião da área".
No processo, a Divitex não informa ter adquirido as terras de Sarney nem o valor da compra. O lucro obtido com a venda do Pericumã foi a justificativa dada por Sarney para a existência de R$ 2,2 milhões em uma conta bancária dele no Banco Santos -sacados na véspera de a instituição quebrar, em 2004.
Comentário do Blog- Todos os negócios de Sarney são enrrolados como esse. Como pode isso acontecer onde existe seriedade? Devem pensar que tudo dele deve ser aprovado , mesmo que eivado de erros e omissões. Desta vez ultrapassaram todos os limites…
Diz a sabedoria popular que uma mentira repetida mil vezes acaba se tornando verdade. No Maranhão, costuma-se repetir com insistência que José Sarney derrotou Vitorino Freire. Trata-se de uma afirmação que não condiz com a verdade. Nunca houve entre os dois um combate direto e definitivo. Algo que justificasse a tese da vitória de um sobre o outro.
Narrarei aqui fatos históricos que apontam que o correto seria dizer que José Sarney apenas substituiu Vitorino Freire no comando da atrasada política maranhense. E substituir, mesmo que a contragosto do substituído, é muito diferente de derrotar.
Primeiro é preciso ficar claro que Sarney é um produto do chamado vitorinismo. Ele começou na política maranhense protegido pelo pai, o desembargador Sarney Costa, amigo de Vitorino Freire e presidente do TRE, num período em que as eleições no Maranhão eram marcadas por enormes fraudes eleitorais, montados para ajudar os candidatos do vitorinismo.
Em 1965 Sarney se elege governador do Maranhão iniciando ali a construção do seu próprio esquema de poder. Disputaram o governo naquela eleição três candidatos. Todos nascidos dentro PSD, isto é, no esquema vitorinista. Coincidentemente, nenhum dos três foi lançado pelo próprio Vitorino Freire, que chegou naquela eleição politicamente fraco, rompido com o então governador Newton Belo e sem o controle do PSD, o partido que simbolizava o seu poder no Maranhão.
Os concorrentes de Sarney naquela eleição foram Renato Archer e Costa Rodrigues. Sem força para lançar um candidato de sua confiança, Vitorino acabou, por exclusão e sem entusiasmo, apoiando Renato. Um apoio que visava mais atrapalhar a candidatura de Costa Rodrigues (lançada por Newton Belo) do que propriamente ajudar Renato Archer a ganhar a eleição. Newton e Vitorino travaram ali uma grande batalha pelo controle do PSD. Ao final não houve vencedor e o PSD ficou impedido de participar da eleição de 65, com Vitorino e Newton tendo que procurar outros partidos para poder participar daquele pleito.
As chamadas “Oposições Coligadas”, grupo que reunia os adversários históricos de Vitorino, tinham no deputado federal Neiva Moreira uma opção para aquela disputa ao governo. Mas Neiva foi cassado pela ditadura e teve que ir para o exílio. Diante da falta de alternativa a oposição decidiu apoiar Sarney, que havia sido um dos primeiros a brigar com o governador Newton Belo. Para que o apoio a Sarney fosse formalizado tiveram que ser superadas sérias divergências do passado, quando Sarney foi publicamente acusado por essa mesma oposição de ser beneficiado pela fraude eleitoral orquestrada por seu pai.
Mas as “Oposições Coligadas” serviram para Sarney apenas como moldura. Ele ganhou aquela eleição de 1965 por conta do esfacelamento do PSD e, principalmente, do apoio que recebeu da ditadura militar instalada no Brasil no ano anterior. Foi a ditadura que determinou a vitória dele. Durante a campanha vieram vários generais e coronéis ao Maranhão a fim de garantir sua eleição. Até o acordo com a aposição maranhense foi articulado pelos militares golpistas.
E se quem ganhou foi Sarney, quem perdeu foi o governador Newton Belo, que teve contra si na campanha Vitorino Freire e Sarney, seus antigos aliados. No início da gestão de Newton Belo, Sarney tinha cargos no governo, inclusive uma irmã, Conceição Sarney, que era da assessoria direta do governador. Newton Belo pagou um preço alto por suas posições e por ter isolado Vitorino Freire. Pressionado pela ditadura militar ele viu, ao final, as candidaturas de Sarney e Renato Archer trabalhando em sintonia contra Costa Rodrigues. Perdida a eleição ele acabou cassado pela ditadura, fato que agradou tanto a Sarney, quanto Vitorino.
Benedito Buzar, um jornalista muito ligado ao esquema Sarney, em seu livro O vitorinismo, destaca que o deputado federal Cid Carvalho, ao lançar a candidatura de Renato ao governo disse na TV que “as candidaturas de Renato Archer e Sarney abrem, pela primeira vez ao povo maranhense, uma perspectiva real de escolha”. Um declaração despropositada se for levado em consideração que os três candidatos tinham exatamente a mesma origem, que por sinal, era também a mesma de Cid Carvalho, o PSD vitorinista.
E o próprio Vitorino, em seu livro de memórias (A laje da raposa) diz com todas as letras que apoiou Renato sabendo que essa candidatura não venceria, servindo apenas para atrapalhar o candidato de Newton Belo e garantir a vitória de Sarney. No livro ele diz explicitamente que preferia Sarney “do que qualquer um dos outros dois (Renato ou Costa Rodrigues)”.
São fatos que reforçam a tese, defendida na dissertação de mestrado do historiador maranhense Wagner Cabral, quando ele defende que o que houve no Maranhão a partir de 1966 foi uma reestruturação do sistema oligárquico e não uma descontinuidade na política maranhense a partir da posse de Sarney.
Juntos até a morte - No final de 1965, com Sarney já eleito governador, a ditadura militar extingue todos os partidos políticos do Brasil, criando em seguida duas novas siglas partidárias, a ARENA, para receber os aliados da ditadura, e o MDB, para os que queriam fazer uma oposição moderada e consentida.
Sarney vai, obviamente, para a ARENA. E Vitorino Freire, ainda senador, também. No momento em que Sarney começa a substituir Vitorino no Maranhão, os dois, o antecessor e o substituto, voltaram a ser correligionários como nos velhos tempos do PSD, quando Vitorino arranjou para Sarney um dos primeiros empregos de sua vida, como assessor do governo de Eugênio Barros. Apesar dessa nova aproximação partidária (que durou mais de 11 anos, até a morte de Vitorino) surgiu depois uma inimizade entre eles. Mas antes, quando Sarney tomou posse como governador, Vitorino não lhe hostilizou. Em seu livro de memórias ele diz que logo após a posse de Sarney ele não fez “nenhum ataque ao novo governador”, deixando claro que queria continuar a manter com o eleito uma relação cordial.
Ainda em 1966, no primeiro ano do governo Sarney, Vitorino Freire, ainda senador, dá uma entrevista ao jornal Diário de Notícia e diz que não negaria “sua colaboração ao governo em matéria de interesse público”.
Sarney, tendo linha direta com o ditador de plantão e sendo também o governador, achou, assim como seu antecessor Newton Belo, que não precisava, naquele momento, do decadente Vitorino. Era mais conveniente fazer o discurso da mudança e montar as bases que lhe permitiriam ocupar o espaço que estava vago no comando da política estadual.
No final da década de 60, Vitorino não disputa a reeleição para o Senado. Estava inteiramente desarticulado de suas antigas bases no Maranhão (desarticulação feita pelo ex-governador Newton Belo) e sem força suficiente para, naquele momento, fazer valer sua vontade junto à ditadura. A partir dali, mesmo sem mandato, continuou a fazer política como membro do diretório nacional da ARENA, diretório esse que Sarney também fez parte.
Sobre a inimizade entre os dois se percebe, no depoimento publicado no livro de memórias de Vitorino Freire, que ele não assimilou o discurso de mudança utilizado por Sarney. Além da retórica demagógica, uma tentativa frustrada de Sarney de tira-lo do diretório nacional deu um ponto final na relação.
Em meados da década de 70, já com a inimizade estabelecida entre os dois, surge uma nova conjuntura. Nela Vitorino estava, em relação aos anos 60, mais forte dentro da ARENA pois tinha mais proximidade com o então presidente Geisel do que com o ex-presidente Castelo Branco, o primeiro após o golpe.
Sarney, exercendo ali seu primeiro mandato de senador, aceita fazer dentro da ARENA um acordo com Vitorino em torno da escolha do futuro governador do Maranhão a ser indicado pela ditadura. E nesse momento foi Vitorino que não quis conversa. O general Ernesto Geisel, que era o presidente da época, concedeu uma entrevista nos anos 90 a dois pesquisadores da FGV (Maria Celina D‘Araújo e Celso Castro). Publicada num livro que levou o nome do ex-presidente ele conta, nessa entrevista, fatos da política maranhense dos anos 70. Diz que Sarney e Vitorino eram irreconciliáveis, afirmando também que “Vitorino dizia desaforos de todo jeito sobre o Sarney”.
E os fatos mostram que não era só o presidente da república que conhecia os ataques de Vitorino a Sarney. Em 1977, já no final de sua vida e ainda membro da ARENA, o ex-senador do Maranhão disse para a revista Veja na edição de 12 de janeiro daquele ano que “Sarney furta até cinzeiro de avião”.
E assim, fortalecido dentro da ARENA e falando grosso diante do presidente da república, Vitorino ainda conseguiu influenciar na escolha de um governador do Maranhão nos anos 70 (Nunes Freire) e deixou o seu filho, Luís Fernando, um apagado ex-deputado federal do PSD, com um mandato de senador do Maranhão até o ano de 1982, portanto, cinco anos depois de sua morte. E tudo articulado nos altos escalões da ditadura, a revelia de Sarney, o homem que, de fato, havia lhe substituído no Maranhão.
Na eleição de 1974 Vitorino colocou seu filho como suplente de Henrique de La Roque, que disputou sozinho a eleição daquele ano para o Senado. Os militares, com base num acordo feito com Vitorino, chamaram La Roque para assumir uma vaga no Tribunal de Conta da União, deixando o caminho livre para o filho do velho cacique.
Vitorino morreu em agosto de 1977 filiado a ARENA, o esteio do esquema Sarney no Maranhão. Sua morte deu fim a uma vida pública onde, com ou sem mandato, esteve próximo ao poder central do país. Uma proximidade que durou cinco décadas e que amparou sua vinda ao Maranhão nos anos 30 e depois nos anos 40.
A partir dos fatos fica claro que Sarney nasceu no vitorinismo se beneficiou dele a partir de cargos, do PSD, dos palanques e das articulações junto a Justiça Eleitoral. Depois, quando esse mesmo Sarney substitui Vitorino, o antigo chefe político também soube participar do poder no Maranhão. E sob os ares do sarneysmo, a partir da ditadura militar, a mesma que botou Sarney no poder, Vitorino também tirou grandes vantagens.
E assim se deu a substituição, com a decadência natural de um e o oportunismo e o despudor do outro. Sem o consentimento direto do substituído, mas com aproximações e afastamentos circunstanciais. E sem um confronto direto e definitivo. Enfim, sem uma batalha final que determinasse os vencidos e os vencedores.
Mas, juntos ou separados, Sarney e Vitorino sempre utilizaram o Maranhão para ter poder. Um nasceu em Pernambuco e veio para cá em busca desse poder. O outro nasceu aqui e depois foi se eleger no Amapá para continuar mantendo o poder que tem aqui. E lá se vão 60 anos, seis décadas, um período onde a população desse Estado foi, de fato, a grande derrotada, pois esteve sempre inteiramente desprezada pelo poder conquistado, tanto pelo primeiro, como pelo segundo coronel.
*Emílio Azevedo é jornalista com pós-graduação em políticas públicas
Não caiu bem no eleitorado o apoio dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente do Senado, José Sarney, acusado de comandar uma central secreta de nepotismo e favorecimento a apadrinhados. Um indicador do desgaste de Lula é uma pesquisa telefônica feita em São Paulo pelo Ipespe. O levantamento revela que 82% dos entrevistados conhecem as denúncias que pesam sobre Sarney, 79% acreditam que ele deveria deixar o cargo enquanto os fatos são apurados e 71% dizem que Lula errou ao defender o presidente do Senado.
Numa entrevista que concedera em fevereiro, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) vaticinara: “O Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão”.
Decorridos cinco meses, o senador acha que a realidade ultrapassou as suas previsões: “As coisas que afloraram são mais espantosas do que eu imaginava”.
Dissidente do PMDB, Jarbas acha que José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL), mandachuvas de seu partido, estão “debochando do Senado e do país”. E faz uma nova previsão:
“A presidência de Sarney não chega ao final”. Acha que a gestão do atual presidente do Senado “será abreviada por estrangulamento”.
Vai abaixo a entrevista que o senador concedeu ao blog:
- O recesso parlamentar vai atenuar a crise?
Não. A crise é muito grave. Não é coisa que arrefeça em duas semanas. Ao contrário. O azedume vai se acentuar. Quando recomeçarem os trabalhos, em 3 de agosto, a crise volta com toda a dureza.
- De onde vem essa convicção?
Vem dos fatos que ocorreram antes do início do recesso. Houve muito deboche. Esse deboche vai ser exasperado, atiçando os ânimos.
- A que deboche se refere?
Eu me refiro à representação governista, especialmente a do PMDB, no Conselho de Ética e à pessoa escolhida para presidir o colegiado [senador Paulo Duque].
- O que achou da escolha de Paulo Duque (PMDB-RJ) para presidir o conselho?
É parte do deboche. O fato de ele ser segundo suplente diz muito sobre o que se passa no Senado. É um homem limitado, figura inexpressiva. Não tinha atuação nenhuma no Senado. Demonstrou todo o seu despreparo na sessão de instalação da CPI da Petrobras. No Conselho de Ética será pior. Não há outra palavra para definir o quadro. É um deboche.
- Quem está por trás do deboche?
O Renan, mas não só ele. Essa composição do Conselho de Ética tem o beneplácito de Sarney. Se ele tivesse bom senso, teria evitado isso. Foge do razoável que o Sarney queira ser protegido dessa forma.
- Renan e Sarney debocham de quem?
Eles debocham do Senado e, por consequência, do país. Até onde vai esse deboche eu não sei.
- Em entrevista à Veja, o sr. dissera que Sarney transformaria o Senado num grande Maranhão. Achava que chegaria a tanto?
Não. Nunca imaginei que as denúncias fossem se avolumar nessa proporção. Imaginava que não iríamos progredir na reforma do Senado. Achava que a estrutura permaneceria a mesma, que teríamos de continuar aturando o Agaciel [Maia]. As coisas que afloraram são mais espantosas do que eu imaginava.
- Mantém as ressalvas que fazia ao PMDB?
Minhas ressalvas se agravaram. Os atos praticados agora são muito mais debochados do que os que ocorreram na crise do Renan, há dois anos.
- A crise Sarney é pior do que a crise Renan?
Muito pior, mas muito mesmo.
- Por quê?
Os fatos agora envolvem o presidente da Casa de maneira mais avassaladora. E o exercício do deboche, há dois anos, era mais contido. Agora, passamos do deboche para o achincalhe. É como se eles quisessem pagar para ver. Estão esquecendo que a crise exerce efeitos sobre os senadores também durante o recesso.
- Que efeitos?
Não vai ser fácil percorrer as ruas ouvindo gracejos. Na antevéspera de uma eleição, isso obviamente terá efeitos.
- A crise contamina todos os senadores?
Sem dúvida. Todos pagam o pato. Mesmo os que não têm responsabilidade nenhuma. A aversão ao Senado e à classe política é transferida para todos.
- Quantos senadores vão às urnas?
Dois terços do Senado –54 senadores—estão na ante-sala da eleição. O desgaste pode não grudar em Lula, mas cola no PT e nos senadores governistas que defendem Sarney. O receio de todo mundo é o de que o eleitor decida não votar nos atuais detentores de mandato. Quanto maior o deboche, maiores as problemas dessa gente.
- Acha que há mesmo uma indignação popular?
Ela existe e é grande. Mas poderia ser muito maior. A mídia tem exercido um papel mais contundente do que qualquer partido ou parlamentar.
- Que desfecho prevê para a crise?
Não vejo disposição no Sarney para se afastar. Ele tenta atribuir normalidade a um quadro completamente anormal.
- Qual será o desfecho da crise?
A conjuntura aponta para o imponderável. Nada será favorável a Sarney. Ele esteve na bica de renunciar. Quem o segurou na cadeira foi o Lula.
- O apoio de Lula salvou a presidência de Sarney?
Não. Lula apenas deu uma sobrevida a Sarney. Não acredito na permanência de Sarney na presidência do Senado.
- Acha que a gestão Sarney não chega ao final?
Não. Ele se desconectou da realidade. Acha que as denúncias chovem no molhado. Acredita que, por ter sido presidente da República, está acima de tudo. Mas não há ambiente para a continuidade dele no comando da Casa. A presidência de Sarney não chega ao final.
- Como interromper a gestão de alguém que não se dispõe a renunciar?
Vamos chegar a uma situação de impasse total. Senadores independentes podem decidir não votar mais nenhuma matéria sob a presidência dele. Partidos como o DEM e o PSDB podem fazer o mesmo. Pode-se chegar a um impasse que tornará a saída de Sarney inevitável.
- É coisa para logo?
Não é possível dizer se ocorrerá logo. Mas vai acontecer. Dias atrás, o desfecho parecia uma questão de horas. O que ninguém esperava é que o Lula fosse fazer uma defesa tão contundente do Sarney. Adiou-se o problema. A presidência de Sarney será abreviada por estrangulamento, não por vontade dele.
- Não está exagerando?
Não creio. Vejo a perspectiva de chegarmos a um impasse tal que a saída dele será inevitável. Li no seu blog que Sarney deu graças a Deus pelo início do recesso. Imaginar que duas semanas vão amainar essa crise é de uma infantilidade inacreditável.
- Como avalia o papel do PT na crise?
O PT errou muito. Sua bancada convive com o incômodo de ter tomado a posição correta e depois ter mudado de rumo por conta da interferência de Lula.
- Continua achando que o PMDB quer mesmo é cavar negócios na máquina estatal?
Sem dúvida. Utilizam-se os mandatos para abrir caminho para negócios e safadezas no governo.
- Por que não deixa o partido?
Por falta de opção. Só posso pensar em mudar de partido se tivermos uma reforma política séria e decente. Até lá, prefiro ficar como dissidente no PMDB, sinalizando para a minha base e para a opinião pública do país que o meu PMDB não é esse. O meu PMDB é decente, correto, sem safadezas.
No último dia antes do recesso de julho, José Sarney discursou em plenário. Personificação da crise, ele posou de injustiçado. A quem interessar, a íntegra da fala do pseudopresidente do Senado está disponível aqui. Abaixo, vai um lote de frases de Sarney, seguidas de comentários do repórter: 1. “Eu nunca fui candidato a Presidente do Senado por minha vontade, sempre por convocação. Todos sabem que em janeiro deste ano, mais uma vez, eu não desejava, não queria disputar a Presidência do Senado, fui convocado”. - Convocação é coisa de Forças Armadas e de Seleção Brasileira. 2. “A eleição não me acrescentava nada nem tinha ou tenho desejo de poder. Aceitei-a, repito, para servir ao Senado Federal e ao País”. - O que espanta não é nem a vontade de permanecer ao volante, mas a falta de um roteiro de viagem convincente. 3. “Não sou movido nesse momento por nenhum sentimento menor”. - O diabo é que não o move tampouco o sentimento maior. 4. “O jornal ‘O Estado de S. Paulo’ iniciou uma campanha pessoal contra mim, obrigando os outros jornais e televisão a repercuti-la”. - Na política, quem não ambiciona o poder erra o alvo. Quem faz da ambição uma obsessão vira alvo. 5. “Meu trabalho exige a sedimentação de uma profunda consciência moral de minhas responsabilidades, a obstinada decisão de não cometer erros e jamais aceitar qualquer arranhão nos procedimentos éticos que devem nortear minha conduta. Não são palavras. São 50 anos de assim proceder”. - Pelo tamanho da encrenca, são mesmo extremas as responsabilidades. Em 50 anos, deveria ter aprendido: na trilha que separa o certo do errado há sempre novos atalhos para mais erros. Provou-se que é errando que se aprende. A errar. 6. “Mostrando seus objetivos políticos e pessoais [os detratores] esqueceram o Senado para invadir minha vida privada e a de minha família”. - Exibindo seus objetivos patrimoniais, esqueceu que estava no Senado e invadiu as arcas públicas junto com sua família. Queria o quê? 7. “Os desafios, a carga de trabalho, os insultos, as ameaças não me amedrontam. Estamos construindo um novo Senado”. - Insulto maior não há do que o esforço de pseudoreformadores para conservar a ordem constituída. 8. “Sêneca dizia que as grandes injustiças só podem ser combatidas com o silêncio, a paciência e o tempo”. - Bernard Shaw dizia que “inocente é o sujeito que não foi apanhado em flagrante”. Drummond afirmava que “não é fácil ter paciência diante dos que têm excesso de paciência”. Sobre o tempo, Pope deixou em 'Imitações de Horácio' uma valiosa lição: “Os anos que sucedem aos anos roubam-nos algo todo dia;/No fim, eles acabam por nos roubar de nós mesmos”.
Agaciel nomeou namorado da neta de Sarney para vaga no Senado
Nas gravações reunidas pela Polícia Federal durante a Operação Boi Barrica, bem antes de explodir a crise do Senado, existem elementos que remetem para os escândalos que têm assombrado o presidente da Casa, senador José Sarney (PMDB-AP). Dentre as centenas de horas gravadas pela PF com autorização judicial, há, por exemplo, telefonemas de Fernando Sarney para o então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia. Há, também, referências diretas a nomeações de parentes e agregados do clã Sarney.
Uma sequência de conversas gravadas entre março e abril de 2008 detalha uma articulação que pode comprometer ainda mais a situação política do presidente da Casa. As gravações são a prova da ligação de Sarney com Agaciel Maia e com os atos secretos - revelados pelo Estado - editados pelo ex-diretor para atender a pedidos de seus superiores.
Tudo começa quando Maria Beatriz Brandão Cavalcanti Sarney, filha de Fernando Sarney, telefona para o pai, interessada em nomear, no Senado, uma pessoa que, segundo a Polícia Federal, seria o namorado dela. A nomeação seria feita na vaga de um outro agregado do clã, Bernardo Brandão Cavalcanti Gomes, irmão de Beatriz por parte de mãe, que já estava pendurado na folha de pagamento do Senado desde 2003 e tinha pedido demissão.
Com o argumento de que a vaga pertencia à família, a neta do presidente do Senado se articulou para colocar no lugar Henrique Dias Bernardes. Ela se mostrou esforçada. Depois de ligar para o pai, fez a conversa chegar ao gabinete do avô.
O próprio Sarney aparece nas conversas. Recebeu orientação para que enviasse o currículo de Henrique Bernardes a Agaciel. Deu certo. O meio-irmão de Beatriz fora exonerado em 25 de março de 2008. Em 10 de abril, saiu a nomeação de Bernardes - por meio de um ato secreto assinado por Agaciel.
Bernardes foi nomeado como assistente parlamentar 3 na Diretoria-Geral do Senado, mesma vaga na qual o meio-irmão da moça passou cinco anos recebendo R$ 2,7 mil. Ao Estado, Bernardes disse que faz serviços administrativos na área médica do Senado. Indagado sobre a maneira como conseguiu a vaga, ele mandou o repórter "perguntar na Secretaria de Recursos Humanos". Em seguida, admitiu. "Cheguei através de indicação, mas não vou dar detalhes". Negou ser namorado de Beatriz. "Eu conheço a Bia por amizade, uma leve amizade."
Outra gravação da PF chama a atenção para a maneira como a família costumava tratar das nomeações no Senado. O dinheiro entrava na conta da mesada. Em 14 de março, João Fernando Michels Gonçalves Sarney, filho de Fernando Sarney, telefonou para o pai pedindo dinheiro para comprar um carro. O pai disse que ele já recebia "7 mil e pouco" do Senado e mais R$ 5 mil, pagos pelo pai.
João Fernando Sarney foi nomeado em fevereiro de 2007 como secretário parlamentar do gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), aliado dos Sarney. Ficou no posto até outubro do ano passado.