quinta-feira, 28 de maio de 2009

Entrevista especial: Edson Vidigal

Sempre muito autêntico e transparente nas sua convicções, o ex-presindente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, falou com exclusividade ao blog.

Maranhense da cidade de Caxias, Edson de Carvalho Vidigal tem uma biografia digna de um roteiro de filme. Antes de se tornar juiz, atuou no jornalismo por vários anos. Começou como repórter policial com apenas 14 anos. A política também entrou cedo em sua vida. Ainda não tinha nem 20 anos e já era vereador em Caxias, mas foi preso e teve mandato cassado no começo do regime militar, em 14 de abril de 64.

Em 1978, voltando ao estado de origem, elegeu-se deputado federal, e no congresso trabalhou pelas eleições diretas e pela redemocratização do País ao lado de Ulisses Guimarães e Tancredo Neves.

Em 2006 foi candidato ao governo do Maranhão pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) onde obteve quase 15% dos votos, percentual que fez com a eleição tivesse segundo turno e favorecido a vitória do governador Jackson Lago (PDT). Abaixo, íntegra da entrevita com o ex-ministro Edson Vidigal.

O que significou para o senhor a cassação do governador Jackson Lago?

Edson Vidigal - Um retrocesso político irreparável para o Maranhão. Um prejuízo enorme para a democracia no Brasil. A douta maioria do TSE pareceu demonstrar que ainda não entendeu a amplitude do projeto de construção de um verdadeiro Estado de Direito Democrático inscrito na Constituição da República.

O artigo primeiro, que instaura a República no Brasil, só contém um parágrafo e nesse parágrafo único estabelece a premissa única sobre a qual há de se manter funcionando a República.

A Constituição da Republica decreta que “todo o poder emana do Povo que o exerce por meio de representantes eleitos” e mais adiante estabelece que só pode ser considerado eleito Governador de Estado, por exemplo, quem tiver obtido a maioria absoluta dos votos.

Para se obter essa maioria absoluta dos votos a Constituição manda que se realizem até duas eleições. Ora, quem perdeu no primeiro turno e não obteve maioria absoluta dos votos no segundo turno não pode ser considerado eleito. Portanto, não pode exercer o Poder em nome do Povo.

Entregar o Governo a quem não foi eleito é mais que ofensa à Constituição. É tripudiar sobre a vontade da maioria do Povo. Logo, o Governo que a maioria do TSE instaurou no Maranhão é ilegítimo, no mínimo ilegítimo porque não tem origem na vontade da maioria absoluta do Povo.

A cassação decorreu de uma soma de fatores que, a estas alturas, nem cabe mais analisar. As medidas judiciais cabíveis foram ajuizadas, todas elas até agora sem resultados e nem creio que esses resultados aconteçam a tempo.

O sistema judiciário brasileiro ainda se move numa imensa caatinga de leis equivocadas, jurisprudências superadas e mentes brilhantes, algumas delas, porém, inconstitucionais e outras até anti-democráticas ou anti-republicanas.

Não que sejam conscientemente contra a democracia ou contra a República, o que seria entende-las como sendo favoráveis à monarquia mais decadente ou à oligarquia mais perversa, vingativa e carcomida como essa do Maranhão.

Acham que defender a Democracia e a República é coisa para os políticos, ponto de vista aliás reacionário e muito retrógado. Juiz tem que se interessar, sim, por política, tem que estar antenado à realidade política porque na Democracia a política é o único instrumento transformador da sociedade.

Ao compreender a Constituição da República, o Juiz não tem como se esgueirar dos seus compromissos para com o Estado de Direito Democrático. Suas decisões não podem se dissociar desse direito maior da sociedade, que é o de viver num Estado de Direito Democrático. A interpretação do direito não pode nunca ser dissociada da afirmação republicana e democrática.

Aquela tigresa do Caetano Veloso, que gostava de política em 1966 e que hoje dança no frenético dancin' days, já cumpriu o seu papel e já não serve mais como exemplo.

O senhor acredita que poderia ter havido outro desfecho para o processo que não a cassação?

EV - Acreditei até um certo momento que a Constituição da Republica, tão explícita quanto ao tema, haveria de prevalecer sobre as firulas jurisprudenciais.

Mas a partir de dado momento, quando percebi que a maioria, ainda que precária, tendia para acatar a idéia de que aquilo tudo era para entregar o Governo do Maranhão de volta a quem havia, de fato e de direito, perdido as eleições, não arredei da trincheira, como todos viram, e minha reação foi reforçar os compromissos de luta pelo fortalecimento e independência do Judiciário no Brasil. Foi quando pude constatar o quanto ainda cambaleia a democracia no Brasil.

A cassação mostra que o senador José Sarney é invencível, já que se não ganha no voto, ganha nos tribunais?

EV - Nesse quesito, ele se acha o cara. Mas vejo estar próximo o tempo em que não vai ser mais assim…

Qual a opinião do senhor sobre a condução do processo de cassação feita pelo governo? Houve erros?

EV - Muitos subestimaram o processo pelo vazio das alegações, provas engendradas, acusações sem base legal.

Eu fui um dos primeiros a examinar o processo e, confesso, não ter vislumbrado êxito. Na minha visão, era uma chicanagem e não foi mais que isso.

Mas não fui só eu quem pensou assim.

O Senador Sarney, sempre cauteloso em suas manobras e golpes, consultou antes vários advogados de renome em Brasília e todos lhe disseram que aquilo não tinha rumo.

Os advogados procurados recusaram patrocínio à causa. Ninguém iria emprestar seu nome a um absurdo daquele.

Foi aí que entrou aquela respeitável dupla goiana. Mas a verdade é que ninguém, e volta e meia nem o próprio Sarney, acreditou que aquilo pudesse dar no que deu.

A idéia inicial era apenas manter o Jackson emparedado com o factóide do processo, tendo assim um fantasma diuturno a enfraquecer politicamente o seu Governo.

Mas quando Sarney viu Jackson deixando correr frouxo, subestimando não só o processo mas também a sua competência de não dar refresco ao inimigo, quando viu que do lado da potencial vitima ninguém se mexia, aí ele assumiu o confronto, passando a atuar abertamente nos bastidores.

E nesses cenários ele é competente, ele chora, mostra humildade, bajula, seduz, injuria, enfim faz as pessoas acreditarem até que o diabo vai mesmo sair da garrafa.

Aliás, Sarney teria menos prejuízo político se o processo não tivesse o desfecho que teve, o Jackson saindo como vítima e a filha dele sendo empossada na marra, antes da publicação do acórdão da decisão judicial, não dando tempo para o Supremo apreciar o recurso do Jackson.

Claro que foi uma violência judicial estribada na inconstitucional jurisprudência predominante e em equivocadas interpretações ordinárias da lei ordinária eleitoral.

Agora eles todos estão vendo os erros que cometeram (eu ia dizendo os erros que cometeram…)

Como o senhor avalia o governo Jackson Lago?

EV - Ele, Jackson, acha que foi tirado por causa dos acertos que cometeu. Eu registro que a unidade que não mediu sacrifícios para vencer as eleições no segundo turno se esfacelou entre a vitória e as primeiras semanas de Governo.

O Jackson foi sendo isolado pelo seu pequeno grupo e os parceiros das lutas foram sendo tratados como estranhos no ninho, mantidos à distância.

Obter o poder, ainda que pela via eleitoral, não significa que se é detentor automático da confiança do Povo. Uma coisa é encarnar as esperanças do Povo, outra coisa é deter a confiança do Povo.

A confiança há que ser conquistada no dia-a-dia das ações políticas e no respeito quase litúrgico aos compromissos das alianças políticas.

Quando se ganha o Poder do Estado tem que se trabalhar todo o dia, intensamente, para se ganhar o Povo inteiro. A tarefa maior é do líder.

No caso do Maranhão, apoiei a coligação do Jackson no segundo turno porque ele aceitou fazer conosco, da nossa coligação – PSB, PT, PC do B, PRB, PMN, um Governo de coalização, que iria fazer a transição.

Ainda hoje estamos nessa. Precisamos eleger um Governo de coalizão para fazer a transição dos 60 anos de atraso (20 do vitorinismo mais 40 da oligarquia sarneisista) para uma nova fase de práticas políticas republicanas e de ações administrativas desenvolvimentistas, todos enfim trabalhando juntos e seriamente construindo Estado capaz de assegurar melhores condições de vida a todo o Povo maranhense.
Mas o que logo se viu não foi a coalizão, mas a colisão do fogo amigo…


Aliados reclamavam muito do tratamento dispensado pelo governo. Você considera que o governo errou no tratamento com a classe política que o apoiava?



EV - Errou bastante, pareceu não estar interessado em somar forças, nem em dividir tarefas. Pareceu querer fazer tudo sozinho, lá entre eles, uns poucos que cercaram e mantiveram o Governador no isolamento, numa espécie de cativeiro. Afora a mediocridade ambulante e indiscutível de que, em muitas áreas vitais, ele se acercou.

Meu receio era o de que, ao final, o Governo não desse certo. Bem, nem houve tempo para se chegar ao final.


Em algum momento o senhor achou que o governador Jackson Lago não seria cassado?


EV
- Como eu já disse, no começo não tinha porque acreditar que aquilo tivesse seguimento. Aquele processo era pura armação.

Aquilo tudo foi tão engendrado que, no julgamento, nenhuma acusação obteve unanimidade. Os votos favoráveis foram todos divergentes nas conclusões. Ao rigor, não dava nem para lavrar um Acórdão.

Mas todos viram, no final, a ginástica verbal da boa-fé iludida querendo transmudar a ignorância da realidade dos fatos em erudição doutrinária. Isso tudo para caber num Acórdão.

Os diretórios estaduais do PSDB, PT e PSB entraram com recurso para cassar a diplomação da governadora e do seu vice. Esse recurso poderá ter algum efeito prático?


EV - Na minha leitura, o efeito é moral. E moral para nós é muito, é quase tudo. Não podemos perder é o moral. Quando se perde o moral se perde o respeito. E a falta de respeito é muito danosa à legitimidade de qualquer causa.

Fosse em outra conjuntura, eu talvez até proclamasse alguma fé. Mas depois disso tudo que aconteceu… O melhor a fazer é seguir em frente trabalhando uma nova vitória com a qual possamos construir um novo futuro para o Maranhão.


Por que o PC do B foi não subscreveu o recurso? Não foi procurado pelos demais partidos?

EV - O prazo para o recurso estava em cima, não houve tempo de procurar a todos. Acho que foi isso.


Vamos falar um pouco sobre São Luís. Como o senhor está vendo a administração do prefeito João Castelo?

EV - Pago impostos também ao Município. Tenho o direito de fiscalizar a administração e de fazer cobranças. Sou cidadão de São Luis.

Por enquanto, com esses aguaceiros e a cidade ainda vitimada por modelos anacrônicos de administração, não é possível esperar do Castelo um enfrentamento dessas mazelas em tão pouco tempo. Vamos esperar que as chuvas passem…


Quais as áreas, na sua opinião, que o prefeito deveria dá maior atenção?


EV - Não fui candidato a Prefeito, portanto não tenho uma agenda de prioridades administrativas.

Mas não podemos perder de vista que moramos numa ilha oceânica e que além da água salgada que nos cerca não teremos para onde nos expandir.

A ilha começa a perder lentamente a qualidade das praias e me preocupa, por exemplo, imaginar a vida desse Povo tão pobre sem a saúde das praias.

A especulação imobiliária não pode continuar em rota de colisão com os direitos da população ao meio ambiente..

Temos problemas gravíssimos de saneamento básico, de planejamento urbano, de falta de água de beber, de carências de saúde, de deficiências na educação.

Transporte coletivo e segurança das pessoas são prioridades inafastáveis, ainda mais agora que o governo biônico que se aboleta no Estado se ocupa em desfazer tudo de bom que, nessa área, a parceria entre o Maranhão e o Governo Federal, sob a gestão da Eurídice, conseguiu empreender.

A Coligação Unidade Popular, formada pelo PC do B e pelo PT, liderada pelo deputado Flávio Dino nas eleições de 2008, move uma ação no TRE igual a que o grupo o Sarney moveu para cassar o governador Jackson Lago no TSE. Qual a sua opinião sobre essa ação?

EV - Não conheço a petição inicial. O Flávio é professor de Direito e como Juiz Federal fez parte do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão.

A coligação que o apoiou o Flávio acha que foi lesada. A Constituição da República garante que nenhuma lesão a direito escapará da apreciação do Poder Judiciário.

Por outro lado, a mesma Constituição assegura que nenhuma decisão judicial será adotada sem respeito à ampla defesa, ao contraditório das provas e sem a observância do devido processo legal.

Pessoalmente, tenho posição doutrinária contra se entregar o Poder a segundo colocado. Sou a favor de que em qualquer hipótese de eventual cassação de mandato majoritário admitida pela Constituição se convoque nova eleição. Gosto de repetir como se fosse um mantra – “Todo poder emana do Povo que o exerce por meio de representantes eleitos…”


Como o senhor avalia a iniciativa do governo de entrar na justiça para impedir que os municípios recebam recursos oriundos de convênios entre o governo Jackson Lago e os municípios?


EV - Isso é jogada política. Os mentores de Dona Roseana Sarney querem achacar apoio político dos prefeitos.

Tomando-lhes de volta o dinheiro dos convênios, acham os mentores que poderão submeter os Prefeitos à vontade política da oligarquia. Daí dizerem que examinarão os convênios casa a caso.

Ou seja, querem chamar pra perto para enfiarem a faca. Mas isso já está tão manjado..

Na sua opinião, que posição o PSB deverá ter em relação a 2010? Há algum nome hoje que pode unir as forças anti-Saney numa ampla aliança para as eleição do ano que vem?

EV - Defendo no partido a reedição da mesma coligação, e com a mesma composição das chapas majoritárias e proporcionais.

Como foi em 2006? O PSB indicou o Governador, o PT indicou o Vice-Governador. O PSB indicou um nome para Senador e o PT indicou outro nome para Senador, isso numa eleição em que só havia uma vaga para o Senado. Agora serão duas.

A coligação somou além do PSB e do PT, o PC do B, o PRB e o PMN. Todos juntos disputamos as eleições majoritárias e proporcionais.

Nossa coligação, fez quase 15% dos votos para Governador, o que acabou empurrando a Roseana e o Jackson para o segundo turno e ainda elegeu 04 deputados federais e 06 deputados estaduais.

Em 2010 poderemos repetir, e com mais chances de êxito, a mesma receita. Havendo segundo turno, com um pouco mais de juízo e menos ingenuidade, ou seja, mais calejados e mais maduros, venceremos com o nosso candidato ou outro candidato de oposição que nos passar à frente em votos. A oligarquia está agonizante.

O senhor coloca o seu nome à disposição das oposições para candidato a governador?

EV - O José Reinaldo cresceu muito junto às bases municipais com essa jogada da Roseana de querer tomar dos Prefeitos o dinheiro dos convênios. O nome dele só tende a crescer ainda mais.

É um nome simbólico nessa antinomia, Povo usurpado versus Roseana. Nem teria eu me candidatado em 2006 se ele pudesse ter sido candidato.

O outro nome, que não se deve omitir, em nenhuma hipótese, no espaço eleitoral da revanche, é o do Jackson.

Na nossa coligação – PSB, PT, PC do B, PRB, PMN, temos outros bons nomes como o Flávio [deputado Flávio Dino/PC do B], que tem sido um dos melhores Deputados do Brasil e o Marcelo Tavares, que tem se revelado grande capacidade de liderança.

O PSDB por sua vez cresceu muito nas últimas eleições. Além da liderança eleitoral expressiva de Roberto Rocha, que tem se mostrado um grande aglutinador, tem sob seu comando as Prefeituras de São Luís com o Castelo, a de Imperatriz com o Madeira e a de Açailândia com o Ildemar.

O cenário hoje indica a existência de nomes muito mais viáveis eleitoralmente do que o meu.

Link original

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Drama e Insensibilidade

A total insensibilidade pessoal de Roseana Sarney e o enorme desinteresse e inoperância desse governo biônico que tenta se aboletar na gestão estadual não era mais para causar espécie ou a ninguém impressionar. O tempo passa e nada se vê, nenhum ato em favor dos desabrigados e, também, nada é feito para minorar o tremendo infortúnio que se abate sobre cada um dos desses maranhenses.

Isso sem contar o fato de que o estado possui o maior número de desabrigados (em torno de quase 130 mil). Nem isso comove a governadora e a faz trabalhar. Fica enclausurada em seu palácio, recebendo prefeitos espoliados por ela mesma, com dinheiro retirado das contas de suas gestões, e posando para fotografias, buscando afirmação política. Por meio dessa postura midiática, obrigatória em seus jornais, tenta enganar a população, tentando passar a imagem de que está trabalhando. Pura cosmética. Resta saber em benefício de quem é o suposto trabalho... Dos desabrigados é que não é.

É uma completa imoralidade. As coberturas jornalísticas tentam feitas por suas hostes tentam mascarar o que está acontecendo nas áreas alagadas. Tentam incutir que o pior já passou e não divulgam uma única entrevista com os vitimados. Mas a imprensa nacional, não controlada por eles, vem colocando relatos cada vez mais dramáticos do que de fato vem acontecendo.

A Folha de São Paulo, de domingo traz uma descrição terrível do que a falta de apoio traz para a população. O quadro é medieval, típico da idade das trevas, época em que Sarney deveria se sentir muito bem, naturalmente. Um rei espoliando os súditos. Vamos à matéria:

“O chão de Trizidela do Vale, município às margens do rio Mearim, no centro geográfico do Estado do Maranhão, está coberto por uma lama pegajosa, quase preta, com um cheiro forte de alimento estragado. Gruda no pé.


A maior parte da cidade ainda está sob as águas que, no último dia 4, depois de uma espécie de dilúvio, elevou em seis metros o nível do rio. Fossas sanitárias, lixo e fezes misturaram-se às chuvaradas e ao leito do rio, formando um caldo rico em matéria orgânica. Os 15 mil flagelados (de uma população total de 18.500 habitantes) passam a maior parte do dia mergulhados nisso.

Doentes com um catálogo de doenças dermatológicas, como furunculose, ptiríase, micoses, escabiose, pruridos já se contam aos milhares. Segundo a secretária de Saúde de Trizidela, Ediuene Costa Souza, a situação deve piorar. "Conforme os dias vão passando, a lama apodrece e essa tragédia sanitária aumenta o risco de epidemias", disse ela.


A enchente gerou um paradoxo. Apesar do excesso de água, não há água para beber. Já não havia água encanada antes, mas poços artesianos davam conta do abastecimento -agora, a água da maioria deles está contaminada. A prefeitura contratou sete carros-pipa para fornecer água para os moradores. Mas os caminhões não conseguem passar -em muitos lugares, só de barco mesmo.


Os moradores banham-se na água imunda e bebem água de chuva, coletada dos telhados. Cozinham com uma mistura das duas - "Vai ferver mesmo, não é?", diz a faxineira Francisca Silva Nel, 19, mãe da menina Natali Nel da Silva, 2, com quadro de otite e diarreia. A cidade já conta 608 atendimentos por otite e 1.500 por diarreia.

Mãe e filha são parte de 58 famílias que estão alojadas em um parque de vaquejadas ao qual agora só se chega de barco. Moravam perto dali, na rua do Campo, que encheu. Dividem o espaço das cocheiras com cavalos de até R$ 40 mil (são usados para cercar os bois, nas corridas). Mas também com porcos e porquinhos da criação local e até com gaiolas de galos de briga. Uma família mora no banheiro masculino do parque.

A aflição dos moradores -principalmente os mais velhos- é visível pela movimentação onipresente dos rodos e vassouras e detergentes e desinfetantes. Com o nível das águas baixando (na sexta-feira, completavam-se três dias de estiagem), mulheres e homens entram nas casas para tentar limpá-las da lama e secá-las -retomá-las das águas.


O zelador Manuel Souza de Oliveira, 27, fez isso. Deixou a casa cheirosa, mas ainda encharcada.O trabalho de limpeza do zelador custou-lhe caro. Uma hora depois da faxina, ele caiu com uma febre de 40 graus, dor na cabeça e nos olhos. Ficou quatro dias internado.
A diretora-adjunta do Hospital e Maternidade Municipal João Alberto, de Trizidela do Vale, Laydianne Castro, 26, é ela mesma uma "alagada" - assim se chamam os desabrigados pela enchente. A mãe de Laydianne é uma das pessoas que necessitaram de socorro médico. Teve uma intoxicação grave quando voltou a sua casa para limpá-la da lama negra que invadiu todos os cômodos.


Mas Laydianne não tem tempo para ficar chateada com esses problemas. Na sexta-feira, ela ajudava a organizar o enterro de um colega de hospital, providenciava o atendimento de uma gestante que derrapou no lodo e bateu a cabeça no chão, dava assistência a um homem que quebrou o nariz ao tropeçar no asfalto esburacado, providenciava socorro aos oito casos de pneumonia e ao primeiro caso de tuberculose surgidos da enchente, e cuidava para que os muitos pacientes com diarréia estivessem bem hidratados. Uma correria.


Até a sexta-feira, as autoridades de saúde contabilizavam cinco mortos. Duas pessoas afogaram-se depois que a canoa que as transportava virou. Um homem foi eletrocutado quando as águas atingiram a fiação. Um apareceu morto boiando no rio e outro foi encontrado sem vida em casa. Não se sabe a causa da morte dos outros dois.


Abaixo, o relato de Laydianne sobre o atendimento ao colega que morreu:


"Evandro Costa e Silva, 52, chegou às 6h30, de bicicleta ao hospital. Queixava-se de dores. Estava com os rins travados. Os médicos de pronto perceberam que estavam diante de um quadro de infarto. Evandro necessitava de atendimento cardiológico urgente.


Pusemos nosso colega em uma maca com oxigênio, e lá fomos, de ambulância, na direção da saída da cidade. Aqui não temos condições de atender a um caso com esta gravidade. O único caminho para sair da cidade estava obstruído pelas águas. A ambulância não podia prosseguir. A saída foi colocar Evandro, maca, oxigênio e tudo em cima de uma canoa.


Para que ela não virasse, vários homens seguiam com a água até o peito, escorando as laterais do barco.


Do outro lado do encharcado, outra ambulância já nos aguardava. Nosso colega foi com a mulher, um enfermeiro e um homem da Defesa Civil em direção a Caxias, município a mais de 170 km de Trizidela. Mas não aguentou. Teve três paradas cardíacas no caminho. Às 10h, foi declarado morto. Nem chegou ao hospital de Caxias. Voltou morto. O enterro vai sair daqui a pouco".

Essa matéria foi publicada no domingo último. Mostra o quadro dantesco e epidêmico que a insensibilidade, a preguiça e a inapetência do governo está criando.

Isso é só uma amostra. Pior é a situação de crianças, idosos (privados de seus remédios de uso controlado), gestantes e doentes. Quando vai dar para recuperar?

Roseana sempre surpreende. Ela está se superando, o que muitos achavam impossível!

Pobre Maranhão!