sábado, 31 de janeiro de 2009

Brasil: Um País Exótico e da Jabuticaba

Reproduzo abaixo artigo do Professor José Lemos:

Brasil: Um país exótico e da Jabuticaba

20.759.903.275.651%. Este é o tamanho da inflação no Brasil entre 1980 e 1995. Em nenhum lugar do planeta se observou, num lapso de tempo tão curto, tamanho disparate: 20,76 trilhões por cento de inflação acumulada em 15 anos. Nesse período o Brasil teve seis (6) diferentes moedas: cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro (novamente), URV e Real. Uma hiperinflação assim constitui um verdadeiro desastre distributivo. Não há como controlar finanças privadas ou públicas. O desarranjo apenas não foi maior, porque havia a correção monetária que funcionava como anestésico. Mas os assalariados, sobretudo os de baixa renda, sabem o que significa no orçamento familiar uma hiperinflação como aquela daquele nefasto período da nossa história econômica recente.

No documentário “Laboratório Brasil”, produzido pela Câmara dos Deputados, de onde se retirou esta informação, pode-se ouvir depoimentos de protagonistas do que aconteceu naquele período. O documentário é didático e chama o Brasil de “O País da Jabuticaba”, que provavelmente apenas viceje em terras brasileiras, uma das mais saborosas frutas que a natureza nos contempla. O documentário mostra porque o Brasil é um “País Exótico”. Dentre outras razões porque é capaz de produzir frutas assim, mas também, porque alguns dos responsáveis por aquela tragédia ainda influenciam no Brasil de hoje. Ficaram muito ricos. Não colhendo jabuticabas, evidentemente.

Quem conhece a jabuticabeira sabe que os frutos ficam colados diretamente no caule e nos galhos da árvore. Esta característica dessa fruteira é muito parecida com a da maioria dos responsáveis por aquela tragédia hiperinflacionária: trazem os seus rebentos (frutos) coladinhos às suas estruturas e desenvolvem uma incrível capacidade de multiplicação dos resultados dessa ação simbiótica em beneficio próprio e familiar.

Ao final do regime militar, em 1984, a inflação brasileira era de 100% ao ano. Naquele ano, os brasileiros foram às ruas clamar pela redemocratização do País, reivindicando eleições diretas para Presidente da República. Os militares, com a colaboração forte de civis, boicotaram e sufocaram nos bastidores aquele movimento, e acabou prevalecendo a eleição indireta para Presidente. Ao vislumbrar que o candidato dos militares não emplacaria, o então Presidente do PDS, herdeiro da ARENA, partidos que sustentaram o regime militar, deu um salto espetacular para o PMDB, que fazia oposição aos militares. Assim, conseguiu se transformar em candidato a vice-presidente, numa desenvoltura contorcionista capaz de fazer inveja aos melhores profissionais circenses.

Eleito o Presidente indireto, não quis o destino, ou sei lá que tipo de desígnio, que ele assumisse. Morreu antes de tomar posse em 21 de abril de 1985. Ironia do destino e esperteza. Juntas. Assumiu o poder exatamente quem havia participado e dado suporte ao regime que a população brasileira queria expurgar. Foram anos de planos exóticos e aloprados interferindo na economia: Plano Cruzado; Cruzado Novo, Bresser e “Feijão com Arroz”. Findos cinco anos de mandato, os resultados foram: hiperinflação de 80% ao mês, descontrole fiscal, recessão, reservas cambiais exauridas, moratória da divida externa, caos. Um desastre administrativo sem precedentes.

Na semana passada, o Jornalista Josias de Sousa escreveu que alguns políticos brasileiros, incluindo aqueles que governaram o Brasil naquele período, contrariam a teoria de Darwin da evolução das espécies. O Brasil tem uma capacidade de não se renovar, sempre reciclando figuras velhacas (parafraseando Ulysses Guimarães), que não são necessariamente velhas, no sentido etário. Eu complementaria o pensamento do jornalista, dizendo que também conseguem transgredir uma das leis fundamentais da física. A da gravidade: eles sempre “caem pra cima”. Num País sério, não exótico, um governante que tivesse aqueles registros no currículo, nunca mais teria condições sequer de ser ouvido fora do convívio familiar.

No Brasil é diferente! Há pouco mais de um ano, o então presidente do Senado se envolveu em escândalos que o obrigaram a renunciar ao cargo para não perder a função. Coisa de País exótico. Este cidadão agora é o principal articulador e cabo eleitoral para a eleição da próxima Mesa Diretora do mesmo Senado. Prosseguindo na sua incrível capacidade de contrariar a lei da gravidade, caso seja eleito o candidato para quem trabalha freneticamente, continuará “caindo pra cima”. Será o seu líder no seu partido.

Sobre a eleição da próxima Mesa Diretora do Senado, verificam-se novamente manifestações típicas de um “País Exótico”. Nas “descontraídas articulações” dos nobres senadores para a composição da dita cuja, observa-se que em nenhum momento se discute como os futuros dirigentes da Casa pretendem conduzir os trabalhos para ajudar o Brasil neste momento de crise. A discussão “pertinente” é acerca da quantidade de cargos que o Presidente do Congresso, e cada um dos participantes da Direção, terão para distribuir entre os seus “correligionários”.

Discute-se como o candidato dos transgressores da “lei da gravidade” (ele mesmo sendo um deles) poderá barganhar posições no próximo Governo, seja lá quem for o eleito em 2010. Uma adaptação (ou seria mimetismo?) fantástica que Darwin não conseguiu perceber. Discute-se também como o Presidente do Senado poderá influenciar em outros poderes da República para, por exemplo, salvar a pele de pessoas próximas de si que aparentam terem sido flagradas em traquinagens do tipo colher “frutas” que não são as doces, saudáveis e ingênuas jabuticabas. Ou ainda como poderá influenciar na cassação do mandato de um Governador eleito legitimamente, para servir a um dos seus rebentos em bandeja de suculentas jabuticabas o mandato conquistado sem votos. Este é, definitivamente, um País Exótico. Resta-nos, como consolo, saber que ao menos (ainda) não destruíram a sua capacidade de produzir jabuticabas.

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José Lemos é Engenheiro Agrônomo e Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. lemos@ufc.br. Autor do Livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre”.

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