domingo, 15 de fevereiro de 2009

REVISTA ‘CAROS AMIGOS’ AVALIA: Quem governa o país é Lula, mas quem manda é o Sarney

Para revista paulistana, o presidente do Senado está dando as cartas mais que nunca, controlando áreas dos Transportes e da Energia e arquitetando a derrubada do governador eleito pelo povo maranhense para pôr no cargo sua própria filha

POR PALMÉRIO DÓRIA
Da ‘Caros Amigos’

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“Não existe organização criminosa mais bem-sucedida do que a que conta com apoio estatal.”
(Misha Glenny, em ‘McMáfia – O crime sem fronteiras’)
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Dos 56 cargos federais existentes no Maranhão, 54 pertencem à “cota” de José Sarney – o partido do presidente da República nomeou apenas dois. Sarney está dando as cartas mais que nunca. Controla áreas do Ministério dos Transportes. Na energia, domina de ponta a ponta. Quer derrubar, no Supremo, o governador eleito pelo povo maranhense e pôr no cargo sua própria filha, Roseana. Com seu poder de nomear, com uma mãozona de Renan Calheiros, que tem nos costados 29 inquéritos tramitando no Supremo, volta a presidir o Senado. E com um filho, Fernando, implicado num escândalo federal, em país algum do mundo Sarney poderia chegar de novo onde está chegando. Do Maranhão ele é dono. E no Brasil, Lula governa, mas Sarney manda.

A ‘bolada’ não explicada – Na sabatina no Teatro Folha, a 26 de agosto de 2008, em que fez um balanço de 50 anos de vida pública, quando lhe perguntaram sobre o papel de José Serra na operação policial no escritório de Roseana (caso Lunus), o senador José Sarney contemporizou, num exemplo de extrema superação.

“Não vou dizer que foi o governador José Serra nem que não foi o governador Serra. Até porque é um fato do passado. Não quero relembrar.” Bem distante daquele José Sarney que ameaçava na Isto É, à época do escândalo: “O Fernando Henrique destruiu minha filha. Vou destruí-lo.”

Antes do escândalo Lunus, os negócios de Roseana já estavam sob a lupa da PF. O casal Roseana/Jorge Murad foi denunciado por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal, graças ao sumiço de 44 milhões e meio de reais da Usimar, indústria de autopeças superfaturada que seria implantada com financiamento da Sudam, Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia, extinta por esses e muitos outros desvios. Seu projeto, saudado por José Sarney em artigo publicado na Folha de S. Paulo como o início da indústria automobilística no Maranhão, hoje não passa de um terreno abandonado no distrito industrial de São Luís. Seria apenas fornecedora de cabeçotes metálicos, virabrequins e pequenas juntas. Mesmo assim, a fraude estava orçada em 1 bilhão e 38 milhões de reais.

A 1º de março de 2002, numa tarde abafada de sexta-feira, os temores de José Sarney se materializam nas figuras de oito agentes e dois delegados da Polícia Federal. Munidos de mandado judicial, vasculharam a empresa de Roseana Sarney Murad e Jorge Francisco Murad, seu marido. Os maranhenses chamavam a Lunus de “Batcaverna”. Era ali que o casal Roseana/Jorge de fato governava o Estado. Na cobertura do edifício Adriana, na avenida Colares Moreira, os policiais encontram 1 milhão e 350 mil reais em dois imensos cofres.

A lua-de-mel da candidata à presidência com a imprensa grande acabou na edição do Jornal Nacional de uma quinta-feira, 7 de março de 2002, com a imagem das 27 mil oncinhas nas notas de 50 reais dispostas em cima de uma mesa. Houve sete ou oito versões para a bolada. Na última, lendo, a contragosto, uma nota seca, Murad disse que o dinheiro era para a campanha, mesmo incorrendo em crime eleitoral, pois pela lei não tinha chegado a hora de arrecadar fundos.

Sobre a origem, nada. Só no dia 10 de abril apareceu a lista com os “doadores oficiais” da campanha, que o Correio Braziliense tinha antecipado um mês antes. Segundo o jornal, a fortuna era creditada a empresários amigos para pagar as despesas da candidatura. A arrecadação correu por conta e risco de Murad, sem que a governadora soubesse.

Na lista aparecem o próprio Murad e o irmão caçula da então governadora, Fernando Sarney, que no primeiro mandato dela teve duas empresas de seus amigos (EIT e Planor) contempladas com 33 milhões de dólares por uma estrada nunca construída: Paulo Ramos-Arame.

O jornal também informava que o maior doador era o empresário piauiense João Claudino Fernandes, dono da Construtora Sucesso. Sucesso a toda prova. À época, ele tinha abiscoitado 7 milhões e 800 mil reais em obras federais nas estradas do Piauí e do Maranhão. Não por coincidência, é sócio de Jorge Murad no São Luís Shopping, o maior da capital maranhense. O Correio não disse, mas Jorge Murad também é sócio de Carlos Jereissati, em Porto Alegre, no assim chamado “shopping do Sarney”, às margens do Guaíba. Aliás, o Jereissati da BrOi, megaempresa de telefonia que lhe chegou às mãos com um empurrãozão de quem? Emília Ribeiro, num voto decisivo – de desempate – no conselho da Anatel. Afilhada de quem? De José Sarney.

O PFL rompeu com FHC, Roseana caiu para 15% no Datafolha, Serra pulou para 17%, a candidatura Roseana naufragou e Lula ganhou. A dinheirama ficou sob a guarda da Caixa Econômica, mas acabou voltando para o casal Roseana/Jorge. E o Caso Lunus, que fim levou? Naquela sabatina da Folha, em agosto de 2008, na qual disse que não sabia da existência de tortura no Brasil, Sarney deu o caso como encerrado.

De novo, sob a lupa da PF – Mas o ex-presidente, de 78 anos, não podia dizer diante daquelas 150 pessoas, no auditório do Teatro Folha, no segundo piso do sofisticado Pátio Higienópolis, que um novo caso tornava aquela manhã de agosto particularmente aziaga. Desta vez, uma devassa no coração do império que ergueu nos tais 50 anos de vida pública sabatinados ali, baseado principalmente no setor de energia elétrica, espécie de monopólio da família.

“Parece que o Sarney tem uma vocação pro setor. Ele sabe, no máximo, como nós, acender e apagar um interruptor”, disse ao Terra Magazine o historiador Marco Antônio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de São Carlos, ironizando a posse de Edison Lobão no Ministério das Minas e Energia, em janeiro de 2008.

Lobão foi indicado por Sarney, que também indicou o antecessor dele, Silas Rondeau, afastado por corrupção. Ambos maranhenses, ambos do corpo de baile permanente do senador.

A nova investigação começou a partir de uma movimentação “atípica” de 2 milhões de reais, em dinheiro vivo, comunicada pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) ao Ministério Público, nas contas de seu filho Fernando Sarney e da mulher dele, Teresa Cristina Murad Sarney, às vésperas do segundo turno das eleições para o governo do Maranhão. O dinheiro deveria turbinar a campanha de Roseana Sarney, 55 anos, hoje no PMDB de José Sarney, que tentava voltar ao Palácio dos Leões. Ela acabaria derrotada por Jackson Lago, um pedetista histórico, num dos resultados mais espetaculares daquelas eleições.

A família estava de novo sob a lupa da PF. Em janeiro de 2008, havia saído uma ou outra coisa na imprensa. A partir daí, tudo corre em segredo de Justiça. Menos para José Sarney. Já em agosto, o senador tem que apelar de novo para os seres superiores, usando todas as suas manobras de sedução – a maior delas, segundo o jornalista Sebastião Nery, o poder infinito de nomear – para livrar da cana seu filho, o empresário Fernando Sarney, 52 anos, comandante do Sistema Mirante, que domina as comunicações no Estado, e mais uma dezena de pessoas, por: formação de quadrilha; crime contra o sistema financeiro e administração pública; falsidade ideológica; fraude em licitação; e evasão fiscal. Falta alguma coisa?

Por seres superiores, entenda os ministros do Superior Tribunal de Justiça. Assim que a polícia pediu a prisão de Fernando, a 18 de agosto, seu advogado, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que está “em todas”, acionado por José Sarney, entrou com pedido de habeas corpus preventivo, concedido antes mesmo do STJ apreciar. O juiz Neian Milhomem Cruz, relator do inquérito na primeira instância na Justiça Federal do Maranhão, que vinha dando apoio ao cerco da polícia e do Ministério Público, negou o pedido e saiu de férias. Em compensação, toda vez que Fernando sai de casa para o trabalho, sua mulher Teresa avisa: “Fernando, não esquece o habeas.” O habeas faz parte do guarda-roupa dele, um adereço, como a gravata.

Investigação ‘vazou’ para Sarney e Fernando – A operação da PF ganhou o nome de Boi Barrica, grupo maranhense de bumba-meu-boi. Revelou um poderoso esquema de corrupção no governo federal. José Sarney acompanhava a investigação passo a passo. Vazamento é com ele mesmo. Ele sabia...

... que o monitoramento desvendou que a São Luís Factoring e Fomento Mercantil Ltda., em nome de sua nora, Teresa Murad Sarney, e João Odilon Soares, diretor financeiro das empresas de Fernando, era apenas uma lavanderia do “grupo criminoso”.

... que tal factoring também maquiava despesas pessoais da família de Fernando. “Uma dança do dinheiro” frenética, com cheques no valor de 1.633.230 reais, 423.994 e outras quantias estratosféricas, com a assinatura de Teresa e Ana Carla, mulher e filha de Fernando – uma verdadeira farra do boi-bumbá.

... que havia uma rede de tráfico de influência sob o comando de seu próprio filho, Fernando Sarney, tendo como principais cúmplices Astrogildo Quental, diretor financeiro da Eletrobrás, estatal que movimenta 6 bilhões de reais por ano; Ulisses Assad, diretor de engenharia da Valec, empresa vinculada ao Ministério dos Transportes responsável pelas obras da ferrovia Norte-Sul, e dois colegas de turma de Fernando no curso de Engenharia Civil da Escola Técnica da Universidade de São Paulo – Gianfranco Perasso e Flávio Barbosa Lima –, que a revista Época viria a chamar de “O grupo da Poli de 78”.

... que esse grupo de alegres rapazes depois passou a contar com o ex-ministro Silas Rondeau, que rodou mas voltou, hoje está no Conselho de Administração da Petrobras.

... que Fernando, sua mulher e o Grupo da Poli movimentam contas não-declaradas ao fisco na China, nos Estados Unidos e nas Bahamas.

A documentação, a troca de e-mails e os grampos telefônicos são fartos, eloqüentes, arrasadores. Provam que Fernando manda e desmanda na quadrilha, que inclui um vasto laranjal de pequenos citricultores, como Marco Antônio Bogéa, motorista de Fernando em Brasília, que leva e traz malas de dinheiro ou envelopes polpudos para os integrantes do bando, sob as ordens do operador Astrogildo Quental.

Quando José Sarney faz um discurso no Senado, dizendo que Belo Monte, no rio Xingu, na terra dos caiapós, vai ser a redenção da Amazônia, pode ficar certo de que, muito antes que as comportas se fechem, a alegre turma de Fernando já entrou em campo, faturando.

(Aviso: A revista Caros Amigos chega às bancas em São Luís na terça-feira, 17, com a matéria completa sobre o poderio e o tráfico de influência da família Sarney no Maranhão e no país)

Um comentário:

Valerio Sobral disse...

ola ze reinaldo, muito boa a materia da caros amigos.
parabéns pelo blog, tem sido uma das minhas fontes de leituras para o blog político que tenho ha mais de 4 anos. está na lista dos meus favoritos.
boa semana.
abraço.