sábado, 4 de abril de 2009

Os Valores Democráticos Prevalecerão para os Maranhenses de Boa Fé

Reproduzo abaixo artigo do Professor José Lemos:

Os Valores Democráticos Prevalecerão para os Maranhenses de Boa Fé

Circula na Internet uma mensagem com o jocoso titulo: “Maranhão: Um Estado que envergonha a Nação!”. Na semana passada o ex-presidente FHC falou que não se deveria transformar o Brasil num Maranhão. O Senador Jarbas Vasconcelos, na sua entrevista à Revista Veja, disse que queriam transformar o Senado num Maranhão.

Contudo, para nós, que tivemos a felicidade de nascer deste lado do planeta, nada mais humilhante do que ler e ouvir isso. A nossa terra passou a ser motivo de pilheria nacional. Sendo um dos Estados mais promissores do Brasil conseguiram transformá-lo num dos mais pobres, espécie de Zimbabwe deste lado do Atlântico. Claro que se tratam de generalizações de comportamentos de alguns que são exceção no Estado.


Naquele infeliz País africano, Robert Mugabe, e sua família, tomaram de assalto o poder e governam o País desde 1980. Por este longo período conseguiram acumular fortuna e mergulhar o País numa pobreza profunda que acomete a grande maioria da sua população. Os assalariados, cuja maioria aufere salários ridículos, têm o poder de compra da sua minguada renda corroído pela maior inflação do mundo, fruto do descaso administrativo de um governo perdulário que utiliza a arrecadação do País para fazer a farra familiar e dos amigos. O descontrole fiscal é causado pelos gastos de um Governo que está ali para utilizar o poder em beneficio próprio, de fazer o privado parasitar o público, de ancorar as suas manias de riqueza, de vaidades e de arrogância sobre os parcos recursos arrecadados a fórceps de uma das sociedades mais pobres do planeta.


Nas últimas eleições presidenciais a oposição esboçou uma reação e conseguiu, de fato, a adesão da maioria da população cansada de ser espoliada por aquela gente. Pois bem, com a devida ajuda da justiça de lá que, contrariando a opinião pública mundial, a oposição e o seu candidato foram esmagados, e ali sim, houve eleição viciada e corrompida que viabilizou a permanência do déspota no poder. Daquela forma se manipula eleição, coagindo eleitores, invadindo a privacidade do voto, inviabilizando a votação em redutos claramente hostis. Não foi porque alguém disse que “vendeu” o seu voto que as eleições foram manipuladas. Isso não existe. Não resiste a uma avaliação ainda que superficial.


O famoso Relatório de Brundtland da ONU, que sintetizou o que foi discutido pelos Chefes de Governo em Oslo, na Noruega em 1987, acerca do que os Países deveriam fazer para buscar o desenvolvimento sustentável, sugeriu, dentre oito itens, que as populações dos Países pobres deveriam ser ouvidas acerca das demandas que lhes eram relevantes. A mensagem daquele Documento era que ninguém teria o direito de decidir acerca do que é bom e prioritário para todos, sobretudo, para aqueles mais carentes. Esta seria uma mensagem direta para políticos que se comportam como o Governante do Zimbabwe, que tem seguidores afinados em todos os Países e, claro, no Brasil.


A leitura atenta daquela recomendação explícita de um relatório técnico sugere que a democracia deve ser radicalizada. Todos, indistintamente, tem como direito definir o próprio destino. Ninguém poderá interferir na vontade da maioria dos cidadãos e cidadãs. A democracia deve ser exercitada em sua plenitude e exaustão.


Para os Estados pobres do Brasil, parece que estes fundamentos não são verdadeiros. Para os pobres do lado de cá já disseram que tipos de casas devem habitar. Para os maranhenses, por exemplo, já foi dito que eles devem morar em casas de taipa porque faz parte da sua cultura. Mas essa foi uma conclusão tirada por quem nunca morou em casa de taipa, e resolveu decidir sobre como as pessoas devem viver, contrariando os preceitos elementares de democracia. Sem consultar os diretamente envolvidos, foi decidido que o Maranhão deveria esquecer que tem vocação agrícola e, por isso, precisava ter todo o aparato institucional e técnico, voltado para essa área, devidamente desmontado.


Esse Relatório da ONU e todos os outros que lhe seguiram, estabelece, que deve haver transparência no uso dos recursos públicos. Aliás, isso nem deveria constar de um documento oficial, tal a sua obviedade. Mas está registrado para lembrar para quem controla esses recursos que eles (os recursos) não lhes pertencem. Que eles (os agentes públicos) estão ali circunstancialmente e por delegação temporária da população. No entanto, quando um Governador deste lado do Brasil resolve radicalizar em transparência, fazendo assinatura ao ar livre e às claras de convênios que envolvem recursos públicos e que deveriam tirar da pobreza (como de fato tiraram mais de 700 mil maranhenses da apartação social em que viviam, segundo dados do IBGE de 2007), vem alguns lhes dizer que aquilo não pode ser feito daquela forma, por se tratar de “abuso de poder político e econômico”. Contudo, o Governador de São Paulo e o Presidente da Republica podem.


Quando os cidadãos e cidadãs motivados pela vontade de mudanças, de definir o próprio destino, acreditando que os preceitos democráticos, que prevêem que sempre deve prevalecer a vontade da maioria, exercitam este direito, alguns poucos vêm e lhes dizem que não souberam escolher o governante e que eles é que sabem quem deve dirigi-los. Para isso lhes tiram quem elegeram e lhes impõem quem havia sido rejeitado pela ampla maioria. Um País em que a palavra de alguém que disse ter vendido o seu voto, e depois desmente, tem mais credibilidade do que a de mais de um milhão de trabalhadores, homens e mulheres de rostos sofridos que, em grande parte, moram em casas de taipa por falta de opção e não porque gostem, que não têm água encanada nem local adequado para destinar os dejetos da família, que foram deixados por aqueles que querem voltar ao poder por vias escusas com 4,5 anos de escolaridade e que tem renda monetária insuficiente, porque lhe tiraram os meios de produzir. Não podemos concordar com o que circula na Internet. Tão pouco com o que querem nos impor. Este é um bom combate, que será vencido por vias democráticas, do qual apenas nos arredaremos com a vitória dela. A democracia.

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José Lemos é Engenheiro Agrônomo e Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. lemos@ufc.br. Autor do Livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre”.

Um comentário:

Anônimo disse...

REVISTA VEJA 8/04/2009

Roberto Pompeu de Toledo
O oligarca perfeito

"Há muitos campeões do atraso na política brasileira. Sarney é o campeão dos campeões, tanto por antiguidade quanto, sobretudo, por mérito'
"Sarney!, Sarney!, Sarney!" A multidão na praça grita em coro enquanto o político, no palanque, agita os braços em triunfo. É o começo do filme Maranhão 66, de Glauber Rocha, documentário que registra sangue novo, cheio de boas promessas, no governo do Maranhão. O sangue novo em questão é o do jovem (36 anos) José Sarney de Araújo Costa, que tomava posse no cargo. "O Maranhão não suportava mais o contraste de suas fabulosas riquezas potenciais com a miséria, com a angústia, com a fome, com o desespero", recita o novo governador. A câmera mostra a desolação das casas de pau a pique, seus miseráveis habitantes zanzando pelas ruas de terra. "O Maranhão não quer mais a desonestidade no governo, a corrupção… O Maranhão não quer a violência como instrumento de política. O Maranhão não quer mais a miséria, o analfabetismo, as mais altas taxas de mortalidade infantil." O tom é de anúncio de uma nova era. A câmera mostra prisões desumanas, banheiros sujos, hospitais precários.

Se há um político brasileiro que elaborou inteligentemente o seu projeto, e por isso mesmo pode considerá-lo coroado de êxito, é o senador José Sarney. O projeto, já se adivinha, é o do atraso. O jovem Tancredi, personagem do romance O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa, traduzia o mesmo objetivo na célebre frase: "Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude". O atraso à brasileira vai mais fundo. A ideia não é que as coisas fiquem como estão; é que melhorem sempre para os governantes, mesmo que piorem para os governados. Há muitos campeões do atraso na política brasileira. Sarney é o campeão dos campeões, tanto por antiguidade quanto, sobretudo, por mérito.

Como é do conhecimento geral, as promessas de nova era no Maranhão, registradas nos onze minutos do filme de Glauber Rocha, não foram cumpridas. Ao contrário, a já longa era Sarney logrou a proeza de empurrar o Maranhão para a rabeira entre os estados brasileiros, suplantando Piauí e Alagoas. A glória de Sarney, enquanto isso, só fez aumentar, esparramando-se para a parentela. Ao passear por São Luís e outras cidades maranhenses, o visitante deparará com ruas, escolas, hospitais, bibliotecas e edifícios públicos com o nome de José, Marly, Kiola, Roseana e Fernando Sarney; entre um programa e outro da TV Mirante, de propriedade da família, folheará o jornal O Estado do Maranhão, idem; e terminará o périplo com uma chegada ao Convento das Mercês, construção do século XVII doada a uma fundação criada por Sarney para a salvaguarda de seus documentos, livros, objetos, e, ao fim e ao cabo, dele próprio – uma vez que nela está reservado espaço destinado à sua tumba.

Mas não é isso, ou apenas isso, que converte Sarney em campeão dos campeões. O pulo do gato está alhures. Os chefões desse naipe – nossos tradicionais "coronéis" – costumam adotar a prepotência como estilo. Antonio Carlos Magalhães era assim. Sarney, de sua parte, ataca de "homem cordial". Ninguém mais afável. A esse traço acrescenta-se o do literato, membro da Academia Brasileira de Letras. Suas alianças, por essa senda, avançam para abarcar intelectuais e artistas, e foi por aí que Glauber Rocha, já então o maior dos cineastas brasileiros, foi seduzido a fazer o filme de 1966. Enfim, ao homem cordial e ao literato junta-se o estadista. Ele já foi presidente da República; a pose é de impecável cumpridor do que memoravelmente alcunhou de "liturgia do cargo". A capa de homem cordial/literato/estadista cobre o coronel como um jaquetão.

Sarney está na ordem do dia, se é que algum dia saiu dela. Pela terceira vez é presidente do Senado, e sua ascensão ao cargo veio junto com um festival de denúncias, envolvendo a instituição como um todo mas com sua figura insistentemente no centro da ação – quer por sua responsabilidade na prática de nomear diretores da casa em chorrilho, quer pelo fato de ter enviado seguranças do Senado para vigiar propriedades suas em São Luís, ou de ter usado uma diretora da casa em suas campanhas eleitorais. Miudezas. O projeto de transpor o atraso maranhense para as instituições federais está em curso já há décadas, desde que ele ganhou projeção nacional, e não será interrompido. Sarney tem a seu favor a pose, a palavra e uma infalível rede de proteção político-burocrático-social-literária. Vargas Llosa dizia que o PRI, partido que dominou o México na maior parte do século XX, tinha inventado a "ditadura perfeita", com seu jeito de governar incontrastavelmente dando a impressão de que o fazia dentro da ordem institucional. Sarney criou o oligarca perfeito.