Atolado num mar de denúncias de toda ordem desde que assumiu, em fevereiro, a presidência do Senado, pela terceira vez, o senador José Sarney tem pensado em renunciar, segundo revela, em seu artigo de ontem, em O Estado de São Paulo, a colunista Dora Kramer. Segundo ela, é cada vez mais consistente a hipótese de que Sarney só resolveu disputar o cargo – depois de negar diversas vezes que não o faria - para dar 20 meses de mandato de governadora à filha Roseana e livrar a pele do filho Fernando, que responde a inquérito na Polícia Federal, por sonegação fiscal e formação de quadrilha, dentre outras acusações.
A possível renúncia de Sarney estaria vinculada à preocupação dele com a biografia política, mas o gesto, na visão de amigos, ao contrário de melhorar sua imagem diante da história poderia muito mais transformá-la numa peça digna da lata de lixo com que a opinião pública execra os maus políticos.
A jornalista conclui sua análise prevendo que, dificilmente Sarney se sairá bem dessa sua empreitada. “O senador Sarney não tem outra saída: é investir na recuperação da credibilidade sob a orientação do seguinte lema: não se pode fazer tudo errado e, no fim, esperar que dê tudo certo”.
Eis o artigo de Dora Kramer:
“Com a renúncia na cabeça”
“O semblante carregado do presidente do Senado, José Sarney, expressa o desconsolo que lhe assola o espírito desde os primeiros dias da crise que coincidiu com o início de seu mandato. Incumbência pesada que, segundo confessou aos mais íntimos, já cogitou abandonar antes do prazo regulamentar de dois anos.
“Se foi um impulso momentâneo ou um plano a ser executado a qualquer momento, fato é que Sarney há cerca de 20 dias começou a dar razão aos que o aconselhavam a ignorar fosse qual fosse a motivação - de ordem pessoal, familiar, política ou partidária - para concorrer à presidência do Senado.
“Arrependido por ter deixado de lado o projeto de se eleger presidente da Academia Brasileira de Letras para, pela terceira vez em 14 anos, presidir o Senado, externou a vontade de renunciar. Ao cargo, ao mandato de senador, à carreira política.
“Quando falou no assunto, referiu-se aos 80 anos de idade a serem completados no dia 24 de abril de 2010. Não deixou claro se marcava data para o gesto pretendido ou se apenas considerava imerecida tal desventura a essa altura da vida.
“Os 50 anos de vida pública lhe deram experiência e discernimento suficientes para perceber o tamanho do estrago. O Senado no chão e ele pagando a maior parte da conta sem ter como resolver o problema.
“Por isso, ao dizer que pensava na renúncia como uma saída, avaliava que se candidatar à presidência foi um passo errado que o levou a perder o capital político de uma carreira que pretendia encerrar em alta.
“Primeiro, havia sonhado em coroar a trajetória com a presidência da Academia Brasileira de Letras, nos 100 anos da ABL. Faria, aí, sua opção preferencial pela literatura. Enquanto se manteve fiel a esse projeto, José Sarney rejeitou toda e qualquer possibilidade de ser candidato a presidente do Senado. Dizia isso aos correligionários, mas também à família e aos amigos até novembro do ano passado.
“Em dezembro, mudou. A alguns, para os quais havia dito que não disputaria, comunicou a mudança com a seguinte frase: O destino me leva à política. O destino, no caso, foi entendido como a percepção de que na presidência do Senado Sarney poderia ajudar dois dos seus três filhos: Fernando, com problemas na Polícia Federal, e Roseana, envolvida no embate judicial que afinal cassou Jackson Lago e deu a ela o mandato de governadora do Maranhão.
“Estava, porém, escrito outro tipo de sina bem menos venturosa. A crise no Parlamento estourou logo na estreia e Roseana assumiu em meio às enchentes que desabrigaram milhares de pessoas e devastaram o Estado, cuja recuperação demanda muito mais tempo que os 20 meses de mandato herdados por decisão da Justiça.
“Posto o arrependimento em virtude da consumação dos piores fatos, os mesmos que haviam aconselhado Sarney a esquecer a presidência do Senado no mês passado lhe disseram para tirar da cabeça essa história de renúncia.
“Primeiro, porque a primeira loucura (de presidir o Senado) não poderia ser consertada com outra maior. Em segundo lugar, se a preocupação de José Sarney é com a biografia, a rendição na adversidade não seria a melhor contribuição à História.
“Agora, na opinião dos amigos, o senador Sarney não tem outra saída: é investir na recuperação da credibilidade sob a orientação do seguinte lema: não se pode fazer tudo errado e, no fim, esperar que dê tudo certo”.
(Dora Kramer – O Estado de São Paulo)
A possível renúncia de Sarney estaria vinculada à preocupação dele com a biografia política, mas o gesto, na visão de amigos, ao contrário de melhorar sua imagem diante da história poderia muito mais transformá-la numa peça digna da lata de lixo com que a opinião pública execra os maus políticos.
A jornalista conclui sua análise prevendo que, dificilmente Sarney se sairá bem dessa sua empreitada. “O senador Sarney não tem outra saída: é investir na recuperação da credibilidade sob a orientação do seguinte lema: não se pode fazer tudo errado e, no fim, esperar que dê tudo certo”.
Eis o artigo de Dora Kramer:
“Com a renúncia na cabeça”
“O semblante carregado do presidente do Senado, José Sarney, expressa o desconsolo que lhe assola o espírito desde os primeiros dias da crise que coincidiu com o início de seu mandato. Incumbência pesada que, segundo confessou aos mais íntimos, já cogitou abandonar antes do prazo regulamentar de dois anos.
“Se foi um impulso momentâneo ou um plano a ser executado a qualquer momento, fato é que Sarney há cerca de 20 dias começou a dar razão aos que o aconselhavam a ignorar fosse qual fosse a motivação - de ordem pessoal, familiar, política ou partidária - para concorrer à presidência do Senado.
“Arrependido por ter deixado de lado o projeto de se eleger presidente da Academia Brasileira de Letras para, pela terceira vez em 14 anos, presidir o Senado, externou a vontade de renunciar. Ao cargo, ao mandato de senador, à carreira política.
“Quando falou no assunto, referiu-se aos 80 anos de idade a serem completados no dia 24 de abril de 2010. Não deixou claro se marcava data para o gesto pretendido ou se apenas considerava imerecida tal desventura a essa altura da vida.
“Os 50 anos de vida pública lhe deram experiência e discernimento suficientes para perceber o tamanho do estrago. O Senado no chão e ele pagando a maior parte da conta sem ter como resolver o problema.
“Por isso, ao dizer que pensava na renúncia como uma saída, avaliava que se candidatar à presidência foi um passo errado que o levou a perder o capital político de uma carreira que pretendia encerrar em alta.
“Primeiro, havia sonhado em coroar a trajetória com a presidência da Academia Brasileira de Letras, nos 100 anos da ABL. Faria, aí, sua opção preferencial pela literatura. Enquanto se manteve fiel a esse projeto, José Sarney rejeitou toda e qualquer possibilidade de ser candidato a presidente do Senado. Dizia isso aos correligionários, mas também à família e aos amigos até novembro do ano passado.
“Em dezembro, mudou. A alguns, para os quais havia dito que não disputaria, comunicou a mudança com a seguinte frase: O destino me leva à política. O destino, no caso, foi entendido como a percepção de que na presidência do Senado Sarney poderia ajudar dois dos seus três filhos: Fernando, com problemas na Polícia Federal, e Roseana, envolvida no embate judicial que afinal cassou Jackson Lago e deu a ela o mandato de governadora do Maranhão.
“Estava, porém, escrito outro tipo de sina bem menos venturosa. A crise no Parlamento estourou logo na estreia e Roseana assumiu em meio às enchentes que desabrigaram milhares de pessoas e devastaram o Estado, cuja recuperação demanda muito mais tempo que os 20 meses de mandato herdados por decisão da Justiça.
“Posto o arrependimento em virtude da consumação dos piores fatos, os mesmos que haviam aconselhado Sarney a esquecer a presidência do Senado no mês passado lhe disseram para tirar da cabeça essa história de renúncia.
“Primeiro, porque a primeira loucura (de presidir o Senado) não poderia ser consertada com outra maior. Em segundo lugar, se a preocupação de José Sarney é com a biografia, a rendição na adversidade não seria a melhor contribuição à História.
“Agora, na opinião dos amigos, o senador Sarney não tem outra saída: é investir na recuperação da credibilidade sob a orientação do seguinte lema: não se pode fazer tudo errado e, no fim, esperar que dê tudo certo”.
(Dora Kramer – O Estado de São Paulo)
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