sábado, 12 de dezembro de 2009

A Mordaça Ignorada

Apegado ao formalismo jurídico, e decidindo como se fosse apenas um tribunal de quarto grau de jurisdição, e não uma corte constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF) perdeu oportunidade histórica para afirmar a incolumidade do mais importante princípio singular das sociedades abertas - a liberdade de informar - que lhe incumbe salvaguardar em última instância. Prendendo-se a ritos processuais, o que é comum nas instâncias inferiores do Judiciário, a Corte arquivou, por 6 votos a 3 - sem que a maioria entrasse no mérito da questão -, recurso apresentado por este jornal contra o ato do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que o proibiu de continuar publicando informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. O alvo principal do inquérito é o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado e responsável pelos negócios da família. A censura prévia foi imposta em julho, em caráter liminar, a pedido do empresário, que alegou invasão de privacidade.

O recurso - reclamação - sustentava que o TJDF, ao amordaçar o jornal, descumpriu decisão do próprio Supremo, que em abril deste ano derrubou a Lei de Imprensa, instituída em 1967 pelo regime militar, e consagrou o direito irrestrito à liberdade de informar e de ser informado. Na ocasião, a posição do STF foi inequívoca e deu aos advogados a segurança jurídica que tanto reivindicavam, em matéria de direito da comunicação. "Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário", definiu a Corte. Tratava-se, portanto, de fazer valer a sua decisão. Mas o relator da reclamação, ministro Cezar Peluso, relegando para segundo plano a questão maior do princípio constitucional da liberdade de comunicação, entendeu que o instrumento era inadequado porque o TJDF não se baseou na Lei de Imprensa quando acolheu a ação de Fernando Sarney. A lei citada foi a de Interceptações Telefônicas. Votaram com Peluso os ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Eros Grau, José Antonio Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Discordaram dele os ministros Celso de Mello, Carlos Ayres Britto e Cármen Lúcia.

Desse modo, o STF se dividiu em partes desiguais entre os que privilegiaram uma preliminar - a da pertinência da reclamação - e os que focalizaram o tema substantivo das liberdades fundamentais asseguradas pela Constituição. "Nada autoriza o juiz a exercer esse poder de censura prévia a nenhum jornal", argumentou, por exemplo, Ayres Britto. Para ele, o TJDF valeu-se indiretamente da Lei de Imprensa, porque essa seria "a única base legal" para a sua decisão. O seu colega Lewandowski disse concordar com ele no mérito - o primado da liberdade de expressão. Admitiu, porém, que não conseguia "ultrapassar a questão preliminar". Numa defesa apaixonada dos direitos fundamentais, pondo a questão dos princípios à frente das tecnicalidades processuais, Celso de Mello qualificou a decisão do TJDF de "discriminatória, além de arbitrária e inconstitucional".

Ele considerou "particularmente grave e profundamente preocupante que ainda remanesçam no aparelho de Estado determinadas visões autoritárias que buscam justificar, pelo exercício arbitrário do poder geral de cautela, a prática ilegítima da censura". Antes dele, o ministro Gilmar Mendes tocara no assunto ao afirmar que direitos invioláveis, como o da honra e da privacidade, devem ser protegidos contra "lesão ou ameaça de lesão". Ayres Britto contrapôs que "o artigo 5º da Constituição não fala em ameaça de lesão, não autoriza censura prévia". Mendes insistiu na tese de que "o direito de imprensa suporta limitações", citando o episódio da Escola Base, em São Paulo, que teve de fechar as portas depois que os seus diretores foram expostos na mídia sob a falsa acusação de abusar dos alunos. Ele lamentou que à época a Justiça não tivesse restringido a imprensa. Retrucou Britto: "Não é pelo temor do abuso que se vai proibir o uso."

Esse é o problema de fundo de que o Supremo deveria se ocupar - a afirmação dos princípios fundamentais da Constituição. Ante dele, era absolutamente secundário saber se foi ou não formalmente apropriado o meio escolhido por este jornal para contestar a censura prévia que o atinge há 134 dias. O nervo da questão é o que foi dissecado por Britto. "Não há no direito brasileiro", ensinou, "norma ou lei que chancele poder de censura à magistratura."

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3 comentários:

GUSTAVO LOPES disse...

É triste, a realidade da "justiça" no Brasil e em especial no Maranhão.
A proteção das altas cortes é no minimo suspeita ao filho do presidente do senado Jose Sarney é a prova incontestável que a lei não esta sendo igual para todos.
Na justiça eleitoral vimos claramente que não temos direito ao voto, elegemos um e o governo foi para a candidata derrotada no Maranhão. Queriam ou tinham planejado fazer essa mesma farra no interior com os "governos biônicos" pelo menos aqui na baixada eles se deram mal, os prefeitos deposto estão de volta. Só falta a biônica cair "para o povo sair da merda" como disse o presidente

Pauo Moraes de Freitas disse...

Caro Jose Reinaldo, aprecio todos seus artigos, será que nossa liberdade de expressão esta com os dias contado?

1 forte abraço ( estamos juntos em dois mil e dez)

Unknown disse...

Leia o blog www.sofaloaverdade.blogspot.com
esse é diferente.