domingo, 29 de junho de 2008

Feira da Agricultura Familiar Como Instrumento de Desenvolvimento Rural

Reproduzo abaixo artigo do Professor José Lemos:

Feira da Agricultura Familiar Como Instrumento de Desenvolvimento Rural

Nesta semana tive a grata satisfação de receber convite de membros do Governo do Ceará para participar, como palestrante, de um evento que acontecerá em Fortaleza no próximo dia 3 de julho. O tema do encontro é “Feira da Agricultura Familiar como Instrumento de Desenvolvimento Rural Sustentável”. A mesa em que serei expositor também terá como conferencista o atual Secretário de Estado de Agricultura, que foi meu estudante e bolsista quando ele fazia o curso de Agronomia na Universidade Federal do Ceará (UFC). Fui convidado para fazer uma abordagem teórica do tema, haja vista que sou professor de Desenvolvimento Rural, mas também para relatar a experiência que desenvolvemos no Maranhão quando, na condição de Secretário de Agricultura do Governo Zé Reinaldo, em 3 de junho de 2006, iniciamos uma feira de Agricultura Familiar no João Paulo, no pátio da Casa da Agricultura Familiar (CAF).

Aquela foi uma das melhores experiências que tive quando fui Secretário de Estado no Maranhão. A feira era um dos sonhos acalentados por um grupo de agricultores familiares assistidos pela Secretaria de Agricultura por meio da CAF, e que tinham dificuldades em comercializar os seus produtos a preços remuneradores. Eles sempre entregavam a sua produção a intermediários, nem sempre escrupulosos, sobretudo porque sabem da alta perecibilidade de bens agrícolas. A feira seria a alternativa de comércio justo para aqueles agricultores familiares, e por isso concordamos de imediato com a idéia.

Tínhamos o pátio frontal da sede da CAF do João Paulo que os técnicos que ali trabalhavam identificaram como um local estratégico e ideal, porque fica próximo à feira daquele bairro. Solicitamos do SEBRAE um treinamento sobre empreendedorismo para os então candidatos a feirantes. Concluído o treinamento, decidimos pela padronização das barracas e que cada uma delas deveria ter três pessoas: uma seria responsável pela venda dos produtos e não teria contato com dinheiro. Outra receberia o dinheiro, mas não tocava nos produtos. A terceira abasteceria a barraca com mercadorias, à medida que iam sendo vendidas as expostas, e também não manipulava dinheiro. Buscava-se assim higiene e organização a um só tempo. Fizemos também jalecos padronizados e brancos, que eram lavados depois de cada feira, que se realizava aos sábados pela manhã. Dentre os feirantes havia um poeta-repentista. Por isso colocamos um serviço de som para animar todos na feira. Os produtos deveriam ter os preços entre 10% e 20% abaixo da média daqueles praticados na feira do João Paulo. Para obter as médias, duas funcionarias da CAF iam, ainda de madrugada, para a feira do João Paulo fazer os levantamentos que balizariam os nossos preços do dia. Aqueles preços médios serviam como referências para serem os tetos dos preços a serem praticados na nossa feira. Os resíduos da feira eram coletados seletivamente, sendo o lixo orgânico destinado para a produção de composto (adubo orgânico) que seria utilizado pelos agricultores nas suas roças.

No dia 5 de agosto de 2006, com dois meses de feira funcionando regularmente, colocamos estudantes universitárias para fazer pesquisa em amostra de 130 usuários da feira e junto aos feirantes. Almejávamos conhecer o perfil dos compradores e avaliar o seu grau de satisfação com a feira. Adicionalmente, queríamos aferir como estava o faturamento semanal dos feirantes. Os resultados não poderiam ter sido melhores. Alguns deles vamos mostrar agora. A renda média semanal dos feirantes nas cinco feiras anteriores àquela foi de R$ 402,23, com pico de R$ 1.205,00. Na média cada família faturava R$ 1.600,00 por mês ou 4,6 salários mínimos, cujo valor em 2006 era de R$ 350,00.

Pelo lado dos consumidores, também investigamos o grau de satisfação com a qualidade dos produtos, preço, formato das barracas, higiene dos produtos e dos feirantes. Em relação à higiene, por exemplo, 95% qualificou de boa a excelente. Os preços da nossa feira eram mais baratos que aqueles praticados em supermercados e em outras feiras de São Luis para 65% dos entrevistados. O extrato de renda modal (de maior freqüência) dos compradores da feira ficou entre um e cinco salários mínimos, com um percentual de 80%. Este dado mostra que a feira também cumpria um papel social importante ao disponibilizar para um grupo de baixa renda produtos frescos e de qualidade. O sucesso foi tanto que tínhamos demandas de vários interiores do Estado para implantar feiras semelhantes. São estes resultados interessantes que relatarei na próxima quinta-feira, 3 de julho, para uma platéia que está ávida em saber acerca das potencialidades deste instrumento de desenvolvimento rural. Claro que como acadêmico irei teorizar na minha explanação, mas as teorias serão ancoradas nos dados consistentes que obtivemos naquele ano de 2006.

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José Lemos é Engenheiro Agrônomo e Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. lemos@ufc.br. Autor do Livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre”.

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