domingo, 11 de janeiro de 2009

Brasil Mais Assimétrico Apesar das Transferências de Renda

Reproduzo abaixo artigo do Professor José Lemos:

Brasil Mais Assimétrico Apesar das Transferências de Renda

O Brasil é um país de contrastes marcantes, em que não se vislumbra sinais de mudanças capazes de as atenuarem. Já mostramos em trabalhos anteriores as grandes assimetrias na disseminação da exclusão social, que tem um fortíssimo sotaque nordestino, um matiz definido de cor da pele e um viés por sexo. As mulheres são as mais penalizadas, assim como são os negros. Nestes dois últimos casos, gênero e cor da pele, a pobreza é implacável e dissemina-se por todo o Brasil, independendo do sotaque.

A recente divulgação do IBGE dos produtos agregados e per capita dos estados, municípios e regiões brasileiras referentes ao ano de 2006, juntamente com aqueles da PNAD de 2007 ajudam a consolidar as análises acerca da distribuição da renda no Brasil. Confrontam-se essas informações com aquelas de 2002, haja vista que o programa Bolsa Família, do atual Governo, iniciou-se em 2003. A atual política de transferências de renda, de fato, unificou e ampliou os programas já instalados no Governo passado. As rendas dos segmentos mais pobres também provêm de pensões e aposentadorias. Este conjunto de rendimentos constitui a “rede de proteção social”. Quando há desenvolvimento econômico sustentado o normal é que essas rendas passem a ter uma participação relativa bem menor.

De acordo com o IBGE o PIB anual per capita no Brasil em 2006 foi de R$ 12.688,28 ou três salários mínimos do ano. Este valor pouco informa acerca das reais condições de vida dos brasileiros, dados os valores que gravitam em seu entorno. Num extremo, Guaribas, no Piauí, teve o menor PIB médio anual do Brasil, cujo valor foi de R$ 1.368,35, equivalente a apenas 32,6 % do salário mínimo, que naquele ano era de R$ 350,00 ao mês ou R$ 4.200,00 ao ano. No outro extremo está o município de Araporã, em Minas Gerais, que em 2006 teve o maior PIB per capita anual do Brasil, da magnitude de R$ 261.004,60, ou o equivalente a 62 salários mínimos. Neste valor cabem 191 PIB médios de Guaribas, o que, convenhamos, se trata de uma grande discrepância. Além disso, em 4.789 municípios (86%) o PIB per capita estava abaixo da média brasileira. Nesses municípios viviam 63% da população que se apropriou de apenas 34% do PIB de 2006. Esta assimetria da distribuição do PIB no Brasil se reflete nas regiões, estados e municípios.

Para 2006 o IBGE contabilizou a existência de 5.563 municípios no Brasil. Em 1.974 (36%) desses municípios o PIB per capita era inferior a um salário mínimo. A maioria estava no Nordeste. Nesses municípios viviam 34,9 milhões de pessoas, equivalentes a 19% da população total, e que se apropriaram de apenas 4,6% do PIB brasileiro em 2006.

Se ampliarmos o horizonte de análise para os municípios cujo PIB per capita era menor do que dois salários mínimos, observaremos que em 2006 existiam 3.715 municípios nesta condição, ou 67% do total. O Nordeste tinha 1.713 dos seus 1.793 municípios neste grupo. Ou seja, 46% dos municípios brasileiros que tem PIB médio menor do que dois salários mínimos são nordestinos. Além disso, 96% dos municípios da região tem PIB per capita menor do que dois salários mínimos. No Nordeste, como se sabe, está o maior percentual de beneficiados com o Programa de Bolsa Família.

Comparando estes resultados com aqueles de 2002, observa-se que houve um incremento, em 2006, de municípios com renda per capita menor do que dois salários mínimos. De fato, 3.233 ou 58% dos 5.559 municípios que existiam no Brasil em 2002 tinham PIB per capita inferior a dois salários mínimos. A população que sobrevivia naqueles municípios era de 59,7 milhões de pessoas ou 34% do total do Brasil. Em 2006 a população que sobrevivia em municípios com PIB médio inferior a dois salários mínimos era de 77,6 milhões de pessoas que representavam 42% da população brasileira. Portanto, um incremento expressivo tanto absoluto como relativo da população brasileira que vive nos municípios de PIB médio inferior a dois salários mínimos entre 2002 e 2006.

Contudo, a informação adicional que corrobora com esta assertiva de que a política de transferência de renda do Governo Federal não tem contribuído para elevar a renda dos estratos inferiores é extraída das PNAD de 2002 e de 2007. Em 2002 calculou-se que 32,5% (56,4 milhões) da população brasileira vivia em domicílios cuja renda total era de no máximo dois salários mínimos. Em 2007 este percentual incrementou para 35,5% (67,4 milhões de pessoas). Assim, 11 milhões de brasileiros “migraram” das faixas de renda superiores a dois salários mínimos para aquele segmento inferior. A renda per capita mensal neste caso é estimada em apenas R$ 133,87. Estes dois resultados, o acréscimo de municípios com PIB médio inferior a dois salários mínimos entre 2002 e 2006 e do percentual de domicílios cuja renda era de no máximo dois salários mínimos entre 2002 e 2007 sugerem que a política de transferência de renda não está conseguindo criar condições para os beneficiários saírem do programa. Políticas desse tipo devem absorver as pessoas carentes num curto e definido período de tempo, e devem ser criados empregos capazes de absorverem essa gente. Como está, provavelmente, as famílias que entram no programa jamais sairão. Este fato, adicionado à assimetria na apropriação da renda no Brasil é incompatível com a construção de um circulo virtuoso de desenvolvimento sustentado.

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José Lemos é Engenheiro Agrônomo e Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. lemos@ufc.br. Autor do Livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre”.

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