quinta-feira, 4 de março de 2010

Verdades Inconvenientes

Se for preciso comprar brigas que ninguém mais compra e se eu julgar que é o caso, vou nessa: vou enchendo a sacola sem pestanejar. Muitas vezes, os meus leitores — os que gostam do blog; não os vagabundos — discordam de mim. É parte do jogo. NÃO ESPERO QUE CONCORDEM SEMPRE COMIGO. O que espero, caso discordem, é que contestem os meus argumentos.

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que a tal “lista suja” vai para a Internet. Ou por outra: a ficha criminal dos candidatos estará na rede. A política está cheia de sujeira? Está, sim. Há um monte de malandros nessa atividade? Nem diga! Há desrespeito com o dinheiro público? Há! Existe alguma maneira de resolver isso de modo definitivo e zerar as falcatruas? Existe! UMA DITADURA VIRTUOSA, EXERCIDA POR UM TIRANO DE SIRACUSA (pesquisem) DOS TEMPOS MODERNOS. Mas esperem… Uma tirania pode ser virtuosa? Não pode! Então o que fazer? Seguir as regras do estado democrático e de direito. Pode ser chato, sei disso, mas é a melhor garantia de civilização.

Uma nota sobre o TSE antes que continue. O tribunal se transformou numa pequena câmara legislativa no que concerne a eleições; às vezes, com poderes verdadeiramente ditatoriais e contra a Constituição! Ou não foi esse tribunal que andou cassando governadores — até aí, se era justo, vá lá… — E ENTREGANDO O PODER AO SEGUNDO COLOCADO, GENTE QUE NÃO FOI ELEITA PELO POVO? Sim! Com longas perorações do ministro Ayres Britto no jornal, o TSE entendeu que, em certas circunstâncias, a democracia comporta “DOAR” o poder a quem perdeu a eleição… Justiça que age assim é bastarda. Mas esse particular é só uma digressão sobre a fúria legiferante de quem é pago para julgar, não para legislar. Volto ao caso da ficha suja.

ARGUMENTO UM

Quando todas as fichas estiverem na Internet, lá estarão listados, certamente, todos os processos a que os candidatos respondem. Alguém poderia dizer, e acho um argumento razoável, que cumpre ao eleitor decidir se aquilo é ou não relevante. Compreendo, mas discordo. Até que não haja uma condenação — e, se os processos são longos, não será assim que se vai resolver esse particular —, vale, na sociedade, a presunção da inocência. De fato, a presunção da inocência é um apanágio do estado democrático e de direito. ELA EXISTE, ORIGINALMENTE, PARA PROTEGER OS INDIVÍDUOS DO RISCO DA OPRESSÃO DO ESTADO — se não do estado propriamente, de seus agentes.

E agora a pergunta-argumento: SE A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA TEM PLENA VIGÊNCIA NA SOCIEDADE, TERÁ ELA VIGÊNCIA REDUZIDA NA JUSTIÇA ELEITORAL? Terá a Justiça Eleitoral se convertido, agora, numa “justiça de exceção”, num “tribunal discricionário”? Pior: não podendo optar pela sanção legal, opta por uma forma de clamor popular. Argumento associado: o eleitor “livre” para decidir é menos livre se nos lembrarmos que não domina as minúcias de um processo, seus motivos, como ele nasce etc.

ATENÇÃO: se forem contestar este “Argumento Um”, procurem evitar o “MEGA” (Método Elio Gaspari de Argumentação), que consiste em reconhecer, implicitamente, que a coisa pode não seguir a boa norma, mas ajuda a fazer justiça. Charles Lynch descobriu isso antes de Gaspari…

ARGUMENTO DOIS

Nem vocês nem eu ignoramos que, Brasil afora, infelizmente, a Justiça e o Ministério Público acabam se deixando vincar por disputas que, muitas vezes, são paroquiais. Mais grave do que a “paróquia” regional, é a paróquia ideológica, que — e vemos isso todos os dias — acabam, não raro, se transformando em ações na Justiça, “sujando a ficha” do candidato. Para o eleitor, que não é especialista em direito, não haverá diferenças e nuances.
DESDOBRAMENTO ÓBVIO - Uma boa maneira de tentar impedir ou interromper a carreira política de um adversário será inviabilizá-lo judicialmente — já que, pelo voto, seria impossível. Se querem saber, a pressão da tal Associação dos Magistrados Brasileiros em defesa do veto aos “fichas-sujas” é evidência de uma certa corrosão de princípio. Que a CNBB defenda a tese, vá lá. Seu negócio é, ou deveria ser, religião. Há lá muitos bispos de primeira linha. Mas há quem não consiga chegar ao quinto verso do “Pai Nosso”…

ARGUMENTO TRÊS

Não sei, não… Mas, a depender do critério, duvido que Lula, Serra ou Dilma pudessem ser considerados “fichas-limpas”, uma vez que a indústria de ações judiciais é robusta. Será que os grandes artífices e beneficiários do mensalão do PT, por exemplo, eram “fichas-sujas”? Genoino, por exemplo, tinha “ficha suja” nos tais “órgãos de repressão”, mas isso fez dele um herói. A criminal, creio, era exemplar. Acho que até a de José Dirceu era limpa. Muitos dos vagabundos do mensalão candango (*) talvez fossem verdadeiras ovelhas criminais. Não obstante…

(*)NOTA - chamo o mensalão do PT de “mensalão do PT” porque os petistas mensaleiros continuam no partido. Não chamo o mensalão candango de “mensalão do DEM de Brasília” porque os mensaleiros saíram do partido para não ser expulsos. O critério não lhes parece bom?
Concluo
Sei bem que o mais simpático é defender o tal projeto da “ficha suja” porque ele parece inclemente e moralizador. Mas sou aquela pessoa estranha, lembram-se: quando concordo, digo “sim”; quando discordo, digo “não”. Para mim, maioria não é critério para estabelecer a verdade. É por isso que é a Terra que gira em torno do Sol, não o contrário.

É claro que precisamos de políticos decentes etc e tal. Mas é bom tomar cuidado com esse espírito de Savonarola. Essa fome saneadora liquidou a elite política italiana. Sobrou Berlusconi. Que descobriu uma maneira de transformar a ficha suja num ativo eleitoral.

Não se vai moralizar a política com uma ação que agride princípios do estado de direito. Nenhum político vai recorrer da decisão, é óbvio, porque isso seria considerado antipático. Seria um verdadeiro suicídio. Uma processo eleitoral que se torna refém de um erro para não contrariar a opinião pública não faz justiça, mas chicana.

Pronto! Podem bater à vontade. O couro é duro.

Por Reinaldo Azevedo

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