R$ 500 mil foram parar em firmas com endereços ‘fictícios’
R$ 30 mil desceram às arcas de uma TV e rádios da família
Num instante em que o grupo de José Sarney se une à oposição para mudar de assunto –em vez de Senado, CPI da Petrobras—os dois temas se misturam.
Descobriram-se indícios de que uma fundação privada criada pelo presidente do Senado desviou recursos recebidos da Petrobras.
A entidade se chama Fundação José Sarney. Funciona em São Luís. Administra um museu com documentos e peças do período em que Sarney presidiu o Brasil.
Deve-se a descoberta dos novos malfeitos aos repórteres Rodrigo Rangel e Leandro Colon. Levaram a notícia às páginas do Estadão.
Informam que a Petrobras repassou à fundação de Sarney, em 2005, R$ 1,3 milhão.
Dinheiro repassado a título de patrocínio.
Para quê? “Processamento técnico e automação do acervo bibliográfico” do museu de Sarney. Numa palavra: digitalização.
Conta a notícia que parte da verba foi malversada. Um pedaço, R$ 500 mil, foi parar nas contas de firmas de endereços fictícios.
Outro pedaço, R$ 30 mil, foi às caixas registradoras da TV Mirante e de duas rádios maranhenses: Mirante AM e Mirante FM. Todas pertencentes à família Sarney.
Os repórteres manusearam notas e recibos. Visitaram endereços de firmas que a fundação Sarney diz ter contratado. Eis alguns dos achados:
1. Parte da “comprovação” de despesas –R$ 145 mil— foi feita por meio de recibos da própria Fundação Sarney.
Um dos recibos (R$ 35 mil), é assinado por Raimunda Santos Oliveira. Anota: “Serviços [...] de elaboração do projeto de preservação e recuperação do acervo”.
Ouvida, Raimunda diz ter trabalhado na fundação entre 1990 e 1995, dez anos antes do patrocínio petroleiro.
E quanto ao recibo? "Não sei do que você está falando."
2. Chama-se Ação Livros e Eventos uma das empresas contratadas pela fundação. Uma das sócias é mulher de Antônio Carlos Lima, conheido como “Pipoca”.
Vem a ser ex-assessor de Roseana Sarney. Hoje, assessora o ministro Edison Lobão (Minas e Energia), apadrinhado de Sarney e superior hierárquico da Petrobras.
A Ação emitiu 34 notas. Coisa de R$ 70 mil. Têm números sequenciais. Algo que indica que a fundação era sua única cliente.
Ouvida, Alci Maria Lima, uma das sócias da mulher de “Pipoca” na empresa, disse desconhecer a natureza dos serviços prestados:
"Eu assinei o recibo, mas não sei o que foi que a empresa fez, não."
3. Outra empresa que prestou “serviços à fundação de Sarney foi a Clara Comunicação. Pertence a Félix Alberto Lima, irmão de “Pipoca”.
As notas fiscais emitidas pela Clara somam R$ 103 mil. Félix diz que sua empresa divulgou atividades da fundação. Qual a ligação com o projeto da Petrobras?
Primeiro, Félix disse que não sabia explicar. Depois, informou que a divulgação referia-se ao projeto custeado pela estatal.
4. Centro de Excelência Humana Shalom, eis o nome de outra empresa contratada pela fundação do presidente do Senado.
Informa-se que prestou “serviços de consultoria”. Recebeu R$ 72 mil. Sua sede localiza-se na casa de uma professora chama Joila Moraes, em São Luís.
"A empresa é de um amigo meu, mas nunca funcionou aqui”, disse Joila aos repórteres. “Eu só emprestei o endereço".
A professora Joila é irmã de Jomar Moraes, que integra o Conselho Curador da Fundação José Sarney.
5. A MC Consultoria, outra prestadora de “serviços”, recebeu da Fundação Sarney R$ 40 mil.
Nos arquivos da Receita, o endereço da MC fica num prédio cujos funcionários, inquiridos, disseram jamais ter ouvido falar na logomarca.
6. A fundação de Sarney usou algo como R$ 15 mil do montante recebido da Petrobras para realizar pagamentos a um restaurante localizado na rua do museu.
Serviu para o custeio de marmitas. Valor unitário: R% 4,50. Quantidade de quentinhas: 3 mil.
Previa-se que o projeto bancado com dinheiro da estatal estaria concluído em 2007. O patrocínio encontra-se em fase de prestação de contas.
Tomada pelo plano original, a iniciativa deveria ter dotado o museu da Fundação Sarney de um lote de computadores.
As máquinas seriam instaladas nos corredores do museu. Serviriam para que os visitantes consultassem o papelório da época em que Sarney presidiu o país.
Os repórteres visitaram o museu. Fica num antigo convento, assentado no centro histórico da capital maranhense. Não há no local vestígio dos computadores.
A despeito de tudo, a Fuindação Sarney informa que todas as metas previstas no contrato de patrocínio petroleiro foram “cumpridas”.
Para tirar Sarney do foco, Renan ameaça abrir a CPI
“Sarney, ou vocês dão um passo adiante na CPI ou a vítima vai ser você”.
A frase, cochichada por José Agripino Maia, deixou Sarney balançado. O morubixaba do PMDB acabara de assistir a mais um capítulo da crise.
Cenas tragicômicas. Por pouco a coisa não descambara para o pugilato. Tasso Jereissati chegara a levar o dedo ao nariz do ex-boxeador Eduardo Suplicy.
Por um instante, Sarney deixara de ser o epicentro da crise. As ondas sísmicas da política haviam arrastado a Petrobras para o meio do palco do Senado.
A oposição a exigir a instalação da CPI. O governismo a tergiversar. Súbito, Sarney, passos miúdos, desce da mesa da presidência. Desliza os sapatos pelo tapete azul do plenário, em direção à saída.
Antes de ganhar a porta, achega-se ao líder do DEM. Foi quando Agripino aconselhou-o a dar o “passo adiante" rumo à instalação da CPI petroleira.
Vilão da novela do Senado, Sarney tenta ganhar as coxias de fininho. Deseja reter a cadeira de presidente sem o inconveniente dos refletores.
PSDB e DEM lhe ofereceram a chance de modificar o roteiro. Há dois dias, a oposição trocou o bordão ‘fora Sarney’ pelo lema ‘CPI já’.
Impactado pelo comentário de Agripino, Sarney puxou pelo braço um aliado. Foi conversar, a portas fechadas, com o líder do PMDB, Renan Calheiros.
Minutos antes, Renan conversara, também ele, com Agripino. Prosa idêntica. Ou o PMDB ajudava a trocar o cartaz da peça ou a crise continuaria atendendo pelo nome de José Sarney.
Depois de dialogar reservadamente com a "crise", Renan retornou ao plenário. Disse a um senador que comunicaria ao líder do PT, Aloizio Mercadante, uma novidade: concordaria com a instalação da CPI.
Seguiu-se uma reunião de Renan, Mercadante e outros líderes governistas numa sala envidraçada contígua ao plenário. Era noite de quarta (8).
Horas antes, Meradante, fustigado pela oposição, dera a resposta que prometera na véspera. Afinal, o PT iria ou não desbloquear o início da petroinvestigação?
Mercadante recorrera à desconversa: “Não tivemos tempo de tratar do assunto”. Daí o fervor que levaria Jereissati a desafiar os dotes pugilísticos de Suplicy.
Jereissati enxergara “cinismo” nas palavras de Mercadante. Acusara um dois diretores da Petrobras, o petista Wilson Santa Rosa, de "estar usando e abusando" das arcas da estatal.
Dissera que usa a empresa para “fazer política e destinar dinheiro para campanhas eleitorais”. Por essas e outras, acha o grãotucano, o governo levanta o escudo antiCPI.
Suplicy esboçara uma defesa de Santa Rosa. E dera-se o rififi, depois serenado por um pedido de mútuo de desculpas.
Na reunião da saleta envidraçada, os líderes marcaram para as 11h desta quinta (9) uma reunião de todo o consórcio governista.
Autor do pedido de CPI, o tucano Álvaro Dias (PR), que informara sobre a intenção de protocolar um mandado de segurança no STF às 9h, adiou a providência para as 14h.
Antes de bater às portas do Supremo, tucanos e ‘demos’ querem conhecer o resultado do encontro governista.
Alheios aos conchavos insinuados dentro do prédio, manifestantes exibiam numa rua defronte a faixa com os dizeres que o pseudopresidente tenta exorcizar: “Fora Sarney”.
De resto, encaminhava-se para o prelo uma nova e incômoda manchete: “Fundação Sarney desvia recursos da Petrobras (leia texto acima).
A notícia como que injeta Sarney no centro do cartaz de uma peça que a oposição oferecia como alternativa.
A confluência das encrencas decerto levará Renan Calheiros a pisar no freio. Abrindo-se a CPI, Sarney arderá sob holofotes ainda mais inclementes. Não em um, mas em dois palcos simultâneos.
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