Editorial de O Estado de São Paulo:
Transitando entre o impropério e o desatino, um transtornado senador José Sarney desconcertou os seus pares na sessão de segunda-feira da Casa ao investir em plenário contra este jornal por ter divulgado na véspera a história das estranhas transações imobiliárias da família envolvendo uma empreiteira com negócios bem-sucedidos no setor elétrico - onde a influência do senador é notória. A revelação de que a empresa Aracati Construções (rebatizada Holdenn Construções) comprou e mantém registrados em seu nome dois dos três apartamentos usados por membros do clã em um prédio nos Jardins, em São Paulo, literalmente tirou do sério o presidente do Senado. Em um surto de apagão mental, acusou o Estado - entre outras coisas - de adotar "uma prática nazista" - celebrando, de passagem, a inexistência de câmaras de gás no Brasil.
Descomposto, não apenas invectivou o jornal, comparando-o, para tentar desqualificá-lo, ora a um "tabloide londrino", ora a "um velho de fraque e de brincos" - seja lá o que isso signifique -, mas ainda se permitiu repreender os colegas de diferentes partidos que, em entrevistas, cobraram a apuração dos fatos. Deixou o plenário antes de ouvir os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF) pedirem mais uma vez o seu afastamento. "Estamos vivendo um momento em que esta Casa é pior do que o inferno, pelo deboche, pela ridicularização", declarou Simon. "Por que não permitir que o Conselho de Ética faça o levantamento (das relações de Sarney com a mencionada empreiteira)?" Cristovam concordou. "Houve uma denúncia em relação a um personagem e a obrigação da gente é investigar. E a obrigação dele seria pedir a investigação para limpar o seu nome", argumentou.
Os dois senadores defenderam o jornal dos ataques de Sarney. "O Estado de S. Paulo é um patrimônio deste país", assinalou Simon, lembrando já ter sido duramente criticado em suas páginas. "O Estado", disse Cristovam por sua vez, "jamais esteve dentro do bloco ideológico do qual eu me sinto parte, mas não há dúvida de que lutou pela democracia." O desarticulado esperneio de Sarney não teve nem a circunstância atenuante de apresentar alguma contestação objetiva ao teor da reportagem declarada "irresponsável" e "sem provas". Na realidade, denúncias nela veiculadas estão documentadas por declarações textuais dos antigos donos dos apartamentos, com o relato passo a passo das duas operações de venda.
No primeiro episódio, de fevereiro de 2006, o dono do apartamento 22 do edifício Solar de Vila América conta que foi abordado inicialmente por um neto do senador, José Adriano Cordeiro Sarney, filho do deputado Zequinha Sarney. Ele o informou de que o negócio seria acertado por alguém da Aracati - no caso, Maria Rosane Frota Cabral, irmã e sócia do empreiteiro Rogério Frota de Araújo -, que se encontrou com ele, então residente em Porto Alegre, no Aeroporto de Congonhas, acompanhada por escrevente de cartório de Sorocaba, onde foi assinada a escritura. Pai e filho alegam que Zequinha estaria comprando à prestação o apartamento da empreiteira, tanto que já o arrola na sua declaração de bens. Mas nenhum deles deu detalhes do suposto negócio, do qual não há referência no cartório de registro de imóveis.
No segundo episódio, do apartamento 32, o vendedor conta que foi procurado diretamente por Rogério Frota, que, depois de visitar o apartamento, encarregou a mesma irmã de concluir o negócio. Para isso, Maria Rosane veio a São Paulo, acompanhada do mesmo escrevente do cartório de Sorocaba, onde a escritura foi assinada.
Diante das evidências das relações promíscuas do seu clã com interesses negociais, o senador invocou na sua diatribe uma versão peculiar do direito constitucional à privacidade. "Deus", exclamou, "eu devo dar explicações sobre compra ou uso de qualquer coisa que eu use na vida aqui para o Senado?" Sem querer, foi ao ponto da crise que a sua conduta exacerbou no Senado: o patrimonialismo, a abolição radical dos limites entre o público e o privado. Em discursos anteriores ele praticamente sustentou que a sua vida pública o tornava inimputável. Agora, no implausível papel de vítima, se considera desobrigado de responder por atos que deseja confinar à sua vida particular. Por essas e outras, 74% dos entrevistados do Datafolha querem que o senador deixe a presidência da Casa.
Editorial do Estado de São Paulo
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Transitando entre o impropério e o desatino, um transtornado senador José Sarney desconcertou os seus pares na sessão de segunda-feira da Casa ao investir em plenário contra este jornal por ter divulgado na véspera a história das estranhas transações imobiliárias da família envolvendo uma empreiteira com negócios bem-sucedidos no setor elétrico - onde a influência do senador é notória. A revelação de que a empresa Aracati Construções (rebatizada Holdenn Construções) comprou e mantém registrados em seu nome dois dos três apartamentos usados por membros do clã em um prédio nos Jardins, em São Paulo, literalmente tirou do sério o presidente do Senado. Em um surto de apagão mental, acusou o Estado - entre outras coisas - de adotar "uma prática nazista" - celebrando, de passagem, a inexistência de câmaras de gás no Brasil.
Descomposto, não apenas invectivou o jornal, comparando-o, para tentar desqualificá-lo, ora a um "tabloide londrino", ora a "um velho de fraque e de brincos" - seja lá o que isso signifique -, mas ainda se permitiu repreender os colegas de diferentes partidos que, em entrevistas, cobraram a apuração dos fatos. Deixou o plenário antes de ouvir os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF) pedirem mais uma vez o seu afastamento. "Estamos vivendo um momento em que esta Casa é pior do que o inferno, pelo deboche, pela ridicularização", declarou Simon. "Por que não permitir que o Conselho de Ética faça o levantamento (das relações de Sarney com a mencionada empreiteira)?" Cristovam concordou. "Houve uma denúncia em relação a um personagem e a obrigação da gente é investigar. E a obrigação dele seria pedir a investigação para limpar o seu nome", argumentou.
Os dois senadores defenderam o jornal dos ataques de Sarney. "O Estado de S. Paulo é um patrimônio deste país", assinalou Simon, lembrando já ter sido duramente criticado em suas páginas. "O Estado", disse Cristovam por sua vez, "jamais esteve dentro do bloco ideológico do qual eu me sinto parte, mas não há dúvida de que lutou pela democracia." O desarticulado esperneio de Sarney não teve nem a circunstância atenuante de apresentar alguma contestação objetiva ao teor da reportagem declarada "irresponsável" e "sem provas". Na realidade, denúncias nela veiculadas estão documentadas por declarações textuais dos antigos donos dos apartamentos, com o relato passo a passo das duas operações de venda.
No primeiro episódio, de fevereiro de 2006, o dono do apartamento 22 do edifício Solar de Vila América conta que foi abordado inicialmente por um neto do senador, José Adriano Cordeiro Sarney, filho do deputado Zequinha Sarney. Ele o informou de que o negócio seria acertado por alguém da Aracati - no caso, Maria Rosane Frota Cabral, irmã e sócia do empreiteiro Rogério Frota de Araújo -, que se encontrou com ele, então residente em Porto Alegre, no Aeroporto de Congonhas, acompanhada por escrevente de cartório de Sorocaba, onde foi assinada a escritura. Pai e filho alegam que Zequinha estaria comprando à prestação o apartamento da empreiteira, tanto que já o arrola na sua declaração de bens. Mas nenhum deles deu detalhes do suposto negócio, do qual não há referência no cartório de registro de imóveis.
No segundo episódio, do apartamento 32, o vendedor conta que foi procurado diretamente por Rogério Frota, que, depois de visitar o apartamento, encarregou a mesma irmã de concluir o negócio. Para isso, Maria Rosane veio a São Paulo, acompanhada do mesmo escrevente do cartório de Sorocaba, onde a escritura foi assinada.
Diante das evidências das relações promíscuas do seu clã com interesses negociais, o senador invocou na sua diatribe uma versão peculiar do direito constitucional à privacidade. "Deus", exclamou, "eu devo dar explicações sobre compra ou uso de qualquer coisa que eu use na vida aqui para o Senado?" Sem querer, foi ao ponto da crise que a sua conduta exacerbou no Senado: o patrimonialismo, a abolição radical dos limites entre o público e o privado. Em discursos anteriores ele praticamente sustentou que a sua vida pública o tornava inimputável. Agora, no implausível papel de vítima, se considera desobrigado de responder por atos que deseja confinar à sua vida particular. Por essas e outras, 74% dos entrevistados do Datafolha querem que o senador deixe a presidência da Casa.
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