As palmas protocolares no encerramento do discurso de defesa do presidente do Senado José Sarney explicitaram a falta de entusiasmo com que ele foi recebido pelo plenário. Foi uma peça medíocre, que revelou um político retrógrado cuja noção de ética pública não lhe permite entender a gravidade das atitudes que vem tomando na sua longa vida política.
Se é verdade que em determinado momento do país essa prática de conseguir empregos públicos para parentes e amigos era comum, passou a ser inaceitável pela sociedade civil mais antenada com os valores e padrões de comportamento modernos, e Sarney não compreendeu isso.
Manteve no plano nacional os mesmos métodos arcaicos de fazer política que mantém o Maranhão e o Amapá como seus feudos eleitorais. Em sua defesa, disse que as acusações “são coisas que não representam nenhuma queda de qualquer padrão ético”, o que é mais do que discutível e vai de encontro ao que pensa a grande maioria dos cidadãos.
Pesquisas de opinião divulgadas ontem pela oposição indicariam que 80% dos cidadãos querem que o senador José Sarney deixe a presidência do Senado.
Relatos de senadores revelam que o próprio Sarney, para tentar convencer alguns de seus pares de que não teriam prejuízos eleitorais caso o apoiassem, dizia que o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, lhe havia garantido que as denúncias não chegaram às classes populares C, D e E, ficando as críticas restritas às elites, às classes A e B.
A defesa de Sarney foi mais que uma peça medíocre, foi baseada em meias verdades e falsidades que, por si só, justificariam processos no Conselho de Ética se no Brasil valesse a prática política dos Estados Unidos, onde mentir é mais grave do que um ato impróprio que se pratique.
Mas aqui no Brasil, ao contrário, a mentira, as insinuações maldosas, já estão incorporadas à prática política e são facilmente esquecidas, até mesmo pelos adversários atingidos por elas, como é o caso presente em que o senador Fernando Collor tornou-se o mais fiel aliado do presidente Lula, a quem fez as piores acusações de cunho privado.
Além de afirmar que desconhecia vários nomes de uma lista de supostos beneficiados por indicações suas, pessoas que todos sabem que são ligados a ele por laços familiares ou de amizade – alguns Murad, da família de seu genro, casado com sua filha, a governadora Roseana Sarney; e Rodrigo Cruz, de quem foi padrinho de casamento, genro de Agaciel Maia, o ex-secretário geral do Senado nomeado por ele –, Sarney parece achar que seus pares, e a opinião pública, ignoram expedientes tão conhecidos quanto nocivos ao serviço público como as nomeações cruzadas.
Para evitar acusações de nepotismo, um político consegue nomeações em gabinetes de outros. Ao falar do fato mais constrangedor, o diálogo telefônico entre sua neta e seu filho e depois entre ele e seu filho, para tratar da nomeação de um namorado para um cargo no Senado que havia sido ocupado por um outro neto, Sarney garantiu que “não há nelas (gravações) qualquer palavra minha em relação a nomeação por ato secreto”. Mas ninguém disse que havia.
O fato é que o namorado da neta foi nomeado por um ato secreto, depois de um pedido de Sarney a Agaciel Maia. A dedução é óbvia, e acreditar que aí não existe pelo menos um indício fortíssimo de que o ato secreto foi a maneira de esconder da opinião pública a nomeação é apostar que o eleitorado que o interessa não consegue juntar causa e consequência.
Além do mais, candidamente, declarou da tribuna que “é claro que não existe um pedido de uma neta, se pudermos ajudar legalmente, que deixemos de atender”, o que dá bem a dimensão de seu entendimento do trato da coisa pública.
Outra passagem emblemática da maneira como Sarney se defende das acusações foi quando se referiu ao recebimento indevido do auxílio-moradia, por sete meses, sem ter notado, segundo declarou na ocasião.
“O auxílio-moradia é legal, direito dos senadores e muitos o recebem. Depositaram em minha conta e eu, não por ser ilegal, mas por uma decisão pessoal, oficiei pedindo que fosse estornado do meu contracheque”.
Pura tergiversação, pois se a instituição do auxílio-moradia é legal, sua utilização por quem tem residência própria em Brasília – e ainda mais ele, que tinha também a residência oficial de presidente do Senado – é uma ilegalidade que deveria ser punida.
A base da defesa de Sarney foi uma reiterada crítica aos meios de comunicação, que estariam lhe fazendo uma perseguição com fins políticos.
Sarney se apresentou como defensor da liberdade de imprensa, e tem recusado a acusação de ter censurado o jornal “O Estado de S. Paulo”, que foi proibido por um juiz amigo da família Sarney de publicar novas denúncias contra Fernando Sarney.
Mas o site Comunique-se mostrou que essa fama de defensor da liberdade de expressão não cai como uma luva no Sarney político, que já processou diversas vezes o “Jornal Pequeno”, do Maranhão.
Em suas campanhas políticas, as coligações que o apoiam têm um histórico de processar os que o criticam.
Ficou famoso em 2006 o caso da blogueira do Amapá Alcinéa Cavalcante, que iniciou o movimento “Xô Sarney”, que se espalhou pela internet. Seu blog foi tirado do ar e ela chegou a ser indiciada pela Polícia Federal.
A farsa do Conselho de Ética, que começou ontem a arquivar todas as representações contra o senador José Sarney, ficou clara na argumentação do senador Paulo Duque, exatamente igual à usada por Sarney em sua defesa na tribuna.
Ele alegou que todas as acusações eram respaldados “apenas por recortes de jornal”, e afirmou que há “inúmeras decisões da Justiça que não autorizam a abertura de processo por recortes de jornal”.
Não há, porém, a garantia de que Sarney se livrará das acusações sem ser investigado.
Mesmo depois de seu discurso, cinco partidos, inclusive o PT, continuavam defendendo sua licença para que as denúncias sejam apuradas. (Merval Pereira, O Globo)
Link Original
Se é verdade que em determinado momento do país essa prática de conseguir empregos públicos para parentes e amigos era comum, passou a ser inaceitável pela sociedade civil mais antenada com os valores e padrões de comportamento modernos, e Sarney não compreendeu isso.
Manteve no plano nacional os mesmos métodos arcaicos de fazer política que mantém o Maranhão e o Amapá como seus feudos eleitorais. Em sua defesa, disse que as acusações “são coisas que não representam nenhuma queda de qualquer padrão ético”, o que é mais do que discutível e vai de encontro ao que pensa a grande maioria dos cidadãos.
Pesquisas de opinião divulgadas ontem pela oposição indicariam que 80% dos cidadãos querem que o senador José Sarney deixe a presidência do Senado.
Relatos de senadores revelam que o próprio Sarney, para tentar convencer alguns de seus pares de que não teriam prejuízos eleitorais caso o apoiassem, dizia que o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, lhe havia garantido que as denúncias não chegaram às classes populares C, D e E, ficando as críticas restritas às elites, às classes A e B.
A defesa de Sarney foi mais que uma peça medíocre, foi baseada em meias verdades e falsidades que, por si só, justificariam processos no Conselho de Ética se no Brasil valesse a prática política dos Estados Unidos, onde mentir é mais grave do que um ato impróprio que se pratique.
Mas aqui no Brasil, ao contrário, a mentira, as insinuações maldosas, já estão incorporadas à prática política e são facilmente esquecidas, até mesmo pelos adversários atingidos por elas, como é o caso presente em que o senador Fernando Collor tornou-se o mais fiel aliado do presidente Lula, a quem fez as piores acusações de cunho privado.
Além de afirmar que desconhecia vários nomes de uma lista de supostos beneficiados por indicações suas, pessoas que todos sabem que são ligados a ele por laços familiares ou de amizade – alguns Murad, da família de seu genro, casado com sua filha, a governadora Roseana Sarney; e Rodrigo Cruz, de quem foi padrinho de casamento, genro de Agaciel Maia, o ex-secretário geral do Senado nomeado por ele –, Sarney parece achar que seus pares, e a opinião pública, ignoram expedientes tão conhecidos quanto nocivos ao serviço público como as nomeações cruzadas.
Para evitar acusações de nepotismo, um político consegue nomeações em gabinetes de outros. Ao falar do fato mais constrangedor, o diálogo telefônico entre sua neta e seu filho e depois entre ele e seu filho, para tratar da nomeação de um namorado para um cargo no Senado que havia sido ocupado por um outro neto, Sarney garantiu que “não há nelas (gravações) qualquer palavra minha em relação a nomeação por ato secreto”. Mas ninguém disse que havia.
O fato é que o namorado da neta foi nomeado por um ato secreto, depois de um pedido de Sarney a Agaciel Maia. A dedução é óbvia, e acreditar que aí não existe pelo menos um indício fortíssimo de que o ato secreto foi a maneira de esconder da opinião pública a nomeação é apostar que o eleitorado que o interessa não consegue juntar causa e consequência.
Além do mais, candidamente, declarou da tribuna que “é claro que não existe um pedido de uma neta, se pudermos ajudar legalmente, que deixemos de atender”, o que dá bem a dimensão de seu entendimento do trato da coisa pública.
Outra passagem emblemática da maneira como Sarney se defende das acusações foi quando se referiu ao recebimento indevido do auxílio-moradia, por sete meses, sem ter notado, segundo declarou na ocasião.
“O auxílio-moradia é legal, direito dos senadores e muitos o recebem. Depositaram em minha conta e eu, não por ser ilegal, mas por uma decisão pessoal, oficiei pedindo que fosse estornado do meu contracheque”.
Pura tergiversação, pois se a instituição do auxílio-moradia é legal, sua utilização por quem tem residência própria em Brasília – e ainda mais ele, que tinha também a residência oficial de presidente do Senado – é uma ilegalidade que deveria ser punida.
A base da defesa de Sarney foi uma reiterada crítica aos meios de comunicação, que estariam lhe fazendo uma perseguição com fins políticos.
Sarney se apresentou como defensor da liberdade de imprensa, e tem recusado a acusação de ter censurado o jornal “O Estado de S. Paulo”, que foi proibido por um juiz amigo da família Sarney de publicar novas denúncias contra Fernando Sarney.
Mas o site Comunique-se mostrou que essa fama de defensor da liberdade de expressão não cai como uma luva no Sarney político, que já processou diversas vezes o “Jornal Pequeno”, do Maranhão.
Em suas campanhas políticas, as coligações que o apoiam têm um histórico de processar os que o criticam.
Ficou famoso em 2006 o caso da blogueira do Amapá Alcinéa Cavalcante, que iniciou o movimento “Xô Sarney”, que se espalhou pela internet. Seu blog foi tirado do ar e ela chegou a ser indiciada pela Polícia Federal.
A farsa do Conselho de Ética, que começou ontem a arquivar todas as representações contra o senador José Sarney, ficou clara na argumentação do senador Paulo Duque, exatamente igual à usada por Sarney em sua defesa na tribuna.
Ele alegou que todas as acusações eram respaldados “apenas por recortes de jornal”, e afirmou que há “inúmeras decisões da Justiça que não autorizam a abertura de processo por recortes de jornal”.
Não há, porém, a garantia de que Sarney se livrará das acusações sem ser investigado.
Mesmo depois de seu discurso, cinco partidos, inclusive o PT, continuavam defendendo sua licença para que as denúncias sejam apuradas. (Merval Pereira, O Globo)
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