Como se sabe, o Senado empurrou para baixo de um tapete metafórico os detritos que se acumularam defronte da porta do seu presidente.
Já não há quem queira exercer o papel de estraga-festas. Todos os sapos foram engolidos e digeridos.
Mas a sujidade, por abundante, continua vazando pelas bordas. Em sua edição desta quinta (17), a Folha veicula novos detritos.
Notícia produzida pelos repórteres Andrea Michael, Hudson Corrêa e Andraza Matais dá conta do seguinte:
1. Conversas telefônicas e e-mails interceptados pela Polícia Federal demonstram que Sarney participa da rotina da fundação que leva o nome dele.
2. Nos grampos, soam as vozes do presidente do Senado e de uma de suas netas, Ana Clara, advogada da Fundação José Sarney.
3. Ouça-se o que disse Sarney à neta em 27 de fevereiro de 2008: "Olha, vai te ligar o [empresário] Richard Klien que também quer nos ajudar tá..."
“...Diz [a ele] que nós precisamos para a manutenção do convento [sede da fundação]. Que tem que pagar INSS...”
“...Veja quanto ele quer nos ajudar. (...) Dá o número da conta [bancária] da fundação".
4. No mesmo telefonema, Sarney informa a Ana Clara: "Já falei com o Iphan". Vem a ser o órgão público que custeia a preservação de prédios históricos.
Prédios como o Convento das Mercês, assentado em São Luís, onde funciona a sede da Fundação José Sarney.
5. Richard Klien, o empresário com quem Sarney negociava doações à fundação, atua no ramo de transportes portuários.
Numa de suas empresas, a Santos Brasil, Klein é sócio do banqueiro Daniel Dantas, o Investigado-geral da República.
Amigo da família, Klien borrifara verbas, em 2006, nas arcas eleitorais de José Sarney (R$ 270 mil) e nas de Roseana Sarney (R$ 240 mil).
6. Dois dias depois de conversar com o avô-senador, Ana Clara recebe um telefonema de Klien. "Meu avô disse que você iria ligar", ela diz.
E ele: "Estou analisando como posso ajudar com a fundação e te pergunto: tem Lei Rouanet [que permite descontar patrocínio no Imposto de Renda] nisso?"
Ana Clara responde: "Não. A gente tem até um projeto, mas a gente está fazendo com a Petrobras para digitalização do acervo de artes e livros".
7. No início de março, Ana Clara avisa ao avô que Klien, como previsto, lhe telefonara. O celular dela estava sov monitoramento da PF por conta de investigação aberta contra Fernando Sarney, o filho do senador que cuida dos negócios da família.
8. Decorridos quatro dias, o empresário Klien volta a tocar o telefone para Ana Clara. "Vou viajar semana que vem talvez e tava querendo deixar a primeira remessa pronta...”
“...Vou te mandar entre 70 e 100 mil". Recorre a uma metáfora alimentícia para dizer que a remessa seguiria em parcelas: "Vou cortar a linguiça em pedaços".
9. Noves fora os telefonemas, a PF capturou e-mails de Ana Clara. Um deles, datado de 7 de agosto de 2008, é endereçado a Sarney.
10. Na mensagem, a neta informa ao avô acerca de decisões que seriam tomadas em reunião da Fundação José Sarney.
11. Ela fornece detalhes sobre a destituição de membros do conselho curador da fundação.
12. "O único receio aqui é que não há prova da efetiva convocação desses membros, e a Promotoria pode alegar que eles não foram convocados e, assim, não poderiam perder os mandatos", Ana Clara anotou.
13. A neta sugere a Sarney a obtenção de cartas de renúncia de conselheiros. "O que o sr. acha?". A fórmula sugerida seria adotada no dia 19 daquele mesmo mês.
14. A troca de telefonemas e o e-mail evidenciam que o presidente do Senado participa do dia a dia da fundação que traz seu nome enganchado na logomarca.
15. Evidência de que Sarney mentiu ao Senado: "Nunca tive nenhuma função administrativa na fundação fundada por mim", discursara, o senador, no plenário, em 5 de agosto passado.
16. No discurso, Sarney tentara tomar distância de malfeitos pendurados nas manchetes daqueles dias. O principal deles envolvia um patrocínio da Petrobras.
18. Coisa de R$ 1,34 milhão. Dinheiro provido pela para recuperar o acervo da fundação. Um pedaço da verba foi parar na caixa registradora de empresas que ou não explicaram que serviços prestaram ou que são ligadas à família Sarney.
19. Procurado, Sarney reiterou que está afastado da gestão da fundação. Sua assessoria repassou à Folha uma tentativa de resposta.
20. “Ajudar na captação de recursos e dar opiniões sobre temas de importância da fundação [...] demonstram apenas o apreço do presidente José Sarney pela instituição. Mas está longe de caracterizar participação na sua administração".
21. Em condições normais, a mentira constituiria quebra de decoro parlamentar. Em 2000, uma inverdade pronunciada pelo então senador Luiz Estevão custara-lhe o mandato.
22. No caso de Sarney, porém, já não parece haver quem se disponha a revolver o monturo que jaz sob o tapete. Ficou combinado que tudo não passa de “campanha da mídia”.
Escrito por Josias de Souza
Link Original
Já não há quem queira exercer o papel de estraga-festas. Todos os sapos foram engolidos e digeridos.
Mas a sujidade, por abundante, continua vazando pelas bordas. Em sua edição desta quinta (17), a Folha veicula novos detritos.
Notícia produzida pelos repórteres Andrea Michael, Hudson Corrêa e Andraza Matais dá conta do seguinte:
1. Conversas telefônicas e e-mails interceptados pela Polícia Federal demonstram que Sarney participa da rotina da fundação que leva o nome dele.
2. Nos grampos, soam as vozes do presidente do Senado e de uma de suas netas, Ana Clara, advogada da Fundação José Sarney.
3. Ouça-se o que disse Sarney à neta em 27 de fevereiro de 2008: "Olha, vai te ligar o [empresário] Richard Klien que também quer nos ajudar tá..."
“...Diz [a ele] que nós precisamos para a manutenção do convento [sede da fundação]. Que tem que pagar INSS...”
“...Veja quanto ele quer nos ajudar. (...) Dá o número da conta [bancária] da fundação".
4. No mesmo telefonema, Sarney informa a Ana Clara: "Já falei com o Iphan". Vem a ser o órgão público que custeia a preservação de prédios históricos.
Prédios como o Convento das Mercês, assentado em São Luís, onde funciona a sede da Fundação José Sarney.
5. Richard Klien, o empresário com quem Sarney negociava doações à fundação, atua no ramo de transportes portuários.
Numa de suas empresas, a Santos Brasil, Klein é sócio do banqueiro Daniel Dantas, o Investigado-geral da República.
Amigo da família, Klien borrifara verbas, em 2006, nas arcas eleitorais de José Sarney (R$ 270 mil) e nas de Roseana Sarney (R$ 240 mil).
6. Dois dias depois de conversar com o avô-senador, Ana Clara recebe um telefonema de Klien. "Meu avô disse que você iria ligar", ela diz.
E ele: "Estou analisando como posso ajudar com a fundação e te pergunto: tem Lei Rouanet [que permite descontar patrocínio no Imposto de Renda] nisso?"
Ana Clara responde: "Não. A gente tem até um projeto, mas a gente está fazendo com a Petrobras para digitalização do acervo de artes e livros".
7. No início de março, Ana Clara avisa ao avô que Klien, como previsto, lhe telefonara. O celular dela estava sov monitoramento da PF por conta de investigação aberta contra Fernando Sarney, o filho do senador que cuida dos negócios da família.
8. Decorridos quatro dias, o empresário Klien volta a tocar o telefone para Ana Clara. "Vou viajar semana que vem talvez e tava querendo deixar a primeira remessa pronta...”
“...Vou te mandar entre 70 e 100 mil". Recorre a uma metáfora alimentícia para dizer que a remessa seguiria em parcelas: "Vou cortar a linguiça em pedaços".
9. Noves fora os telefonemas, a PF capturou e-mails de Ana Clara. Um deles, datado de 7 de agosto de 2008, é endereçado a Sarney.
10. Na mensagem, a neta informa ao avô acerca de decisões que seriam tomadas em reunião da Fundação José Sarney.
11. Ela fornece detalhes sobre a destituição de membros do conselho curador da fundação.
12. "O único receio aqui é que não há prova da efetiva convocação desses membros, e a Promotoria pode alegar que eles não foram convocados e, assim, não poderiam perder os mandatos", Ana Clara anotou.
13. A neta sugere a Sarney a obtenção de cartas de renúncia de conselheiros. "O que o sr. acha?". A fórmula sugerida seria adotada no dia 19 daquele mesmo mês.
14. A troca de telefonemas e o e-mail evidenciam que o presidente do Senado participa do dia a dia da fundação que traz seu nome enganchado na logomarca.
15. Evidência de que Sarney mentiu ao Senado: "Nunca tive nenhuma função administrativa na fundação fundada por mim", discursara, o senador, no plenário, em 5 de agosto passado.
16. No discurso, Sarney tentara tomar distância de malfeitos pendurados nas manchetes daqueles dias. O principal deles envolvia um patrocínio da Petrobras.
18. Coisa de R$ 1,34 milhão. Dinheiro provido pela para recuperar o acervo da fundação. Um pedaço da verba foi parar na caixa registradora de empresas que ou não explicaram que serviços prestaram ou que são ligadas à família Sarney.
19. Procurado, Sarney reiterou que está afastado da gestão da fundação. Sua assessoria repassou à Folha uma tentativa de resposta.
20. “Ajudar na captação de recursos e dar opiniões sobre temas de importância da fundação [...] demonstram apenas o apreço do presidente José Sarney pela instituição. Mas está longe de caracterizar participação na sua administração".
21. Em condições normais, a mentira constituiria quebra de decoro parlamentar. Em 2000, uma inverdade pronunciada pelo então senador Luiz Estevão custara-lhe o mandato.
22. No caso de Sarney, porém, já não parece haver quem se disponha a revolver o monturo que jaz sob o tapete. Ficou combinado que tudo não passa de “campanha da mídia”.
Escrito por Josias de Souza
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