Empréstimo de 2001, assinado por Roseana e deputado, obteve verba do FAT
Televisão dos filhos do presidente do Senado alega que decisões da Justiça do Maranhão a livram de pagamentos ao BNB
O BNB (Banco do Nordeste do Brasil), estatal controlada pela União, cobra na Justiça dívida de R$ 12 milhões por empréstimos tomados pela Televisão Mirante, pertencente aos filhos do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Metade da cobrança, que em valores atualizados atinge R$ 14 milhões, refere-se a dinheiro público do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), vinculado ao Ministério do Trabalho.
A TV nega as dívidas, diz que já pagou R$ 3,1 milhões e não se considera mais devedora, após ter obtido duas vitórias na Justiça do Maranhão. O BNB recorreu, em maio último, ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A Folha teve acesso ao conteúdo das ações judiciais abertas pelo BNB em 2005.
A empresa é beneficiária de três empréstimos: dois de 1997, referenciados em dólar, no valor de US$ 2,85 milhões, e outro de R$ 3 milhões em abril de 2001, com recursos do FAT.
O empréstimo de 2001 foi liberado após a assinatura de uma cédula de crédito comercial -uma espécie de termo de compromisso que indica valores, prazos de pagamento e bens para eventual penhora.
A cédula foi assinada, por procuração, pela atual governadora do Estado, Roseana (PMDB), pelo deputado federal Sarney Filho (PV) e pelo outro filho do senador, Fernando, indiciado pela PF sob acusação de formação de quadrilha.
A mulher de Fernando, Tereza Murad, é quem tinha a procuração para assinar o papel. Os quatro são sócios da Mirante, afiliada da Rede Globo.
Pelo documento, a família Sarney se comprometeu a utilizar a verba do FAT em obras (R$ 488 mil), aquisição de equipamentos, como câmeras de vídeo e ilhas de edição (R$ 885 mil), móveis e utensílios (R$ 543 mil), entre outras despesas. Também prometeu desembolsar "no mínimo R$ 1,31 milhão" em dinheiro próprio.
Meses após o empréstimo, a TV deixou de pagar as parcelas -entre 2001 e 2005, a dívida subiu para R$ 6,4 milhões. A TV entrou com uma ação para pedir anulação do documento.
O BNB cobrou judicialmente a TV no mês seguinte, após ter firmado "diversos aditivos" em "sucessivas oportunidades". "A embargante [televisão] e seus sócios e avalistas deixaram de pagar as parcelas acordadas", afirmou o banco. A partir daí, o assunto virou imbróglio na Justiça do Maranhão.
No caso dos empréstimos captados em dólar, a TV alegou à Justiça serem nulas as cláusulas que previam a atualização do saldo devedor pela variação do dólar e acusou o banco de cobrar juros abusivos. Sobre o crédito do FAT, reafirmou que se tratava de um "acessório" criado pelo BNB para "cobrir encargos" das duas primeiras operações "sem que houvesse [à Mirante] aporte financeiro de um centavo".
A defesa do BNB qualificou a versão da empresa de um "puro devaneio" e negou haver relação direta entre as operações de 1997 e a de 2001. Em 2007, o juiz Luiz Gonzaga Almeida Filho, da 8ª Vara Cível, acolheu os argumentos da empresa, ordenou o cancelamento das cláusulas que previam a atualização pelo dólar e anulou o empréstimo de 2001, por considerá-lo vinculado a um saldo devedor irregular.
Segundo o juiz, o BNB não comprovou ter captado no exterior os recursos emprestados em 1997. Mencionou laudo de perícia nomeada pelo juiz que afirma que a cédula comercial "foi destinada para a amortização" do débito de 1997. O Tribunal de Justiça confirmou a decisão. No acórdão, contudo, há indícios de que o dinheiro foi desviado do plano original, que previa investimentos na televisão.
A desembargadora Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz reproduziu, em seu relatório, uma resposta do perito judicial. Indagado se o dinheiro do FAT foi usado para quitar os primeiros empréstimos, o perito respondeu: "Sim, a cédula comercial foi destinada para a amortização das escrituras [de 1997], pois na mesma data do crédito houve a transferência para pagamentos".
A resposta está na base do argumento usado pela desembargadora para anular o empréstimo. Ela citou trecho de decisão do TJ catarinense que diz que uma cédula comercial "não pode ser desvirtuada para o financiamento de anterior saldo devedor, a fim de liquidar débitos de outros contratos".
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